Ministro Francisco Campos, na exposição de motivos do projeto de lei que se converteu no Decreto-lei n. 3.689, de 1941 — Código de Processo Penal, ainda em vigor.
Estou certo de que Francisco Campos — grande jurista de seu tempo, a quem se atribui a redação da Constituição de 1937 e do famigerado Ato Institucional que deflagrou o golpe militar de 1964 —, se pudesse manifestar-se hoje, não estaria tão seguro de que o tribunal do júri consegue cumprir sua "finalidade precípua da defesa social", ou que as pessoas — cidadãos comuns — que dele fazem parte estão mesmo conscientes de suas graves responsabilidades. E, com certeza, não afirmaria que a instituição está reabilitada na confiança geral.
Duvido que haja uma instituição de processo penal mais polêmica do que o tribunal do júri. Sua origem pode ser considerada uma conquista da civilização. Afinal, foi criado para democratizar o Poder Judiciário, permitindo ao cidadão comum, nos casos pré-estabelecidos, atuar como juiz de fato, ou seja, tomar parte ativa na distribuição da justiça. Esperava-se, com isso, que as decisões a serem tomadas em relação aos delitos mais graves não fossem apenas burocráticas e tecnicistas, mas que possuíssem, também, uma certa identidade com o grupo social afetado pelo delito, particularmente sua visão de mundo e seus modos de viver. Assim, se um homem matasse outro numa grande metrópole, após ter sido ofendido moralmente por ele, poderia ser condenado, até quem sabe por homicídio qualificado, se admitido o motivo fútil. O mesmo fato, ocorrido num interior desses bem profundos do país, poderia ter um desfecho completamente diferente, seja pelo reconhecimento do privilégio (crime cometido sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação do ofendido), seja, até mesmo, pelo reconhecimento da legítima defesa da honra e consequente absolvição do réu.
A lei é a mesma em todo o país. A interpretação que se lhe dá é que varia, de acordo com inúmeros fatores.
A idéia do júri, portanto, é muito boa. O problema está na sua efetivação. O motivo principal, sempre lembrado, é o fato de que o tribunal do júri é composto por sete pessoas do povo (além do juiz togado que o preside), escolhidas dentre maiores de idade de boa reputação, entendida como ausência de antecedentes criminais. Nenhum requisito técnico é exigido do indivíduo que pretenda compor o conselho de sentença, até porque, se isso ocorresse, estaria comprometido o ideal de democratização: o júri seria uma reunião de doutos, numa sociedade semi-alfabetizada. Obviamente, produziria uma justiça elitizada, justamente o oposto do pretendido.
Como decorrência do seu caráter leigo, os jurados são os únicos juízes que decidem sem a obrigação de fundamentar suas decisões. Fazem o que lhes parecer melhor, mais plausível ou mais humanamente admissível. Decidem votando quesitos apresentados pelo juiz-presidente, aos quais respondem com um simples "sim" ou "não", sem qualquer esclarecimento. E ao júri a Constituição confere a soberania dos vereditos, para que as deliberações populares não possam ser reformadas em grau de recurso, mas apenas anuladas, em situações restritas e especiais. O problema é que o Direito é um conhecimento complexo demais para ser manuseado por quem não o compreende, sobretudo se considerarmos as suas consequências, notadamente as penais.
Daí decorre que muitos propõem a extinção do tribunal do júri, acusando-o de decidir sem critérios objetivos, razoáveis ou defensáveis. Decidir apenas com a emoção — o que, para o bem ou para o mal do réu, não se pode tolerar. Eis aí uma briga antiquíssima, que está longe de uma solução.
Hoje, existe quem proponha uma solução "eclética": o júri seria mantido, mas o réu somente seria submetido a ele se concordasse. Caso preferisse um julgamento estritamente técnico, seria julgado por um juiz de Direito. Justifica-se a proposta sob a alegação de que uma norma criada para beneficiar (ser julgado pelos próprios pares, que teoricamente comungam dos mesmos valores, seria mais justo ao réu), não poderia prejudicar (sofrer um julgamento passional e contrário às próprias normas penais e processuais). Difícil coadunar esta proposta com o princípio do juiz natural. Além do mais, causaria perplexidade que o acusado de um delito tivesse tanto poder decisório sobre o próprio futuro, quando na verdade deveria estar entregue à sociedade, para a realização da almejada justiça.
Pessoalmente, tenho grande simpatia pela instituição do tribunal do júri. Entendo que ela deve continuar a existir. Aliás, vou além e proponho que sua competência seja ampliada. Não apenas os delitos dolosos contra a vida, consumados ou tentados, lhe deveriam ser submetidos, como outros, que também afetam a vida mas se enquadram em outros setores da legislação (tais como o latrocínio e a extorsão mediante sequestro com resultado morte, que são delitos patrimoniais, e o estupro ou atentado violento ao pudor, com resultado morte, ridiculamente classificados até hoje como delitos contra os costumes). O mesmo deveria valer para a redução à condição análoga à de escravo, para a qual defendo todo tipo de endurecimento da lei penal. E, ainda que admitindo uma certa dose de mordacidade, alguns dos crimes contra a Administração Pública, tais como peculato e corrupção. Já pensou? Aquelas figurinhas ilustres da República sentadas no banco dos réus, sob os olhares do contribuinte lesado?
Seja qual for a competência jurisdicional do tribunal popular, contudo, é certo que todo pessoa admitida a fazer parte da lista geral de jurados deveria passar por um treinamento, ao fim do qual tivesse uma noção decente dos fins do Direito Penal, das graves consequências que provoca, não apenas para o réu, mas para sua família, para as vítimas e familiares destas, além de receber um mínimo de instrução sobre questões técnicas, necessárias para a qualidade do veredito e para reduzir os riscos de posterior declaração de nulidade do julgamento.
Uma mudança assim, contudo, exige que a sociedade levante da cadeira, dando um tempo no futebol e na novela, para se ocupar, um pouquinho, do próprio futuro.
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