sábado, 4 de abril de 2009

Advocacia: a visão de Vladimir

A propósito da postagem "Os limites éticos da atuação do advogado", aí embaixo, o meu amigo Vladimir König, agora defensor público, traz-nos uma abodagem lúcida que, por seu valor, meece virar uma postagem e, quem sabe, inspirar manifestações futuras.
Obrigado, Vlad.

Essa questão é tormentosa para mim. Antes, fui advogado e, como o Lafayette [autor de comentário anterior], podia me dar ao luxo de escolher clientes. Hoje, sou defensor público e não tenho mais esse luxo. Por dever legal e moral (ao assumir o cargo jurei assim fazer e costumo levar meus juramentos com seriedade - formatura, OAB, Defensoria Pública) obrigo-me a atuar em defesa daqueles que não têm mais ninguém para defendê-los. Veja que a lei de regência da minha atividade até prevê a suspeição. Eu até poderia declarar-me suspeito por questão íntima e não defender o estuprador (para ficar no seu exemplo). Mas e se todos os defensores públicos assim o fizessem, com as justas razões que teriam? Quem defenderia o estuprador que, antes de sê-lo, é cidadão brasileiro e possui, gostem ou não os amantes da "lei e ordem", direito a ampla defesa, contraditório e respeito ao devido processo legal?
Tenho tentado resolver minhas crises de consciência como essa da seguinte forma: nós, defensores públicos, defendemos não só nossos assistidos, mas também defendemos, acima de tudo, o interesse do Estado. Sim, pois o Estado tem interesse na acusação, mas também tem interesse na defesa. É interesse do estado democrático de direito que acusação e defesa se façam presentes. Por isso, quando estou diante de casos como esse, esforço-me ao máximo também, porque, apesar de defender um estuprador confesso, que sequer se arrepende, preciso garantir-lhe o exercício da defesa, lutar contra arbitrariedades, exigir que os princípios e regras constitucionais sejam aplicados a todos, sem distinções, com o mesmo peso e a mesma medida, para o pobre, para o rico, para a criança vítima do estupro, para o estuprador.
Assim, vou levando.
Não é confortável defender estupradores, assassinos, etc. Mas me sentiria muito pior se fizesse uma defesa ruim só para prejudicar "alguém como ele", quando, em verdade, aos olhos da Constituição da República, é "alguém como nós".

2 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Yudice,

apesar de minha pouca autoridade para tratar de qualquer assunto, arrisco expor minha opinião sobre este em particular, mesmo correndo o risco de ficar perdido entre gigantes.
O fato é que não resolve simplesmente alegar que, embora todos tenham direito à defesa, não o tem à “minha”, uma vez que tal postura, em última análise, não apenas nega o direito de defesa em sua essência, sob o viés jurídico, como também revela que aquele indivíduo em particular, um estuprador, p. ex., não merece ser defendido. Como bem expôs o defensor público Vladimir Konig, se todos pensassem assim o devido processo legal seria apenas fachada.
Inegável que o Estado brasileiro torna obrigatório o justo processo da lei para a imposição de qualquer penalidade, seja quem for o acusado. Nesse diapasão, a gravidade do injusto, em si, não pode e não deve ser obstáculo para a garantia de defesa, formal ou material, como tem ocorrido diuturnamente nos tribunais brasileiros.
Como advogados que somos é nosso dever defender o cliente da melhor forma possível, não apenas para cumprir fielmente nosso mister, nosso múnus público, como também para evitar o atravancamento da própria justiça. Afinal, cediço que defesa deficiente equivale a não existir defesa alguma, e o processo deve ser todo anulado.
Outrossim, para cumprir de forma escorreita nossa obrigação enquanto defensores, concordo que não é necessário deturpar fatos e distorcer dados, aviltando nossa função e contribuindo para a péssima imagem que advogados possuem país afora. Mas - e você há de concordar comigo - tampouco nos é dado o bel-prazer de prejudicar o cliente deliberadamente em nome da “verdade”. Explico: suponhamos que você esteja incumbido de defender alguém acusado de cometer homicídio. Não houve flagrante, não há testemunhas, e as provas são meramente circunstanciais. Mesmo que você saiba que o cliente é o responsável pelo crime (por ex., em conversa privada ele confessou a você, seu defensor) não há como, em nome da verdade, simplesmente chegar em juízo afirmando que realmente ele é o autor do crime (ao menos em C.N.T.P.). É obrigatória a negativa de autoria. É dever do advogado, obedecendo à ampla defesa e à garantia de não incriminação negar, veementemente, que seu cliente cometeu o crime.
E nada mais justo que assim seja. Quando a Constituição cria tais direitos e garantias pretende o equilíbrio jurídico de uma situação extremamente desequilibrada faticamente – o Estado contra o cidadão, o Ministério Público, com todo o aparato repressivo, contra o advogado. É dever daquele suportar toda a carga probatória, e forçar o advogado a trazer provas contra seu próprio constituinte é inverter toda a regra do jogo e criar uma desbalanceamento totalmente ofensivo ao Direito.
Por fim, como disse Zola no célebre e inesquecível caso Dreyfuss, todo defensor, quando pega casos difíceis, que ao senso comum causam repugnância e asco, defende o homem, ser falível por natureza, e não o crime.

Marcelo Dantas.

Yúdice Andrade disse...

Caríssimo Marcelo, se há gigantes aqui, podes te incluir no rol. Tanto é que eu ia te pedir para externar uma opinião sobre o assunto, mas nem foi preciso. Como bom advogado, tu te antecipaste.
Obrigado pela ótima manifestação.