quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Maior em quê?

Em 2007, uma menina de 15 anos passou mais de vinte dias presa numa cela com mais de vinte homens, em Abaetetuba, Pará. O caso ganhou enorme repercussão, inclusive internacional. Nosso Estado voltou às manchetes com um novo escândalo de violação de direitos fundamentais.
Os donos da verdade, claro, não a pouparam. Diziam que ela tinha culpa por ter cometido ilícitos, que não era nenhuma santa e que as vítimas da história eram as autoridades públicas que acabaram submetidas à execração pública e punições. Aqui mesmo no blog, um comentarista (anônimo, claro) veio com essa conversa, como se alguma coisa pudesse minimizar a arbitrariedade estatal, que redundou em vários estupros que a garota sofreu. Vale lembrar que, por mais criminosa que fosse, no Brasil não há pena de estupro.
Três anos após o episódio, cresce a lista de punições (quase uma novidade em nosso país). Primeiro foi a juíza de Abaetetuba, aposentada compulsoriamente por decisão do Conselho Nacional de Justiça. Ontem, quatro delegados de polícia foram exonerados. Nesse meio tempo, L. completou 18 anos. Ganha o direito a uma cela em caso de novo delito. Uma cela feminina, espero, mas desta feita com o risco de uma sanção criminal. E sem cela especial, já que não dispõe de nível superior nem mandato político. Daí advém a grande pergunta: o que o Estado fez por L., além de submetê-la a dezoito meses de medida socioeducativa por causa dos furtos que cometeu? O direito de puni-la, travestido de proteção, foi acompanhado do dever de lhe propiciar condições de vida digna, na fase adulta que ora começa?
Fácil dizer que é uma viciada em crack. Mas acaso as pessoas se viciam em crack simplesmente por que querem? É uma mera questão de livre arbítrio? Talvez entre os playboyzinhos, mas esse não é o perfil de L.
No final, a questão não é nova: como o Brasil cuida de seus filhos, notadamente de suas crianças e jovens? O drama de L. lhe deu acesso a algum tipo de assistência, mas e os milhares de meninos e meninas barbarizados cotidianamente, sem que a mídia lhes brinde com um pouco de atenção? O que será feito desses? Se nem L. tem segurança quanto ao seu futuro, imagine os completamente invisíveis.

4 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, como de costume, concordo com tudo que você disse, exceto com a parte sobre os playboyzinhos, porque, se considerarmos que o uso de drogas pode resultar, num bom número de casos, de carências afetivas, problemas de personalidade e estímulos do meio social, esses três fatores estariam presentes em todas as classes e, em muitos casos, a condição econômica mais abastada pode expor a pessoa até mais a esses fatores, e não menos. Eles têm, sem dúvida, acesso a mais informações e a mais meios de prevenção e vias de esperança, mas isso ainda não faz com que sua decisão pelo uso de drogas possa ser considerado um ato de puro capricho voluntário, uma espécie de hobby de luxo. Preocupo-me que não se enxerguem as carências e lacunas sérias que estão presentes nas classes mais altas. Se sabemos que dinheiro sozinho não compra nem felicidade, nem honestidade, nem boas relações familiares, nem boas amizades, então não temos por que achar que compra liberdade de pensamento e de escolha perante as drogas. Quanto à situação de L., concordo inteiramente com o que você escreveu. Abraço!

Luiza Montenegro Duarte disse...

O André demora a comentar, mas quando o faz, é irretocável.
O post também é excelente, Professor. O caso de L. é mais uma das provas que ainda temos muito a evoluir culturalmente em relação às mulheres, que ainda são, frequentemente, consideradas culpadas pela violência que sofrem.

Yúdice Andrade disse...

Tens razão como sempre, André. Minha alusão aos playboyzinhos foi uma generalização e, ao fazê-la, eu estava consciente do risco que toda generalização representa. Fi-lo como medida de provocação, mas uma análise isenta aponta que a razão está mesmo contigo.

Verdade, Luiza. E aqui não se trata de fazer política de gênero, mas apenas de reconhecer uma igualdade que, em pleno século XXI, estarrece que ainda seja posta em questão.

Ana Paula disse...

Lendo este seu post me recordei de um trabalho sobre co-culpabilidade que fizemos. Ótimos ensinamentos, professor e, ainda que não os tenhamos tido em penal III e atualmente em penal IV, os levaremos para sempre.