quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A lei e a jurisprudência

[A volta às aulas faz com que o blog retome as suas pautas técnico-jurídicas. Peço licença aos que nos visitam atrás de outros temas.]

A Lei de Execução Penal prevê que "o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar" (art. 127). Não existe norma congênere para fins de progressão de regime. Mesmo assim, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Cesar Asfor Rocha, entendeu que a prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para progressão de regime. Segundo ele, há precedentes na corte nesse sentido.
Decidi fazer uma consulta rápida e o resultado apontou, como primeiro item da lista, um julgado em sentido oposto:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS. (ART. 127 DA LEP). PRECEDENTES. INTERRUPÇÃO DO LAPSO TEMPORAL PARA OBTENÇÃO DE BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. A teor do disposto na Súmula Vinculante nº 9 do Supremo Tribunal Federal, o cometimento de falta disciplinar de natureza grave autoriza a perda integral dos dias remidos, assentando o aludido enunciado que: "O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58".
2. Tal medida "não ofende direito adquirido ou coisa julgada, pois o instituto da remição, sendo prêmio concedido ao apenado em razão do tempo trabalhado, gera, tão-somente, expectativa de direito, mesmo porque seu reconhecimento não produz coisa julgada material." (HC 109.473/SP, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJU 17/11/2008)
3. De outra parte, desde o julgamento do Habeas Corpus nº 123.451/RS, a Sexta Turma desta Corte vem decidindo no sentido de que, por ausência de previsão legal, o cometimento de falta grave não acarreta a interrupção do lapso necessário para obtenção de benefícios da execução penal, inclusive, a progressão de regime.
4. Agravo regimental parcialmente provido a fim que a falta grave não seja considerada como marco interruptivo da contagem dos prazos para obtenção de benefícios da execução penal.
(STJ, 6ª Turma - AgRg no REsp 1050280/RS - rel. Min. Og Fernandes - j. 8/6/2010 - DJe 1º/7/2010)


Mas o segundo item da lista confirmou a afirmação do presidente. Trata-se de um precedente da 5ª Turma do tribunal:

É assente na jurisprudência deste Tribunal o entendimento no sentido de que a prática de infração disciplinar de natureza grave interrompe a contagem do lapso legalmente exigido para se aferir o direito à progressão carcerária. (STJ, 5ª Turma - HC 148013/RJ - rel. Min. Jorge Mussi - j. 1º/6/2010 - DJe 28/06/2010)

Fica evidente, assim, que a interrupção do prazo, ao contrário do alegado, não é algo "assente na jurisprudência" do STJ, senão que há controvérsia, como provam os julgados proferidos com apenas sete dias de diferença de um para o outro, agora no último mês de junho.
Pessoalmente, compreendo os fins a que se destinam as decisões que entendem pela interrupção do prazo. Até concordo, porque deve ser assegurado, de fato, um tratamento mais rigoroso ao apenado que pratica falta grave. Mas há um óbice aí: restrições a direitos precisam ser expressamente consignadas em lei, não se admitindo presunções ou analogias. Contudo, o Supremo Tribunal Federal parece ir em sentido contrário:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA. FUGA DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. FALTA GRAVE. RECONTAGEM DO PRAZO PARA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS PREVISTOS NA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS. POSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO. 1. O tema em debate neste habeas corpus se relaciona à possibilidade de recontagem do requisito temporal para obtenção de benefícios previstos na LEP, quando houver a prática de falta grave pelo apenado. 2. Orientação predominante no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o cometimento de falta grave, durante a execução da pena privativa de liberdade, implica a regressão de regime e a necessidade de reinício da contagem do prazo para obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena (RHC 85.605, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.2005). 3. Em tese, se o réu que cumpre pena privativa de liberdade em regime menos severo, ao praticar falta grave, pode ser transferido para regime prisional mais gravoso (regressão prisional), logicamente é do sistema jurídico que o réu que cumpre pena corporal em regime fechado (o mais gravoso) deve ter reiniciada a contagem do prazo de 1/6, levando-se em conta o tempo ainda remanescente de cumprimento da pena. 4. O cômputo do novo período aquisitivo do direito à progressão de regime, considerando-se o lapso temporal remanescente de pena, terá início na data do cometimento da última falta grave pelo apenado ou, no caso de fuga do estabelecimento prisional, de sua recaptura. 5. A recontagem e o novo termo inicial da contagem do prazo para a concessão de benefícios, tal como na progressão de regime, decorrem de interpretação sistemática das regras legais existentes, não havendo violação ao princípio da legalidade. Precedente. 6. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma - HC 101915/RS - rel. Min. ELLEN GRACIE - j. 4/5/2010 - DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-05 PP-01042)

A matéria, conclui-se, não é mesmo pacífica, mas há uma inclinação mais intensa de tratamento mais gravoso, o que, a meu ver, ainda que sem respaldo legal imediato, insere-se no sistema de prêmios e recompensas que deve presidir a execução penal, estimulando (ao menos em tese) ao bom comportamento. Não é um entendimento de todo ruim, por conseguinte.

2 comentários:

Anônimo disse...

Valeu pela matéria Yúdice! Boa sua pesquisa!

De fato, concordo que, conforme os ditames da progressão de regime, uma falta grave passada em branco iria de encontro aos seus princípios (uma vez que depende de seus méritos - art. 33, § 2º, CP e art. 112 da LEP). Mas, de outro modo, bem lembrada a colocação sobre analogia "in malam partem".

É dífil se posicionar... Será que, apesar da analogia, não se deveria aliar à decião de Asfor Rocha, por ser a interrupção do prazo uma medida que, além de respaldada legalmente, não seria, mesmo que sobre um aspecto nagativo, uma questão "supralegal de justiça" (tirei do post acima :D ) para com os outros presos? E porque não com a sociedade?

Abração!

Mário Meirelles

Yúdice Andrade disse...

Mas a minha opinião, Mário, sempre procurando colocar os princípios acima das normas escritas, vai nesse sentido, com efeito. Parece-me muito mais adequado interromper esse prazo. Se o apenado, por mau comportamento grave, não merece a antecipação de liberdade que representa a remição, por que mereceria a progressão?
Além dos interesses da sociedade, pode-se de fato constatar uma relação de justiça quanto aos demais presos. Não me parece razoável que dois presos, condenados à mesma pena, progridam de regime nas mesmas condições.
Um abraço.