Primeiro, vejamos a matéria publicada no Conjur:
A Justiça paulista fixou o regime inicial aberto para um acusado pelo crime de roubo qualificado, cuja pena foi estabelecida em cinco anos e quatro meses de reclusão. O Código Penal diz que só tem direito ao benefício os condenados não reincidentes com pena igual ou inferior a quatro anos. A decisão, por votação unânime, é da 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.
A turma julgadora entendeu que o regime inicial aberto se mostra suficiente para reprovar a conduta do acusado e prevenir que ele volte a cometer novos crimes. O Ministério Público deve apresentar Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A câmara impôs condições para o réu gozar do benefício, como não sair do local durante a noite e nos dias de folga, só sair de casa entre às 5h e às 21h para ir ao trabalho ou procurar emprego, não deixar a comarca onde cumpre a pena sem autorização do juiz e prestar serviços gratuitos à comunidade durante o tempo do cumprimento da pena.
Nilo Roberto Barbante foi condenado em primeira instância à pena de seis anos de reclusão, em regime fechado, com direito de apelar da sentença em liberdade. O juiz apontou como causa do aumento da pena as qualificadoras de emprego de arma e a participação de mais pessoas no crime de roubo.
Descontente, a defesa recorreu reclamando a absolvição de seu cliente acenando com a fragilidade da prova. Como alternativa pediu o afastamento das qualificadoras e a redução da pena.
De acordo com a denúncia, o roubo aconteceu em 13 de janeiro de 2002. O acusado, por meio de ameaça, exercida com emprego de arma, roubou dois malotes com dinheiro e cheques no total de R$ 3,9 mil. O valor era transportado por dois empregados e um segurança e era resultado do faturamento daquele dia de uma empresa.
O acusado negou o crime. Segundo ele, no dia do delito estava em outro lugar. As testemunhas apontam Nilo como autor do roubo. O dono da empresa também reconheceu o acusado.
A turma julgadora corrigiu o erro material da sentença que estabeleceu as qualificadoras de emprego de arma e concurso de duas ou mais pessoas. Com respeito à primeira, justificou que logo depois do roubo a Polícia apreendeu uma arma de brinquedo. E, no lugar da segunda, corrigiu a causa de aumento da pena para a prática do delito contra vítima que transporta dinheiro e o fato é de conhecimento do criminoso.
É pacífico o entendimento de que não é mais possível incidir a causa de aumento de pena se a arma for de brinquedo ou se ela está sem munição, porque não tem potencial lesivo.
Com esse entendimento, a câmara manteve a pena base de quatro anos prevista no crime de roubo, acrescida de um terço por conta da qualificadora. Ou seja, a sanção ficou em cinco anos e quatro meses de reclusão e fixado o regime inicial aberto.
"Deve a sanção penal se apresentar adequada à reprovabilidade da conduta e as condições apresentadas pelo acusado", afirmou a relatora do recurso, desembargadora Angélica de Almeida. A turma julgadora seguindo o voto da relatora entendeu que o peso da pena ao acusado basta quando a sanção atinge os objetivos de prevenção e repressão.
A desembargadora citou seu colega Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, que atua na Seção de Direito Privado, dizendo que acima desses dois objetivos (prevenção e repressão) a pena nada mais é que "uma legalidade meramente formal, vazia e cruel".
Para chegar à conclusão do estabelecimento do regime prisional, a turma julgadora se baseou em informações de que o réu, depois do delito de que é acusado, não se envolveu em qualquer outra conduta criminosa. "Mostra-se suficiente e adequado à reprovabilidade da conduta praticada, no caso presente, o regime inicial aberto, embora, com condições especiais", afirmou a desembargadora Angélica de Almeida.
O Código Penal estabelece que o regime aberto deve ser cumprido em casas de albergados ou estabelecimentos adequados. Os críticos desse tipo de regime prisional afirmam que por conta da falta dos locais estabelecidos na lei, na prática, preso em regime aberto cumpre a pena na própria casa, sem nenhum tipo de controle ou fiscalização.
O artigo 33 do Código Penal diz que o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado. Aquele não reincidente, com pena de mais de quatro e limite de oito anos, poderá, desde o princípio, cumprir o castigo em regime semiaberto. Aos não reincidentes, com pena igual ou inferior a quatro anos, é permitido o benefício do regime aberto.
Apelação 993.06.088339-9
O tribunal paulista me surpreendeu com essa deliberação, por dois motivos. O primeiro é a tradição jurídica brasileira, da supremacia da lei ordinária, frequentemente em detrimento da própria Constituição. Daí decorre a praxe judiciária de decidir de forma legalista, preciosista, com desconsideração p. ex. dos princípios que regem o Direito. O segundo é o fato de que o roubo é um crime que divide a sociedade em classes, pois a vítima é titular de patrimônio, ao passo que o criminoso, de regra, é um despossuído. Mesmo quando a vítima é pobre, a agressão a seu patrimônio alerta aos demais cidadãos, principalmente os mais afortunados e que, por isso, têm mais a perder.
Embora o discurso reinante fale muito em combater a violência, a prática demonstra que o objetivo de proteger bens materiais (e até estilos de vida centrados na cultura do ter) é o que preside a valoração sobre a gravidade do crime. É por isso que a sociedade tem sido leniente com as mortes e mutilações no trânsito (isso é violência), mas reage com uma fúria implacável em relação a assaltos e sequestros-relâmpagos, que também são violências, claro, mas que muitas vezes não produzem danos físicos ou psicológicos. Por outro lado, também há muita gana punitiva em relação a casos de furto e de receptação, embora esses delitos não envolvam violência contra a pessoa.
Por essas e outras razões, o judiciário paulista me surpreendeu ao colocar o autor de um roubo majorado (e não qualificado) em regime aberto. A despeito da argumentação fortemente centrada nos objetivos da pena — na ideia de que ela somente se legitima na medida de sua necessidade e que, por isso, não deve ser muito rigorosa —, pergunto-me se a deliberação não teve por finalidade criar uma nova mentalidade entre os juízes paulistas, que ajude a esvaziar as celas da eterna bomba-relógio que é o sistema penitenciário.
3 comentários:
Esvaziar as celas e colocar nas ruas da eterna bomba-relógio que é a vida ao ser roubado com arma de brinquedo e os bandidos serem soltos; de ser roubado nas circunstâncias §2º, do art. 157 do CPB e os bandidos serem soltos...
Fora o maior número de vagabundos nas ruas, no Pará, que ótimo, a polícia deve combater os marginais com megafones e cassetetes, só pode, porque com arma de fogo me parece que isso não é mais possível. Veja-se http://www.diarioonline.com.br/noticia-130383-lei-proibe-uso-de-armas-de-fogo-pela-policia;-veja.html
Diferente dos que acreditam que o Brasil é um país desigual, com direitos que não assegurados a todos. Pode-se dizer que o direito penal é um dos mais avançados do mundo (como muitos se orgulham em afirmar, talvez por nunca terem sido assaltados), porque tanto os vagabundos ricos e pobres são soltos cada vez mais rápido e ambos não podem mais ser aljemados.
Brasil, terra de direitos penais e um país de todos. Parabéns aos magistrados e legisladores em assegurar aos despossuídos, coitados, o direito à liberdade tão sonhado pelo cidadão de bem.
p.s: gostaria de saber também o que seria dano psicológico, uma vez que se uma pessoa constrangida diante de uma arma de fogo não sofre dano psicológico, eu realmente já não sei mais o que pode ser.
Talvez ser preso por roubar gere mais danos psicológicos aos despossuídos, do que o pai de família assaltado no sinal. Ou o empresário trabalhador denunciante que vê todas as possibilidades de se defender irem por água abaixo. Depois a polícia não sabe a causa da diminuição de denúncias e o descrédito da população.
Caro anônimo, há coisas que você precisa repensar.
1) A decisão sobre o regime penitenciário a ser imposto deve sempre considerar as peculiaridades do caso concreto. Já bastante cansado de repetir, temos que analisar a conjuntura com mais bom senso e menos passionalidade. Há ladrões que deveriam ser exilados do planeta e outros que podem segurar a onda com um regime aberto. Não dá para afirmar qual é a situação de "A" ou "B" sem conhecer o caso específico.
2) O rótulo "vagabundos" em geral corresponde à realidade. Mas ao mesmo tempo denota concessões a um discurso reinante, largamente disseminado pela mídia, que nem de longe tem compromisso com a vida real.
3) Como professor de Direito Penal há mais de 11 anos, nunca ouvi dizer que o brasileiro fosse um dos melhores do mundo. Mas já ouvi o contrário, várias vezes. Reveja suas fontes, por favor.
4) "Vagabundos ricos" continuam sendo soltos com mais presteza do que os pobres. Sim, é possível algemá-los, sob certas condições.
5) Leia melhor o texto. Eu escrevi: "(...) reage com uma fúria implacável em relação a assaltos e sequestros-relâmpagos, que também são violências, claro, mas que muitas vezes não produzem danos físicos ou psicológicos". Viu? "Muitas vezes". Não disse que um assalto não produz danos psicológicos, e sim que pode ser que eles não aconteçam, no caso concreto. Conheço inúmeras pessoas que já foram assaltadas (eu mesmo, minha esposa, meu irmão, minha mãe, etc.) e não somos traumatizados com isso. Pode acontecer e, no contexto da postagem, a afirmação pretendia viabilizar uma comparação.
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