Para refletir:
Estado não deve enfraquecer autoridade dos pais
Por Luiz Carlos Faria da Silva e Miguel Francisco Urbano Nagib
[Artigo originalmente publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo do dia 30/1/2011]
No começo de 2010, pais de alunos da rede pública de Recife protestaram contra o livro de orientação sexual adotado pelas escolas. Destinada a crianças de sete a dez anos, a obra "Mamãe, Como Eu Nasci?", do professor Marcos Ribeiro, tem trechos como estes: "Olha, ele fica duro! O pênis do papai fica duro também? Algumas vezes, e o papai acha muito gostoso. Os homens gostam quando o seu pênis fica duro." "Se você abrir um pouquinho as pernas e olhar por um espelhinho, vai ver bem melhor. Aqui em cima está o seu clitóris, que faz as mulheres sentirem muito prazer ao ser tocado, porque é gostoso."
Inadequado? Bem, não é disso que vamos tratar no momento. O ponto que interessa está aqui: "Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso. As pessoas grandes dizem que isso vicia ou 'tira a mão daí que é feio'. Só sabem abrir a boca para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum problema".
Considerando que entre as pessoas que "só sabem abrir a boca para proibir" estão os pais dos pequenos leitores dessa cartilha, pergunta-se: têm as escolas o direito de dizer aos nossos filhos o que é "a verdade" em matéria de moral?
De acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a resposta é negativa. O artigo 12 da CADH reconhece expressamente o direito dos pais a que seus filhos "recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". É fato notório, todavia, que esse direito não tem sido respeitado em nosso país.
Apesar de o Brasil ter aderido à CADH, o MEC não só não impede que o direito dos pais seja usurpado pelas escolas como concorre decisivamente para essa usurpação, ao prescrever a abordagem transversal de questões morais em todas as disciplinas do ensino básico.
Atendendo ao chamado, professores que não conseguem dar conta de sua principal obrigação - conforme demonstrado ano após ano por avaliações de desempenho escolar como o Saeb e o Pisa -, usam o tempo precioso de suas aulas para influenciar o juízo moral dos alunos sobre temas como sexualidade, homossexualismo, contracepção, relações e modelos familiares etc. Quando não afirmam em tom categórico determinada verdade moral, induzem os alunos a duvidar "criticamente" das que lhes são ensinadas em casa, solapando a confiança dos filhos em seus pais.
A ilegalidade é patente. Ainda que se reconhecesse ao Estado - não a seus agentes - o direito de usar o sistema de ensino para difundir uma agenda moral, esse direito não poderia inviabilizar o exercício da prerrogativa assegurada aos pais pela CADH, e isso fatalmente ocorrerá se os tópicos dessa agenda estiverem presentes nas disciplinas obrigatórias.
Além disso, se a família deve desfrutar da "especial proteção do Estado", como prevê a Constituição, o mínimo que se pode esperar desse Estado é que não contribua para enfraquecer a autoridade moral dos pais sobre seus filhos.
Impõe-se, portanto, que as questões morais sejam varridas dos programas das disciplinas obrigatórias. Quando muito, poderão ser veiculadas em disciplina facultativa, como ocorre com o ensino religioso. Assim, conhecendo previamente o conteúdo de tal disciplina, os pais decidirão se querem ou não compartilhar a educação moral de seus filhos com especialistas de mente aberta como o professor Marcos Ribeiro.
4 comentários:
Eu não sou muito boa para opinar sobre isso.
Eu acho que muitos pais não conversam sobre sexo com seus filhos, como se sexo fosse um bicho de 7 cabeças.
Esses "tira a mão daí", "isso é feio", "isso não pode", pode ser a causa de muitos homens e principalmente mulheres (em um número bem maior) serem sexualmente frustrados.
Eu sou uma pessoa muito liberal, então, tendo a concordar que se fale abertamente sobre o assunto nas escolas, ok, que os pais devem estar de acordo, mas, infelizmente, sabemos que nem todos os pais se preocupam muito com o que seus filhos aprendem nas escolas...
E aí, como se resolver esse dilema, deixar que os pais participativos decidam pela maioria dos pais que não está nem aí?
Estimado Yudice,
não concordo inteiramente com o artigo, porque parece-me que a escola é o espaço privilegiado para as primeiras experiências/vivências cidadãs e republicanas, no sentido de construção ética e política de uma boa vida coletiva. portanto, não há, para mim, como dela excluir a reflexão cuidadosa e habitual acerca de questões morais, as quais , inevitavelmente, estarão presentes em todos os momentos e práticas escolares. no mínimo, a escola é fundamental para a comprensão e exercício de uma moralidade pública baseada em diálogo, tolerância e respeito à diversidade. mas a questão de cartilhas sobre comportamento moral e sexual, levantada pelo artigo, é pertinente e, penso, é um aspecto de fundamental interesse na discussão sobre fundamentos e eficácia do direito à educação.
mas esse é um assunto que não parece interessar muito aos doutos juristas, os quais preferem discutir com toda profundidade o significado da alteração legislativa da mudança do nome da Lei de Introdução ao Código Civil ou se cabe Mandado de segurança quando o juiz reconhece o recurso de agravo como retido e não como de instrumento, e outros quetais, tudo sempre em nome da "boa técnica e da boa doutrina"...
abraços,
paulo klautau
Ana e Paulo, eu realmente fiquei titubeante quanto às minhas impressões sobre o texto. Foi exatamente por isso que o publiquei, a fim de ver se alguém ajudava a lançar uma luz sobre a polêmica questão. Agradeço suas manifestações.
Acredito que realmente este assunto deveria ser tratado com um pouco mais de naturalidade entre pais e filhos. Eu e meus pais, por exemplo, jamais conversamos sobre nada relacionado a isso.
É complicado, porque as escolas muitas vezes dizem na teoria que passarão o conteúdo A, mas na verdade estão indo além na prática. Nunca dá para saber se vc não for um pai participativo, que tem liberdade para conversar com seus filhos e especula sobre tais assuntos.
Acho que seria muito mais importante receber uma educação realmente moral dessas em casa que em uma escola. Às vezes a escola pode até ser boa, mas nunca se sabe ao certo que estará lá na frente da sala de aula proferindo palavras que serão essenciais para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente. Por isso acho fundamental esta base vinda de casa.
Alexandre
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