quarta-feira, 29 de abril de 2009

Com que roupa?

O poder público brasileiro continua gastando tempo e esforços demais para resolver problemas de somenos importância. Veja:


CNJ adia definição de trajes para entrar em tribunais
O Conselho Nacional de Justiça adiou para as próximas sessões a decisão sobre quais são os trajes adequados para as pessoas entrarem nos tribunais. Na sessão plenária desta terça-feira (28/4), o conselheiro Técio Lins e Silva pediu vistas do Procedimento de Controle Administrativo, ajuizado pelo advogado Alex André Smaniotto. “Daqui a pouco vai ser necessário criar a Agência Nacional de Regulação do Vestuário”, ironizou o conselheiro, que deseja estudar melhor o assunto.
Até a interrupção do julgamento, seis conselheiros já haviam votado com o conselheiro relator, ministro João Oreste Dalazen. Ele negou o pedido do advogado, que solicitou providências ao CNJ para que fosse revogada a portaria da Comarca de Vilhena (RO), que restringe o acesso de pessoas ao Fórum em função dos trajes que vestem.
No processo, o advogado alega que o juiz responsável pela Comarca de Vilhena proibiu a entrada de pessoas com calção, shorts e bermudões, como também de bonés e chapéus e que presenciou uma pessoa ‘extremamente carente’ ser impedida de entrar no Fórum porque usava bermuda abaixo dos joelhos e camiseta surrada. “Como podemos restringir a entrada de qualquer indivíduo pelas suas vestimentas se elas não infringem a lei?”, indagou o advogado.
O conselheiro Paulo Lôbo divergiu do relator e dos conselheiros que já haviam votado. Para ele, “a Constituição estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. E o magistrado não é legislador”. Segundo Lôbo, não é razoável que o cidadão seja obrigado a trocar a roupa, que normalmente usa para transitar nos espaços públicos e privados, para ir ao Fórum de sua cidade tomar conhecimento de processos de seu interesse. Lembrou ainda que, a cidade amazônica de Vilhena tem o clima tropical quente e úmido. “Tais proibições, longe de valorizar o Judiciário, o distanciam do cidadão, como local de intermediações às pessoas comuns do povo”, afirmou Paulo Lôbo em seu voto.
O conselheiro-ministro João Oreste Dalazen ressaltou que seu voto não significa ‘restrição de acesso à Justiça’. Os conselheiros Jorge Maurique e Andréa Pachá, opinaram que o assunto deveria ser tratado pela Corregedoria do Estado. O conselheiro Paulo Lôbo disse estar confiante e citou como exemplo o recente julgamento da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando o Supremo Tribunal Federal liberou a entrada, no plenário da Corte, de índios trajando apenas bermudas e cocar.
PCA nº 2009.10000001233



Já escrevi antes sobre trajes em ambientes judiciais. Sou a favor da flexibilização do uso de terno completo em cidades de clima quente (na verdade, deveria ser em qualquer lugar), respeitado o bom senso, o que me custou alguns desaforos de uns idiotinhas que vieram aqui deixar seus bostejos, obviamente resvalando da questão central: a qualidade da justiça se mede pela roupa que se usa?
Mas se há polêmica em relação às vestes de advogados, juízes e membros do Ministério Público, ela simplesmente não deveria existir em relação à apresentação do jurisdicionado, na maior parte dos casos legítimos brasileiros pobres de tudo, inclusive de vestuário, mas notadamente de acesso à justiça. Discutir se uma pessoa, que não tem opção, pode ter acesso ao fórum trajando uma camisa surrada me soa como algo surreal e medieval, prova cabal de que o poder público, neste país, não existe para o público, mas para seus próprios caprichos autistas.
Podemos esperar que, ao final dessa palpitante deliberação, sejamos brindados com alguma conclusão luminosa, no melhor interesse da dignidade da justiça. E como já dizia Zélia Cardoso de Melo (ou a sua paródia, sei lá), o povo é apenas um detalhe.

4 comentários:

Fábio Raimundi disse...

Penso que além da flexibilização das vestes, deveria imperar não uma regra restrita, mas sim um princípio, mais condizente com o Estado Democrático de Direito, no sentido de que será permitida a entrada de todo cidadão que estiver vestido dignamente. Aliás, para melhor atender ao que se propõe, as "Cortes" deveriam abolir todo e qualquer púlpito, degrau ou desnível entre a cadeira do Magistrado e as partes, posto que estão, realmente, todos no mesmo plano. Gosto de imaginar todos pelados, assim ficamos todos iguais. Belo blog!

Yúdice Andrade disse...

Concordo, Fábio: "vestido condignamente" deve significar a vedação do uso de roupas propositadamente escandalosas ou ofensivas, e não de roupas pobres, surradas ou que, sob qualquer condição, sejam as únicas possíveis para o jurisdicionado.
Fiquei impressionado com a proposta de proibição de púlpitos e demais símbolos, que demonstrem diferenças entre pessoas. A proposta jamais seria acolhida, mas a considero uma boa proposta, por representar uma declaração solene de reconhecimento da igualdade.
Já no que diz respeito a imaginar os nossos magistrados pelados... Não, Deus me livre! Definitivamente, prefiro nem pensar!
Obrigado pela colaboração e volte sempre.

Paulo Esteves disse...

Não é a veste que demonstra a capacidade deste ou daquele profissional. Mas, em respeito ao rito de cada profissão - até que, regulamentada de forma liberalizada - o traje condiz com a função. Acho que os que não concordam em se trajar condignamente para o exercício de cargo ou função, procure outra profissão, vire surfista na Austrália ou ermitão em uma montanha na Ásia Menor.

Yúdice Andrade disse...

Caro Paulo, não é a primeira vez que escrevo sobre este tema e, em ocasião anterior, alguém respondeu exatamente o mesmo que você, embora em termos menos polidos. Devo dizer que, apesar da polidez, sua conclusão é agressiva e não coloca em bons termos o debate. Então por alguém discordar de alguma coisa deve ser alijada de seus direitos, p. ex. o de exercer uma profissão? Se eu for contra usar terno, sou obrigado a abdicar dos meus projetos jurídicos e, ainda por cima, devo optar por alguma coisa absurda em algum lugar estranho do mundo?
Discordo com veemência! Não somos burros de carga. Temos o cérebro mais sofisticado da natureza e, segundo consta, a consciência faz de nós humanos e dotados de habilidades especiais, dentre as quais contrariar o que nos parece errado, inconveniente ou nocivo. Não sou um revolucionário, mas sou contra o conformismo e a submissão. Respeito os ritos das profissões. Mais do que isso, respeito coisas até demais. P. ex.: nunca entro numa igreja de chapéu. Não sou católico, mas observo fielmente uma regra que pertence à Igreja Católica e, uma vez dentro dela, visto-me como um romano. Do mesmo modo, respeito o ritual e o protocolo do mundo jurídico. Mas não sou obrigado a concordar com o que me parece tolo, inútil, despropositado. Usar terno é ótimo, mas não deveria ser obrigatório, em locais de clima como o nosso. Esse é o ponto. É seguindo esse caminho que podemos manter um bom debate.
Agora, admiro ainda mais o posicionamento do Fábio Raimundi, aí em cima.