sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Mutirão, só, não adianta

Quando comenta aqui no blog, Anna Cláudia Lins de Oliveira frequentemente oferece importantes contribuições. Em comentário à postagem "Mutirão carcerário", ela me deixou mais um pouco de sua experiência:

Há um certo tempo venho discutindo e até já trabalhei com ressocialização de egressos do sistema penal.

Como bem sabes a Lei de execução penal proporciona diversos direitos aos custodiados que se estendem aos presos provisórios, mas sabemos que a realidade é outra.
No que se refere aos egressos que foram presos provisoriamente existe uma lacuna social muito grande, que é a falta de perspectiva de vida, após o cárcere (não que os sentenciados, tb nao tenham) em termos de políticas públicas, mas quanto aos presos provisórios é mais grave ainda a situação.
Acho que estes mutirões poderiam ser mais planejados não apenas quanto a questão da Justiça, mas fundamentalmente deviam estar ligados as áreas da assistência social, emprego e renda e educação.
Por exemplo: imagine que um preso provisório seja liberado...qual a sua perspectiva de vida??? Podemos supor pelos números de reincidência criminal que continuará a serviço do tráfico e na maioria das vezes, por falta de oportunidades e aí voltará ao cárcere, após uma semana apenas de liberdade. O nível de reincidência criminal é altíssimo e é neste índice que as ações deveriam se focadas, pois desafogaria mais este número de presos provisórios.
Todos os órgãos auxiliares da execução penal e em especial o conselho da comunidade poderiam articular todos os projetos sociais e ferramentas disponíveis para que no próprio mutirão carcerário possa se encaminhar o interno para projetos de qualificação profissional e educação.
É um momento para se aproveitar com mais qualidade esta liberação de presos e tentar diminuir os altos índices de criminalidade e reincidencia criminal.
O sistema "S" (SENAI, SESC, SESI E SEBRAI) poderia ser um parceiro permanente, aliás o SESI já possui projeto específico para qualificação profissional para adolescentes vítimas de violencia sexual.
Apesar de toda boa vontade de algumas pessoas e projetos isolados a situação dos presos provisórios exige ações bem mais contudentes que apenas a concessão de sua liberdade e assim é urgente restaurar seus direitos mais básicos, como educação (básica e profissional), saúde, além de fomentar as oportunidades de trabalho e renda para esta população.
Ocorre, que se a sociedade não apoiar tais iniciativas o Estado sozinho não dará conta deste grande problema.
A solução não é simplista e carece de pluriações e do desarmamento de certos preconceitos quanto a estas pessoas.

Como de hábito, Anna tem razão. Assim como aconteceu com os escravos libertos em 1888, só lhes ficou mesmo a liberdade de ir e vir, porque permaneceram escravizados à miséria e à marginalização. De modo semelhante, o egresso do sistema penal que já era, antes da prisão, pouco socializado passa a enfrentar dificuldades ainda maiores para a sua (res)socialização. Simplesmente colocá-los na rua não adianta.
Mesmo assim, entendo que o mutirão, ao se limitar a analisar 11 mil processos, ao menos cumpre a primeira etapa dessa imensa tarefa. É péssimo, para os objetivos de ressocialização, que o indivíduo se sinta injustiça e perseguido. Ao menos um traço de preocupação pode causar um bom efeito, naqueles que pretendem andar na linha.
Decerto, porém, que essa primeira etapa, sozinha, não resolve nada. Ficam, portanto, as boas sugestões de Anna.

2 comentários:

Antonio Graim Neto disse...

As colocações, aqui expostas, são muito precisas. É por isso que a Defensoria Pública vem atuando fortemente no intuito de trazer efetiva liberdade aos seus assistidos, transcendendo ao alvará de soltura.
Falo do Projeto da Central de Flagrantes da DP que beneficia presos provisórios passíveis de pena alternativa. Aqueles assistidos que se encontram dentro de um perfil predeterminado são inseridos em um programa de acompanhamento de uma equipe multidisciplinar que os coloca em cursos profissionalisantes. Dessa forma, se absolvido for, já passa a ter uma profissão para que possa ser socializado. Se condenado for, mais um subsídio é dado ao magistrado para que possa aplicar a substituição penal, aproveitando aquilo que o réu aprendeu, enquanto respondia a ação penal.
Esse projeto, o qual tenho a honra de trabalhar, já está em vigor a mais de um ano, portanto, anterior ao mutirão do CNJ, mas, este veio em boa hora para dar maior efetividade, pois as dificuldades que se encontra no dia a dia em alcançar a liberdade provisória do assistido será diminuída com o mutirão, assim se espera, fazendo com que os que forem beneficiados com a liberdade provisória já poderão ser inseridos no projeto.
Mas, verdade deve ser dita, mutirão apenas não resolve um problema histórico. Porém, ele é um grande passo, pois não se pode mais conceber a situação precaríssima com a qual convivemos. Ressalte-se que não se tratam de 11 mil processos, mas, sim, de 11 mil presos, aproximadamente. O número de processos é ainda maior.
Que o mutirão venha a trazer uma nova perspectiva de administração judiciária. É o que se espera.

Precisamos iniciar o mutirão em nossas consciências, também.

Anônimo disse...

Entendo que ela têm razão sim!