quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Outras formas de interação

Ao longo de mais de 11 anos de docência, já observei muitos alunos em atitudes consideradas aversivas dentro de sala de aula. É comum ver alguns deles presentes de corpo, para assegurar a presença — já que faço um rigoroso controle de frequência —, mas estudando para provas de outras disciplinas ou fazendo trabalhos. Já tive alunas que lixavam as unhas ou se maquiavam. Já tive alunos dormindo, desenhando, mandando bilhetinhos, alcoolizados e brincando no celular. Felizmente, essas coisas acontecem muito pouco comigo, mas às vezes tenho que lidar com elas. Meu normal é não interferir. Não sou babá e, além de um olhar de desaprovação, prefiro investir na continuidade da aula para os que a desejam, a menos que o comportamento inadequado esteja, de fato, prejudicando a tarefa.
Com o aprimoramento e a acessibilidade da tecnologia, esse problema se intensificou. Trabalhando numa instituição privada, lido com um público cheio de celulares com acesso à Internet e notebooks, sendo que a instituição disponibiliza uma rede wireless.
É o caso de perguntar: o aluno que utiliza um recurso desses durante a aula está faltando com o respeito ao professor?
Meu primeiro impulso seria responder que sim e estou certo de que a esmagadora maioria de meus colegas seria bem enfática nesse sentido. Mas ontem à tarde, em uma das reuniões do planejamento docente do ano de 2011, lançaram um olhar diferente sobre a questão. Dizer que o mundo está mudando não é apenas um clichê: é a realidade. E não se trata apenas de uma mudança de comportamentos: o próprio organismo humano se adapta aos novos tempos. Ontem, éramos orientados a ter atenção concentrada na tarefa do momento. Bom aluno era aquele capaz de se fixar horas em uma leitura, p. ex., num ambiente calmo e convidativo à reflexão. Hoje, o mérito é a atenção difusa, a capacidade de processar várias informações simultaneamente, mesmo que no ritmo frenético de nossos dias.
Some-se a isso o fato de que a atual geração se comporta em relação aos gadgets com a mesma naturalidade com que a minha lidava com a caneta. É um recurso óbvio. O professor não se sente ofendido por um estudante escrever enquanto ele fala; deveria ofender-se por ele usar o celular?
Pus-me a pensar na questão. Acredito, agora, que o juízo de valor não pode mais ser feito focando a conduta em si, isoladamente considerada. O problema não é navegar na Internet durante a aula, mas o modo e os objetivos de fazê-lo. Um aluno já checou uma informação importante e me ajudou a tirar a dúvida de um colega, o que foi ótimo. Mas há também o desinteresse abusado e há aqueles que gostam de testar o professor. Da última vez em que isso me aconteceu, o rapaz teve a infelicidade de confundir dois assuntos diferentes e ficou constrangido quando eu lhe disse que o seu exemplo não se aplicava ao tema da aula. O feitiço virou contra o feiticeiro, mas não é nada impossível que o professor seja posto numa situação desagradável, já que ninguém é computador para ter, na ponta da língua, exatamente a particularidade obscura que o aluno encontrou na Internet.
Não sei quantos concordarão com a alegação de que os professores devem se adequar aos novos meios de ser e de viver, no que tange às traquitanas tecnológicas e suas potencialidades. Mas penso que o processo é irreversível e que devemos aprender a usar esses recursos em favor da aula do dia; vale dizer, em favor dos nossos objetivos educacionais.

PS — Pode ser birra minha, mas lixar unha em sala de aula, para mim, é inadmissível.

7 comentários:

Arthur Laércio Homci disse...

Yúdice,

Sou totalmente a favor do uso de recursos tecnológicos pelos alunos em sala de aula. Digo a eles, em tom de brincadeira, que desistam dessa história de caderno, que isso é coisa do passado! rs

Jocosidades à parte, creio que os recursos tecnológicos podem garantir maior interatividade em sala de aula, quando bem utilizados. Várias vezes já fui auxiliado por uma informação buscada na internet, seja por meio de notebooks ou, o que é mais comum, pelos smartphones dos alunos.

É verdade que já fui testado também, mas creio que inclusive isso pode ser positivo em sala de aula, desde que o aluno o faço de maneira adequada, e o professor saiba se portar diante da 'adversidade' de ser posto em xeque.

Abraços!

caio disse...

Eu gosto de usar notebook... sou mais rápido digitando do que escrevendo minhas observações sobre a aula. É até mais fácil de organizar depois.

Nesse último semestre, vi ao menos três pessoas usando na sala... na minha, isso havia começado com uma, no anterior. Não acho difícil o caderno virar uma minoria, ao menos no curso de direito do Cesupa, em poucos anos...

Grande abraço!

Yúdice Andrade disse...

Na verdade, Arthur, se pudéssemos ter todos os alunos diante de um monitor, poderíamos ilustrar nossas exposições com muitos recursos mais, facilitando até mesmo que mantivessem sua atenção focada na aula. O desafio seria lidar com a Internet, mas se a educação não bastasse, teríamos como bloquear esse acesso.
No final das contas, todos temos que aprender. Alguém deveria montar um curso para ensinar a nós, professores, como usar com proveito essas ferramentas, mesmo em aulas comuns. Eu faria um treinamento desses de bom grado.

Luiza Montenegro Duarte disse...

Lixar a unha em qualquer lugar que não seja no salão ou em casa é inadmissível.

Anônimo disse...

É Yúdice, tenho que concordar com a atenção difusa. Na minha época de Cesupa ainda não tínhamos wireless nas salas, o que eu não sentia falta por nem laptop possuir à época.

Depois que fui morar em SP, comprei um para servir de agenda, caderno e coisas mais; além de substituir o meu desktop, que não poderia levar comigo.

Na DireitoGV, logo que cheguei havia a rede sem fio disponível, e logo percebi que me acostumei rapidamente a ler textos relacionados à aula - digo: temas pertinentes ao que o prof. estava falando -, e prestar atenção no andamento da aula. Percebi que a minha reflexão sobre os assuntos melhorou, assim como, sem fechar os textos que eu havia aberto na aula, quando chegava em casa ia ler com mais calma, o que sedimentava ainda mais o entendimento.

Caso e/ou quando eu assumir algum cargo de docência essa será uma recomendação àqueles alunos que disponham desses recursos. Muitas vezes os alunos deixam de ler as leituras obrigatórias, somente ter de ir à biblioteca ou não dispor do material. Com o material aberto já no computador isso é um passo dado para ver o e-mail, facebook, e os textos que estiverem abertos, sejam doutrina, jurisprudência, etc.

Parabéns pelo post, divulgar esse tipo de discussão, que muitas vezes se resumem às portas fechadas dos participantes da reunião, é muito válido.

Tenho que concordar quanto às unhas e ir além: pior é a pegação em sala de aula. Já convivi com isso enquanto aluno.

Abs,

Vitor Martins Dias

Anônimo disse...

Não eram só as unhas que ela estava lixando. Ela estava SE LIXANDO pra aula hahahahaha

Ana Manuela disse...

Eu, por exemplo, pra não levar aquele trambolho que é o Vade Mecum, uso um aplicativo no celular que cumpre a mesma finalidade.
Tenho certeza que muitos professores já pensaram que eu não estava nem aí pra aula enquanto lia um artigo no meu celular.
Sem dúvida tá mais do que na hora de todos se acostumarem com as novas tecnologias. Se elas estão aí, vamos usá-las.