terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tchékov

No fundo, se refletirmos bem, tudo neste mundo é maravilhoso; tudo, exceto aquilo que nós mesmos pensamos e fazemos quando esquecemos das finalidades supremas da existência e da nossa dignidade como homens.

Como tantas outras pessoas, foi através do delicado filme O leitor que tomei conhecimento do conto "A dama do cachorrinho", do escritor russo Anton Tchékhov (1860-1904), de onde extraí o excerto acima. A estória se revela muito importante naquela narrativa cinematográfica e é a leitura de suas primeiras palavras que provoca na personagem Hanna (por sinal, o mesmo nome da personagem do conto, apenas em outro idioma) uma reação surpreendente e, no contexto do filme, muito eficiente em emocionar o público.
Tchékhov nasceu na cidade portuária de Taganrog, até hoje pequena, com menos de 300 mil habitantes, mas transformada num importante centro cultural e industrial, dotada de importantes instituições de ensino e pesquisa, além de vários teatros e museus. E explora a memória de seu ilustre filho.
De origem humilde, Tchékhov se formou em Medicina pela Universidade de Moscou, trabalhando arduamente para sustentar a si e a sua família. Posteriormente, tornou-se escritor em tempo integral e se aperfeiçoou no formato conto, de certa forma empurrado pela rígida censura da época. Na apresentação da edição de bolso que comprei (L&PM Pocket, 2010), ele é descrito como dono de uma visão de mundo "ética e democrática, voltada para o combate das injustiças e para a sátira contra a sociedade. Apontado pela crítica como criador do conto sem enredo ou de atmosfera, sua obra veicula simpatia e compaixão pelos homens, sendo considerado o intérprete dos intelectuais, das mulheres e das crianças. Dramaturgo, romancista e contista, seus textos influenciaram toda a literatura ocidental."
Com um perfil desses, torna-se um acinte que eu tenha demorado tanto para lê-lo. A escrita de Tchékhov é doce, agradável, levemente bem humorada e profundamente centrada nas emoções de seus personagens. Para dar uma brevíssima demonstração, eis a bela descrição do momento em que o protagonista do conto "A dama do cachorrinho" se descobre apaixonado:


Para quem não conhece:
lorgnons.
 Entrou também Anna Serguêievna. Sentou-se na terceira fila, e quando Gúrov olhou para ela sentiu um aperto no coração, compreendendo claramente que, para ele, naquele momento não existia no mundo ninguém mais próximo, caro e importante. Perdida na multidão provinciana, aquela pequena mulher, sem nada de especial, com um lorgnon vulgar na mão, enchia agora toda a sua vida, era a sua dor, a sua alegria, a única felicidade que ele desejava para si; e, ao som de uma orquestra ruim, de violinos mal tocados e simplórios, ele pensava em como ela era bonita. Pensava e sonhava.

De arrebatar, não?

3 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, sou suspeito para falar. Adoro literatura russa. Extremamente profunda e com uma imensa riqueza de detalhes e sentimentos, e não somente com Tchekhov. Já ouvi algumas pessoas dizerem que não gostam de literatura russa só porque ela é recheada de nomes compridos e difíceis. Sinceramente, na minha opinião isso é só preguiça algo diferente do qual estamos acostumados.

Além dos lorgnons que vc citou, também é muito comum encontrar pincenê e termos em francês. Falando nisso, tenho uma lista de livros para comprar: serão minha diversão.

Adorei o post! Bem minha cara…

Alexandre

Anônimo disse...

Esqueci de citar um trecho que achei super engraçado, de “O Mestre e Margarida” (Мастер и маргарита), um clássico de Bulgákov:

“… sem chapéu, com o rosto insano, a careca arranhada e de calças molhadas.”

Alexandre

Yúdice Andrade disse...

Conheço duas pessoas que adoram a literatura russa, Alexandre. Notei o teu gosto pelo alfabeto кириллица (cirílico).
A desculpa para não ler obras russas impressiona pelo despropósito. De minha parte, estou gostando de enveredar pelo mundo novo de Tchekov (pois Dostoiésvki não me desceu), já que não se trata das estórias em si, mas das informações sobre os modos de viver em outro tempo e outro lugar.