quarta-feira, 25 de agosto de 2010

FlashForward

Um dos recursos narrativos mais bem sucedidos do seriado Lost era a descontinuidade temporal. Nas duas primeiras temporadas, os flashbacks eram largamente utilizados como forma de apresentar a vida pregressa e a alma dos personagens, que sempre eram diferentes e muito mais complexos do que julgávamos no primeiro contato. A partir da terceira temporada, a surpresa foi o surgimento dos flashforwards, quando vislumbrávamos o futuro dos personagens.
A ideia deu tão certo que a ABC Studios, àquela altura ciente de quando Lost terminaria, iniciou o projeto de um novo seriado baseado em semelhante noção de viagens no tempo, que deveria ocupar o imaginário dos fãs quando a série-mãe não existisse mais. O título já estava decidido: FlashForward. O projeto foi levado adiante e, em 24.9.2009, estreava nos Estados Unidos a nova aposta da emissora, com um episódio piloto instigante desde o título: "No more good days".
A série pode ser resumida nestes termos: Em 6.10.2009, todos os habitantes do planeta Terra sofreram uma espécie de desmaio por dois minutos e dezessete segundos. Durante esse tempo, tiveram visões que posteriormente descobriram ser vislumbres de onde estariam no dia 29.4.2010. Ou seja, todos viram o próprio futuro. Ou quase todos: muita gente não viu nada, porque estaria morta.
Conhecer o futuro tem implicações graves. Quem gostou do que viu teve suas vidas transformadas, encheu-se de esperança, encontrou um sentido. É o caso do médico Bryce Varley (Zachary Knighton), condenado a morrer de câncer, mas que se vê encontrando a mulher de sua vida. Ou do limpador de vidraças que, salvo pelo que acredita ser um milagre de Deus, torna-se um pregador religioso. Mas há os que veem coisas terríveis, como a jovem Nicole Kirby (Peyton List), que se vê sendo assassinado por afogamento e, para piorar, experimenta a estranha sensação de que merecia isso. E há os que enfrentam o desespero de nada terem visto, como o agente Demetri Noh (John Cho), que estava às vésperas de se casar.
Caos, morte e desespero nos primeiros instantes após o blecaute
Quando o mundo acorda do blecaute, está um caos. Como as pessoas perderam os sentidos abruptamente, incontáveis desastres ocorreram, notadamente nos sistemas de transporte. Ao todo, mais de vinte milhões de pessoas morreram. Todos estão atormentados por suas visões e pelo terror com a possibilidade de acontecer outro apagão.
A série se concentra, entretanto, nas investigações realizadas pelo FBI (claro, os EUA têm que estar à frente, sempre), comandadas pelo agente Mark Benford (Joseph Fiennes) que, por alguma razão, foi aquinhoado com uma compreensão privilegiada do fenômeno. Ao lado das investigações, os roteiristas exploram as vidas dos personagens, em tramas muito atrativas, tais como a da agente Janis Hawk (Christine Woods), que é lésbica, mas se vê fazendo uma ultrassonografia por conta de sua gravidez. Ou a do ex-militar alcoólatra Aaron Stark (Brian F. O'Byrne), que sofre a morte de sua filha, mas se vê ao lado dela, viva, no futuro.
Um acontecimento tão drástico teria inúmeras implicações emocionais. Vemos surgir, p. ex., o grupo dos mãos azuis. Eram aqueles que nada viram no futuro e, por isso, brincavam com a morte. E outro grupo, radical, que insistia em garantir que o futuro se realizasse como eles viram. Assim, quando o agente Al Gough (Lee Thompson Young) se mata para não atropelar e matar uma dona de casa, no futuro, provando que este pode ser mudado, o tal grupo se encarrega de preparar o atropelamento. No final das contas, a moça acaba morrendo atropelada por uma outra agente, que passa a viver o que Gough teria vivido. As pessoas, que viviam apavoradas com o futuro, através daquele suicídio voltam a acreditar que podem mudá-lo e a ter esperança. Com isso, a série explora a clássica batalha entre destino e livre arbítrio.
Benford e o "mosaico": uma luta contra o tempo para descobrir
quem causou o blecaute e impedir que se repita
Todos os ingredientes da série são excelentes. Um roteiro emocionante, interpretações competentes, ótimos efeitos visuais e especiais. Teria tudo para ser um grande sucesso, ainda que não se tornasse um cult, como Lost. Mas eis que em maio, quando os americanos viam o vigésimo episódio, a ABC anunciou o cancelamento da série. Sumário, sem discussões. Por lá as coisas funcionam assim. Não deu a audiência esperada, cancela-se o programa, sem mais nem menos.
Àquela altura, como todos os episódios da temporada estavam finalizados, não foi possível fazer qualquer adaptação que tentasse oferecer alguma noção de fechamento. Ontem, assistimos ao último episódio de FlashForward. Estávamos cientes do cancelamento e sentíamos uma raiva antecipada. Mas ontem minha pressão subiu de tanto ódio. Pelo visto, não há mesmo espaço para inteligência na televisão. FlashForward acaba, mas as comédias imbecis e as tramas sobre futilidades continuam, ano após ano.
É uma lástima. Parece que não temos futuro.

6 comentários:

André Carim disse...

Caro Yúdice:
Compartilho contigo a sensação de rancor. Penso até que deveríamos cobrar da Sky algum reparo pelo lamentável ocorrido, visto que a TV é paga e frustrou nossas expectativas de continuidade da série ou pelo menos de um final plausível, explicativo... Qual tua opinião?

Yúdice Andrade disse...

O problema não é da Sky, André. Foi a ABC, nos Estados Unidos, que deixou de produzir a série. Caso ela continuasse sendo produzida, suponho que a Sky continuaria exibindo, até porque no Brasil, até onde sei, a audiência foi boa.

@ritahelenafer disse...

Paramos de assistir após o 7º episódio, ao saber que seria cancelada, justamente para evitar maior envolvimento. Mesmo assim, a sensação de frustração foi imensa!

Aproveito para dizer que as postagens estão cada vez melhores! Muitas vezes penso em comentar algo, mas a preguiça vem, confesso - ou então a pressa, pois acesso vários blogs diariamente - daí deixo para depois e acabo não o fazendo!

Mas, antes tarde do que nunca, deixo registrado o elogio.

Abraços.

Ana Manuela disse...

Não consigo expressar meu ódio pelas emissoras americanas que cancelam as séries que eu gosto, assim, do nada. Mais ainda quando não tem um fim, acaba a série com aquilo que eles chamam de Cliffhanger, um gancho pro que seria o proximo episódio.
Acho uma falta de respeito com os telespectadores.

Yúdice Andrade disse...

Rita, só descobrimos o cancelamento da série um pouco mais à frente, quando já estávamos seduzidos. Parar de assistir não foi uma solução, mesmo sabendo da frustração que viria depois e que, de fato, veio com toda a força.
Agradeço o elogio ao blog, mas me preocupo: disseste que ele está melhor agora, justamente quando tenho postado menos! ;)
Espero que comentes mais vezes.

Ana Manuela, em matéria de ganchos, FF abusou. No último episódio acontece um segundo blecaute global, no qual percebemos que as pessoas são transportadas não para um mesmo dia, e sim para datas diferentes, o que abre um gigantesco leque de oportunidades. Estava claro que os roteiristas queriam ter material abundante para poder trabalhar não apenas em mais um, mas em alguns anos.
Além do mais, a cena final mostra o prédio do FBI explodindo, o que traz a pergunta sobre quem pode ter morrido. O protagonista estava jurado de morte, mas sua filha aparece, no futuro, sorrindo e dizendo "ele foi encontrado". Quem foi encontrado?!
Enfim, jamais saberemos. É de morte. Soltei um monte de palavrões na hora...
Para piorar, sequer somos americanos. Por que diabos a ABC se preocuparia com a nossa opinião?

Ana Manuela disse...

Eu nem cheguei a assistir essa série, justamente porque descobri sobre o cancelamento. E agora, pelo que tas me contando, que bom que não assisti. Ficaria irritadíssima com um final desses.
Justamente! Nossa opinião e nada, é a mesma coisa pra eles.
Só nos resta torcer pra fazerem outra série interessante, e que vá pra frente, né? :)