segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Educação moral

Para refletir:

Estado não deve enfraquecer autoridade dos pais
Por Luiz Carlos Faria da Silva e Miguel Francisco Urbano Nagib
[Artigo originalmente publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo do dia 30/1/2011]


No começo de 2010, pais de alunos da rede pública de Recife protestaram contra o livro de orientação sexual adotado pelas escolas. Destinada a crianças de sete a dez anos, a obra "Mamãe, Como Eu Nasci?", do professor Marcos Ribeiro, tem trechos como estes: "Olha, ele fica duro! O pênis do papai fica duro também? Algumas vezes, e o papai acha muito gostoso. Os homens gostam quando o seu pênis fica duro." "Se você abrir um pouquinho as pernas e olhar por um espelhinho, vai ver bem melhor. Aqui em cima está o seu clitóris, que faz as mulheres sentirem muito prazer ao ser tocado, porque é gostoso."
Inadequado? Bem, não é disso que vamos tratar no momento. O ponto que interessa está aqui: "Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso. As pessoas grandes dizem que isso vicia ou 'tira a mão daí que é feio'. Só sabem abrir a boca para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum problema".
Considerando que entre as pessoas que "só sabem abrir a boca para proibir" estão os pais dos pequenos leitores dessa cartilha, pergunta-se: têm as escolas o direito de dizer aos nossos filhos o que é "a verdade" em matéria de moral?
De acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a resposta é negativa. O artigo 12 da CADH reconhece expressamente o direito dos pais a que seus filhos "recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". É fato notório, todavia, que esse direito não tem sido respeitado em nosso país.
Apesar de o Brasil ter aderido à CADH, o MEC não só não impede que o direito dos pais seja usurpado pelas escolas como concorre decisivamente para essa usurpação, ao prescrever a abordagem transversal de questões morais em todas as disciplinas do ensino básico.
Atendendo ao chamado, professores que não conseguem dar conta de sua principal obrigação - conforme demonstrado ano após ano por avaliações de desempenho escolar como o Saeb e o Pisa -, usam o tempo precioso de suas aulas para influenciar o juízo moral dos alunos sobre temas como sexualidade, homossexualismo, contracepção, relações e modelos familiares etc. Quando não afirmam em tom categórico determinada verdade moral, induzem os alunos a duvidar "criticamente" das que lhes são ensinadas em casa, solapando a confiança dos filhos em seus pais.
A ilegalidade é patente. Ainda que se reconhecesse ao Estado - não a seus agentes - o direito de usar o sistema de ensino para difundir uma agenda moral, esse direito não poderia inviabilizar o exercício da prerrogativa assegurada aos pais pela CADH, e isso fatalmente ocorrerá se os tópicos dessa agenda estiverem presentes nas disciplinas obrigatórias.
Além disso, se a família deve desfrutar da "especial proteção do Estado", como prevê a Constituição, o mínimo que se pode esperar desse Estado é que não contribua para enfraquecer a autoridade moral dos pais sobre seus filhos.
Impõe-se, portanto, que as questões morais sejam varridas dos programas das disciplinas obrigatórias. Quando muito, poderão ser veiculadas em disciplina facultativa, como ocorre com o ensino religioso. Assim, conhecendo previamente o conteúdo de tal disciplina, os pais decidirão se querem ou não compartilhar a educação moral de seus filhos com especialistas de mente aberta como o professor Marcos Ribeiro.

4 comentários:

Ana Miranda disse...

Eu não sou muito boa para opinar sobre isso.
Eu acho que muitos pais não conversam sobre sexo com seus filhos, como se sexo fosse um bicho de 7 cabeças.
Esses "tira a mão daí", "isso é feio", "isso não pode", pode ser a causa de muitos homens e principalmente mulheres (em um número bem maior) serem sexualmente frustrados.
Eu sou uma pessoa muito liberal, então, tendo a concordar que se fale abertamente sobre o assunto nas escolas, ok, que os pais devem estar de acordo, mas, infelizmente, sabemos que nem todos os pais se preocupam muito com o que seus filhos aprendem nas escolas...
E aí, como se resolver esse dilema, deixar que os pais participativos decidam pela maioria dos pais que não está nem aí?

Anônimo disse...

Estimado Yudice,
não concordo inteiramente com o artigo, porque parece-me que a escola é o espaço privilegiado para as primeiras experiências/vivências cidadãs e republicanas, no sentido de construção ética e política de uma boa vida coletiva. portanto, não há, para mim, como dela excluir a reflexão cuidadosa e habitual acerca de questões morais, as quais , inevitavelmente, estarão presentes em todos os momentos e práticas escolares. no mínimo, a escola é fundamental para a comprensão e exercício de uma moralidade pública baseada em diálogo, tolerância e respeito à diversidade. mas a questão de cartilhas sobre comportamento moral e sexual, levantada pelo artigo, é pertinente e, penso, é um aspecto de fundamental interesse na discussão sobre fundamentos e eficácia do direito à educação.
mas esse é um assunto que não parece interessar muito aos doutos juristas, os quais preferem discutir com toda profundidade o significado da alteração legislativa da mudança do nome da Lei de Introdução ao Código Civil ou se cabe Mandado de segurança quando o juiz reconhece o recurso de agravo como retido e não como de instrumento, e outros quetais, tudo sempre em nome da "boa técnica e da boa doutrina"...
abraços,
paulo klautau

Yúdice Andrade disse...

Ana e Paulo, eu realmente fiquei titubeante quanto às minhas impressões sobre o texto. Foi exatamente por isso que o publiquei, a fim de ver se alguém ajudava a lançar uma luz sobre a polêmica questão. Agradeço suas manifestações.

Anônimo disse...

Acredito que realmente este assunto deveria ser tratado com um pouco mais de naturalidade entre pais e filhos. Eu e meus pais, por exemplo, jamais conversamos sobre nada relacionado a isso.

É complicado, porque as escolas muitas vezes dizem na teoria que passarão o conteúdo A, mas na verdade estão indo além na prática. Nunca dá para saber se vc não for um pai participativo, que tem liberdade para conversar com seus filhos e especula sobre tais assuntos.

Acho que seria muito mais importante receber uma educação realmente moral dessas em casa que em uma escola. Às vezes a escola pode até ser boa, mas nunca se sabe ao certo que estará lá na frente da sala de aula proferindo palavras que serão essenciais para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente. Por isso acho fundamental esta base vinda de casa.

Alexandre