quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mutirão carcerário

Começa hoje, no Estado do Pará, mutirão carcerário, com duração de 30 dias. A intenção é examinar a situação dos 7,2 mil presos provisórios, que precisam ser julgados, e dos 4,8 mil já condenados, que eventualmente poderiam estar aptos a receber algum benefício de execução penal, notadamente progressão de regime penitenciário ou livramento condicional.

Como já abordado aqui no blog, em outras ocasiões, um dos maiores problemas do sistema carcerário no Brasil como um todo é o excesso de presos provisórios, não apenas porque gera superlotação, mas porque a situação dessas pessoas é incerta, facilitando o excesso de punição (p. ex., o indivíduo fica em regime fechado mais tempo do que seria permitido, de acordo com a pena posteriormente imposta) ou até mesmo erros judiciários, na hipótese de posterior absolvição ou extinção da punibilidade. Além disso, uma quantisdade extraordinária de mandados de prisão deixa de ser cumprida, simplesmente porque não há mais condições de receber novos presos, ainda quando condenados por sentença definitiva.

Como ensina Eugenio Raúl Zaffaroni, o excesso de prisões cautelares é uma rotina em toda a América Latina e constitui uma das provas da falência do sistema de justiça criminal, que apesar de seus discursos de segurança, isonomia e eficiência, na verdade está mais interessado em atingir os indivíduos vulneráveis do que em prevenir/reprimir a criminalidade.

Os mutirões carcerários foram objeto da Recomendação n. 24, de 4.8.2009, do Conselho Nacional de Justiça. O Conselho Nacional do Ministério Público encampou a ideia, que será executada pelos tribunais de justiça dos Estados, com a participação dos Ministérios Públicos estaduais, Defensorias Públicas, Ordem dos Advogados do Brasil, Poder Executivo (ao qual está vinculado o sistema penitenciário) e instituições de ensino superior, onde haja cursos de Direito, que fornecerão estudantes para auxiliar nessa importante tarefa. Em nosso Estado, a Universidade Federal do Pará UFPA e o Centro Universitário do Pará  CESUPA estão participando.

A iniciativa chega muito tarde, mas sempre em tempo, porque combate uma das mais dramáticas violências características de Estados desajustados. Violência que, vale ressaltar, não se limita aos presos e seus familiares, pois explode — através de rebeliões, fugas, crime organizado, altos índices de reincidência e outros fatores —, gerando efeitos drásticos para toda a sociedade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Yudice,
Há um certo tempo venho discutindo e até já trabalhei com ressocialização de egressos do sistema penal.
Como bem sabes a Lei de execução penal proporciona diversos direitos aos custodiados que se estendem aos presos provisórios, mas sabemos que a realidade é outra.
No que se refere aos egressos que foram presos provisoriamente existe uma lacuna social muito grande, que é a falta de perspectiva de vida, após o cárcere (não que os sentenciados, tb nao tenham) em termos de políticas públicas, mas quanto aos presos provisórios é mais grave ainda a situação.
Acho que estes mutirões poderiam ser mais planejados não apenas quanto a questão da Justiça, mas fundamentalmente deviam estar ligados as áreas da assistência social, emprego e renda e educação.
Por exemplo: imagine que um preso provisório seja liberado...qual a sua perspectiva de vida??? Podemos supor pelos números de reincidência criminal que continuará a serviço do tráfico e na maioria das vezes, por falta de oportunidades e aí voltará ao cárcere, após uma semana apenas de liberdade. O nível de reincidência criminal é altíssimo e é neste índice que as ações deveriam se focadas, pois desafogaria mais este número de presos provisórios.
Todos os órgãos auxiliares da execução penal e em especial o conselho da comunidade poderiam articular todos os projetos sociais e ferramentas disponíveis para que no próprio mutirão carcerário possa se encaminhar o interno para projetos de qualificação profissional e educação.
É um momento para se aproveitar com mais qualidade esta liberação de presos e tentar diminuir os altos índices de criminalidade e reincidencia criminal.
O sistema "S" ( SENAI, SESC, SESI E SEBRAI) poderia ser um parceiro permanente, aliás o SESI já possui projeto específico para qualificação profissional para adolescentes vítimas de violencia sexual.
Apesar de toda boa vontade de algumas pessoas e projetos isolados a situação dos presos provisórios exige ações bem mais contudentes que apenas a concessão de sua liberdade e assim é urgente restaurar seus direitos mais básicos, como educação (básica e profissional), saúde, além de fomentar as oportunidades de trabalho e renda para esta população.
Ocorre, que se a sociedade não apoiar tais iniciativas o Estado sozinho não dará conta deste grande problema.
A solução não é simplista e carece de pluriações e do desarmamento de certos preconceitos quanto a estas pessoas.
Anna Lins

Yúdice Andrade disse...

Sempre correta e precisa, Anna. Vou repercutir.