quinta-feira, 30 de abril de 2009

Acabou a Lei de Imprensa

Aconteceu o que se imaginava que aconteceria: ao concluir o julgamento da ADPF 130 nesta tarde, o Supremo Tribunal Federal extirpou do ordenamento jurídico brasileiro a Lei de Imprensa, por maioria de votos.
A Lei n. 5.250 era de 1967, já em plena vigência da famigerada ditadura militar. Foi um filho gestado de acordo com a mentalidade do poder então reinante e, por esse vício de origem, sempre recebeu duras vergastadas, intensificadas após a Constituição de 1988, que adotou novos e relevantes princípios. No âmbito específico do Direito Penal, que reclama maiores contenções, algumas das normas da LI eram terríveis, tais como a imposição de responsabilidade penal sucessiva, dentro da estrutura organizacional de uma empresa de comunicação. E responsabilidade sucessiva leva à responsabilidade objetiva, uma das maiores proscrições de um Direito Penal de garantias, fundado na culpabilidade individual.
Mas as confusões iam muito além disso. Algumas não constituíam pecados tão graves, porém ensejavam balbúrdia processual. Por exemplo: o prazo decadencial para propor queixa-crime ou para representar, normalmente de seis meses, era de três; a prescrição única de dois anos, somada a um Judiciário lerdo, garantia a prescrição de quase todos os processos; recursos que normalmente seriam do tipo em sentido estrito, na LI desafiavam apelação. Uma bagunça. Tudo isto acabou, agora. Doravante, todos os casos, inclusive os pendentes, deverão ser resolvidos de acordo com a Constituição e os códigos civil e penal.
Na página do STF, uma detalhada matéria esclarece como se deu o julgamento. Ficamos sabendo que a exclusão total da LI é mérito dos ministros Carlos Ayres Britto (relator), Eros Grau, Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello. Maioria simples garantida. Surpreendeu-me o Min. Marco Aurélio propor a manutenção integral da lei, em posicionamento isolado que deve soar muito simpático ao Congresso Nacional, o qual tem exigido do STF exatamente o que Marco Aurélio sugeriu: que fique para o Legislativo a missão de produzir ou revogar leis.
Em julgamentos importantes como esse, é curioso observar como decidem os ministros. Fica muito patente como o Direito é apenas um dos referenciais usados na construção do veredito. Outros variados fatores entram na história. Veja-se o caso do Min. Joaquim Barbosa, que votou pela manutenção de alguns dispositivos, baseando-se na necessidade de prevenir condutas discriminatórias. O único ministro negro se preocupa com discriminação. Sintomático, não?
Os puristas e autistas do Direito devem ficar loucos com isso, mas eu, que sempre reconheci que as múltiplas forças e emoções que regem o ser humano são preponderantes em relação a qualquer fundamento, postulado ou norma jurídica, considero isso sensacional.
Falta, agora, o Congresso Nacional se interessar em produzir uma nova lei. Lobby não faltará. Claro.

5 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Já vai tarde, Yúdice. Muito tarde. Mas antes tarde do que nunca, pelo menos para beneficiar o nosso cavaleiro Jedi, Lúcio Flávio Pinto.

Yúdice Andrade disse...

O problema é que sem a Lei de Imprensa, algumas questões ficam sem regulamentação e isso é um risco, considerando a tradicional abusividade de nossa imprensa. Por isso, seria realmente interessante que tivéssemos, o quanto antes, uma nova regulamentação. Pressupondo, é claro, que fosse uma boa regulamentação. Mas já sabemos que, quando uma proposta surgir, haverá muito lobby. E aí é o começo do fim.

Anônimo disse...

Me responda uma coisa, porque nenhum dos tres senadores paraenses tiveram a coragem de ler a carta Governadora Ana Julia, no senado. Voce que tanto elogia o Nery, na sua opinião, o que o levou a se comportar como aqueles que voce tanto insulta???

David Carneiro disse...

Assisti parte do julgamento da tv justiça. À parte da discussão sobre a lei de imprensa, descobri, durante a argumentação sobre a validade da lei de imprensa, que o Min. Marco Aurélio Garcia é mais um defensor da teoria da ditabranda. Disse que naquela época não havia um regime de chumbo no Brasil, mas um regime de exceção com regras minimamente democráticas. Então tá.

Yúdice Andrade disse...

Das 10h01, só posso lembrar que os três senadores fazem oposição ao governo Ana Júlia e, unicamente quanto a esse particular, devo destacar que Mário Couto fez uma advertência oportuna, ao questionar por que o governo não consegue ser apoiado por nenhum de seus três senadores. De fato, isso é sintomático, em que pese não me parecer nada bom o apoio clientelista e personalista da era tucana.
Os dois senadores tucanos (herança maldita) se opõem ao governo petista por razões claramente diferentes de Nery, que é do PSol e reza por outra cartilha. O fato, enfim, é que nenhum deles se prestaria a dar essa mãozinha para Ana Júlia, na hora da adversidade. Afinal, todos querem emplacar seus candidatos em 2010. Neste hora, vale dizer que os interesses do Estado ficam abaixo dos pessoais ou corporativos e aí a crítica é idêntica para todos.
Finalmente, sobre sua reclamação tucana, de que eu "insulto" Couto e Flexa, ao passo que falo bem de Nery, considere isso uma avaliação do conjunto da obra. Desde que assumiu o mandato, Nery contribuiu proativamente para o nosso Estado e, de um modo geral, para o país. Posso assinalar duas razões: sua atuação destacada no campo do combate ao trabalho escravo (tema que me interessa particularmente) e o empenho de seu partido quanto à inelegibilidade dos chamados candidatos ficha-suja.
Já os tucanos fizeram o quê, além de tucanear, ou seja, usar os mandatos em benefício próprio, sendo apenas senadores apagados, dos quais não se escuta falar nem bem nem mal, salvo quando ocorre algum disparate, como a greve de banho do ex-bicheiro (que renega suas origens)?
Estou errado? Aguardo sua resposta.

David, sempre foi grande minha admiração pelo ministro Marco Aurélio. Com o tempo, todavia, comecei a ver que ele representa a velha tradição jurídica de São Paulo, com seu etnocentrismo, seu jeito classe média de ser, sua predileção mal disfarçada pelo tucanato. Por isso, já não me surpreende que seja leniente com a ditadura. Sem dúvida, a Folha de S. Paulo deve ser sua leitura diária.
Lamento.