segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

1822: a mesma questão do trabalho

Na postagem que fiz sobre o livro 1808, destaquei o tema da aversão do brasileiro pelo trabalho. A questão volta a ser abordada em 1822, em passagem que ilustra aspecto da formação da mentalidade do brasileiro:

Esses dois brasis tinham alguns traços em comum. Uma era a aversão ao trabalho e a total dependência da mão de obra escrava. Seidler faz um retrato devastador da relação entre escravos e senhores no Rio de Janeiro, uma sociedade que se pretendia desenvolvida e cosmopolita, mas era, no entender do viajante alemão, marcada pela "excessiva preguiça e indolência":

Madame tem suas escravas — duas, três, seis, oito, conforme o infeliz esposo abrir a bolsa. Essas criadas negras nunca podem arredar-se da imediata proximidade de sua severa dona. Devem entender-lhe e até interpretar-lhe o olhar. Seria demais exigir que a senhora, fosse ela mulher de um simples vendeiro, se sirva ela mesma de um copo d'água, ainda que o jarro esteja junto dela sobre a mesa. É tão doce poder tiranizar! De cozinhar e lavar, nem se fale: para semelhante trabalho de escravos Deus criou os negros...

Saint-Hilaire também fala da aversão ao trabalho ao passar pelos Campos Gerais do Paraná: "Como no resto do Brasil, todo mundo trabalha o menos possível. A vida dos homens muito pobres difere pouco da dos índios selvagens. Eles só plantam o estritamente necessário para o sustento da família e passam meses inteiros embrenhados na mata. (...)"
Outro traço em comum era a esperteza e a falta de transparência nas relações comerciais — o famoso "jeitinho brasileiro" —, que já assustava os viajantes estrangeiros aqui chegados pela primeira vez depois da abertura dos portos. Ao descrever o comportamento dos comerciantes baianos, o inglês Thomas Lindley afirmou:

Em seus negócios, prevalece a astúcia mesquinha e velhaca, principalmente quando efetuadas transações com estrangeiros, aos quais pedem o dobro do preço que acabarão por aceitar por sua mercadoria, ao passo que procuram desvalorizar o que terão de obter em troca, utilizando-se de todos os artifícios ao seu alcance. Salvo algumas exceções, são pessoas inteiramente destituídas do sentimento de honra, não possuindo aquele senso geral de retidão que deve presidir toda e qualquer transação entre os homens.
(pp. 71/73)

Creio já haver mencionado, aqui no blog, o episódio em que ouvi certa pessoa enfurecer-se com o anúncio do aumento do salário mínimo (no ano passado, creio). Se continuasse aumentando daquele jeito, protestava, como poderia manter sua empregada doméstica? A pessoa em questão, em cuja família não há um só ser humano que receba o salário mínimo, está contra uma das mais cruciais necessidades do brasileiro, porque precisa manter a sua própria empregada sem maiores ônus. Já sabemos de onde vem esse tipo de postura.
Quanto à patifaria do brasileiro, isso pede postagem mais elaborada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Li este livro. Imaginei que não iria gostar. E não gostei mesmo. Da história, claro. Do livro eu adorei.

Juro, parece que eu estava lendo sobre a atualidade no Brasil. A única coisa que muda é que as personagens usam aquelas calças engraçadas e vestidos pomposos.

Alexandre