A Lei n. 6.368, de 1976, tipificava como crime a conduta de "adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar", prevendo para ela penas de seis meses a dois anos de detenção, além de multa. Lei elaborada nos tempos da ditadura militar, tinha como premissa a ideia de que o viciado em entorpecentes é um bandido, um vagabundo e, como tal, merece cadeia.
A criminalização do dependente sempre gerou inúmeras consequências graves e número correspondente de controvérsias. O sistema de justiça criminal não parece o locus mais adequado para resolver esse drama. Os fatos e os números demonstram que a lei, a polícia, as ações penais não foram capazes de coibir o consumo e o tráfico. E nesse meio tempo cresceram, no âmbito da saúde pública, as ações ligadas à chamada política de redução de danos, que procura minimizar as consequências adversas de um problema enquanto não se pode eliminá-lo. Daí vêm, p. ex., as controversas campanhas de distribuição de seringas para viciados em drogas injetáveis, a fim de reduzir a contaminação com diversos tipos de doenças.
Em 2006, a Lei n. 11.343, acolhendo os reclamos de vários setores da sociedade civil, acabou com a prisão do usuário de entorpecentes. As condutas de "adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar" passaram a ser apenados com advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Os dependentes químicos, assim, saem das prisões, mas nada assegura que tenham acesso a tratamento especializado ou, caso haja acesso, que eles se tratem de fato até a recuperação da saúde. Este é o mote para que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) nade na contracorrente dos movimentos que encaram a dependência química como problema de saúde pública e proponha projeto de lei reinstituindo a prisão nesses casos, com penas de seis meses a um ano de detenção. Supostamente, contudo, a intenção não é mandar ninguém para a cadeia, e sim viabilizar o tratamento de saúde.
Como sempre, apostam-se as fichas erradas no jogo. A velha mania de recorrer ao Direito Penal para tudo. Não se poderia legislar sobre tratamento compulsório de desintoxicação, sem a previsão de penas prisionais? Porque a consequência da aprovação dessa medida pode ser anunciada hoje: a ausência de vagas em clínicas de desintoxicação fará os juízes mandarem gente para a cadeia, a rodo. Isso sem falar nas sentenças moralizantes, nas quais o magistrado discursa sobre o péssimo caráter do réu e profetiza que nenhuma medida abaixo da prisão será suficiente.
Este filme não é novo. Fazê-lo passar é tolice.
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