quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um exemplo e uma provocação

O caríssimo Francisco Rocha Júnior, meu parceiro no blog Flanar, em comentário à postagem "Crítica construtiva", de ontem, escreveu contando uma história que deveria inspirar os jovens profissionais, além de fazer uma análise altamente pertinente. Eis:

A escrita dos acadêmicos - não sou professor, mas convivo com muitos deles no meu dia-a-dia profissional, tanto na PGE como no escritório - é pobre, sem vocabulário, com erros crassos de ortografia e pontuação. Estilo, então, é artigo de luxo - um relógio Patek-Philippe ou uma bolsa Prada do texto universitário. Pode parecer preconceito, mas não me furto de pensar: se no curso de Direito, cujo principal instrumento é a palavra, é assim, faça-se uma ideia do que ocorre nos cursos universitários de outras áreas que não a de Humanas...
Falta humildade também ao acadêmico. Diante da insatisfação do docente para com seu texto, o aluno em geral reage pensando que não está ali para ter aulas de português, mas do curso específico que escolheu.Tenho um exemplo a dar, sobre humildade e crescimento profissional, que depõe muito também sobre o caráter de quem viveu esta história.
Na PGE, quando fazia parte do Conselho Corregedor, participei da avaliação de um colega em estágio probatório. Advogado experimentado, responsável, criativo, dedicado e, ademais, devidamente aprovado em concurso, o único senão que recebeu da comissão avaliadora sobre seu primeiro ano de atuação funcional foi justamente a respeito de seu texto. O rapaz precisava melhorar o português. No relatório de avaliação, foi considerado apto a continuar exercendo o cargo, com a sugestão de que melhorasse seu desempenho no manejo da língua.
Qualquer pessoa "normal", digamos assim, ficaria profundamente ofendida em seu brio e tocaria a dar botinadas no Conselho. Qual foi a reação de nosso colega? Escreveu uma moção aos corregedores, agradecendo o apoio e a dica e prometendo esforçar-se para melhorar. Matriculou-se em um curso de redação (desses pré-vestibulares), compromou uma gramática e dedicou-se a suprir sua falha.
Ano seguinte, na 2a avaliação de desempenho, recebeu um conceito "apto" com registros de louvor. Superou visivelmente sua dificuldade e hoje, já estabilizado no cargo, é um dos melhores procuradores da Casa.
Por que nossos acadêmicos não fazem o mesmo?

Eu também gostaria muito de saber, Francisco: por que os nossos acadêmicos não fazem o mesmo?
Concluir que se trata de arrogância é ruim, sem dúvida, mas tem um bom pé na realidade. Contudo, para fins educacionais, pode ser ainda pior pensar que o estudante nem sequer se dá conta de que tem um problema, e grave, a ser urgentemente corrigido.
Fica aqui o nosso apelo às novas gerações: leiam, estudem e façam bem feito. E um segundo apelo, agora aos profissionais: não se acomodem, só porque passaram num concurso.

7 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Talvez eu precise comprar uma gramática e começar a fazer concursos públicos. Se a lei eu não aprendo, quem sabe a língua portuguesa? Que tal?

Boa reflexão do Francisco. Só que o "colega", a quem se refeiu no texto, não deveria nem ter entrado. São as consequências da forma como os candidatos são cobrados hoje, a forma de avaliação.
Errado sou eu que não decoro e não escrevo um monte de indecências na hora de me colocar à mercê dos ínclitos julgadores.

Yúdice Andrade disse...

Como a Língua Portuguesa todos devemos conhecer, a ideia de comprar uma gramática é boa. Aliás, faz tempo que ando precisando disso. No mais, considerando a premissa que sugeres, fico imaginando se a pessoa retratada no texto seria aprovada hoje em dia, quando é mais nítida essa característica odiosa e emburrecedora dos concursos públicos. Que me conste, não cai Língua Portuguesa na prova da PGE, o que já explica alguma coisa.
Vamos em frente, amigo. O teu dia chegará, com certeza.

CJK disse...

Prezado Yúdice,

Sofri demais na minha última experiência docente com esta história de Língua Portuguesa. Por mais que tentasse, os alunos não "davam bola" para os meus alertas e conselhos.

Quando eu avisei que ia passar a descontar 0,1 (um mísero décimo) por cada erro (atroz) de ortografia nos trabalhos e nas provas, soube que alguns alunos foram se queixar no departamento comercial, digo, na coordenação do Curso.

Foi o quanto bastou para quase ocorrer uma tomada da Bastilha nas minhas turmas. E, veja bem, minha resolução nem atacava a sintaxe dos textos, incompreensíveis, apenas a ortografia. O problema da clareza mental na apresentação das ideias, eu havia resolvido deixar para uma fase posterior.

Para minha surpresa ganhei a antipatia da coordenação do curso, que não gostou nada desta história...

Excelente post, abraços.

Yúdice Andrade disse...

Meu amigo, lamento que a sua experiência docente tenha sido tão frustrante. Felizmente, estou numa instituição que não endossaria - como não tem endossado até aqui - essas patifarias, que servem apenas para prestar homenagens à mediocridade e comprometer o que resta da educação brasileira.
Jamais descontei erros de português, por desinteresse pessoal. Mas sempre digo aos alunos que deveria fazê-lo, pois de outro modo não conseguimos convencê-los de que vão mal, aliás péssimos, nesse quesito elementar.

Kauê Osório Arouck disse...

Yudice, aproveitando este tema, trago experiências que vivencio com estagiários que já trabalharam e que trabalham comigo... Já passou pelo escritório um estagiário que além de fazer uma petição "alega alega" (em cada parágrafo era uma "alega que, alega que" não tinha em seu vocabulários os sinônimos "narra que", "aduz que", "afirma que") ainda reclamou quando eu risquei toda a petição, que estava sem margens, com os inícios dos parágrafos boiando pelo papel, isso sem falar na míriade de fontes usadas... É o que eu chamo de petição Frankenstein... Pior, quando era advertido para corrigir a petição, falava que estava "cheio de prazos" e que "não tinha tempo para essas frescuras"... Resultado: foi desligado.

Agora eu uso uma técnica melhor... Falo para eles não imprimirem nada antes de passarem para revisar na tela do PC, mas na gana de mostrar serviço, imprimem as suas pérolas... E eu sempre risco! Já risquei uma petição inteira na frente do estagiário para ele corrigir e ele me agradeceu! Disse que era isso que ele estava esperando do estágio, alguém que lesse suas petições e faz questão de ficar observando meus reparos no computador... Só hoje o fiz refazer 5 vezes a mesma petição... É este o verdadeiro acadêmico, o verdadeiro estagiário, que sabe que está lá para errar e ser corrigido mesmo, reconhecer o erro, ter mais atenção e se preparar melhor, como no caso do Procurador mencionado pelo Francisco...

Ainda me dá trabalho corrigir e suprir as omissões naturais da inexperiência, mas todos os estagiários que trabalham ou trabalharam comigo sabem que:uma ação é PROPOSTA, uma contestação é APRESENTADA, um recurso é INTERPOSTO, embargos são OPOSTOS e MS e HC são IMPETRADOS.

Nunca assino petição interpondo ação ou impetrando recurso! Essa é primeira lição de português jurídico que passo todos os estagiários que trabalham comigo...

Abraços!

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice,

Não posso subscrever a admoestação do Frederico. Não sei quais são (ou foram, no caso específico) os critérios de correção da comissão do concurso, mas o que posso dizer é que o certame da PGE é - reconhecidamente, aliás - dos mais difíceis do Estado; mais até que muitos outros concurso públicos cuja remuneração dos cargos concernentes é bem maior que a de procurador.
Isto se dá certamente pela seriedade das comissões instituídas para elaboração e correção das provas, pela vastidão e aprofundamento do conteúdo programático do concurso e pelos critérios adotados para seleção de pretendentes - o que, em meu ver, desarticula a afirmação pejorativa do comentário a respeito da forma de avaliação, que o Frederico limita ao chamado "decoreba".
Para se ter uma ideia, das 5 provas do certame, somente uma é objetiva; as demais são absolutamente subjetivas, primando por exigir do candidato criatividade, encadeamento no raciocínio, clareza no uso da palavra escrita e, obviamente, conhecimento jurídico. Se em um dos critérios o colega a que me referi não obteve tanto sucesso, certamente se superou nos demais.
Assim, os problemas do procurador com o manejo do português não eram insuperáveis, e seu conhecimento e fluidez no trato do Direito certamente o credenciaram para a obtenção do cargo. Tanto assim que, reafirmo, superada a dificuldade apontada, passou a ser (e continua sendo) uma dos melhores integrantes da carreira.
Afinal, seria razoável dispensar um candidato com estas características?
Abraços.

Yúdice Andrade disse...

É bom que ajas dessa maneira, Kauê. Estagiários sensatos saberão reconhecer isso no futuro. Sempre digo aos meus alunos das minhas preocupações nominalistas. Insisto em que cada termo com sentido técnico seja usado no seu lugar exato. Infelizmente, nem todos compreendem que isso vai além do preciosismo e ajuda a separar o profissional que lida bem com os mínimos aspectos de sua ciência e aquele que sequer tomou conhecimento deles ou simplesmente não se importa.

Francisco, todos sabemos que os concursos da PGE são emblemáticos no quesito dificuldade, o que permitiu àquela instituição formar um quadro admirável. Por isso, louvo a PGE por seu cuidado em manter seus processos seletivos em bom nível, o que não acontece (até onde sei) com a maioria dos concursos públicos, notadamente aqueles para os cargos mais bem remunerados - ao menos no que tange à primeira ou primeiras etapas. Assim, a PGE ficaria numa condição de exceção e a exceção confirma a regra.
No mais, fico feliz que um candidato como o teu colega tenha sido aprovado e demonstrado como competência, humildade e clareza de objetivos de vida podem criar não apenas um excelente profissional, mas um excelente ser humano.