terça-feira, 28 de setembro de 2010

Legislação para as elites

Em 2 de dezembro de 1804, na catedral de Notre Dame, o Papa Pio VII pretendia coroar Napoleão Bonaparte como imperador de França. Foi do Vaticano a Paris com essa finalidade mas, durante a cerimônia, Napoleão tomou a coroa das mãos do papa e colocou-a, ele mesmo, sobre a cabeça, coroando em seguida sua esposa, Josefina. Estava dado o recado: Não reconheço nenhuma autoridade superior à minha.
O fato histórico, tão conhecido, parece ser reproduzido, aqui e ali, guardadas as devidas proporções, sempre que a oportunidade se apresenta, ainda mais em países de democracia de papel, como o Brasil. Ao longo de nossa história, categorias com ampla penetração (entenda a palavra como quiser) nas instâncias decisórias puderam garantir privilégios, inclusive os mais injustificáveis e odiosos. E não me refiro apenas à história de décadas passadas.
Advogados, quando presos em flagrante no exercício da advocacia, tem direito à presença de um representante da OAB para a lavratura do auto respectivo e, em caso de prisão antes de sentença definitiva, devem ser recolhidos à "sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar" (Lei n. 8.906, de 1994, art. 7º, IV e V).
Juízes, quando provada grave violação aos seus deveres funcionais e mesmo na prática de crimes graves, sofrem como máxima penalidade a aposentadoria compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.
Membros do Ministério Público, quando condenados por sentença criminal transitada em julgado, não perdem o cargo: o Procurador Geral de Justiça ainda precisa propor uma ação cível específica com essa finalidade.
Militares continuam tendo direito à aposentadoria especial e, se falecidos, suas filhas solteiras ainda podem receber pensão até os 24 anos de idade, como se o Brasil ainda estivesse nos anos 1950 e a sociedade ainda fosse dividida entre homens que trabalham e mulheres que cuidam do lar.
A mais nova incursão das elites no Poder Legislativo é uma proposta de emenda constitucional que pretende federalizar os crimes praticados contra jornalistas, em razão de sua condição profissional. O motivo? Assegurar a liberdade de imprensa! Como sempre, privilégios sempre podem ser justificados com argumentos politicamente corretos, centrados em necessidades inadiáveis. O que seria dos criminosos de Estado sem a retórica?
Depois, você é que fica mal por ser contra...
Elites me irritam profundamente. Desculpem, mas acho que acordei de mau humor.

3 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Calma, Yúdice. Não se irrite consigo mesmo. Olha o estresse.

Ana Miranda disse...

Nem vou comentar...
Vem cá, o que você fez durante a noite (ou deixou de fazer, sei lá...) para acordar de mau humor, hein???
Eh...eh...eh...

Yúdice Andrade disse...

Foi circunstancial, meus amigos. Hoje estou melhor.