quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Algemas

Uma polêmica intensa e antiga teve um desfecho ontem, 13 de agosto, no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Foi quando nasceu a Súmula Vinculante n. 11, que consolida a excepcionalidade do uso das algemas, para as situações em que isso se revele estritamente necessário. E por necessário entendam-se os casos de resistência à prisão, risco de fuga e ameaças à integridade física de terceiros ou do próprio preso. Eis o texto da súmula, que deu muita discussão até chegar à redação final:

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

O STF encampou os argumentos de setores do Direito Penal alinhados à ideia de que os direitos individuais devem ser assegurados, que encontravam a mais forte oposição nas polícias. Para estas, as algemas eram praticamente inerentes à tarefa de efetuar uma detenção. Na verdade, a súmula nada traz de inovador, pois apenas consagra interpretações conhecidíssimas. O que eu quero ver é delegado se explicando por escrito. Eles adorarão.
Sabem o que eu acho da nova súmula? Não acho nada. Honestamente. Não acho nada porque a sua eficácia será muitíssimo restrita. Ela somente será aplicada nas operações da Polícia Federal. Gente como Paulo Maluf, Jader Barbalho e Daniel Dantas estará resguardada. Mas se estes senhores — citados aqui exemplificativamente, porque é notório que foram presos pela PF — um dia chegaram a ser algemados, o fato é que sempre estiveram resguardados. Sempre tiveram acesso às garantias constitucionais, daí que sequer esquentaram os catres de suas celas.
A súmula será empregada quando a PF prender a raia miúda das grandes safadezas nacionais. Estes serão os verdadeiros beneficiários. A súmula não será empregada, entretanto, nos outros 99% dos casos em que formalmente seria exigível. Sabe por quê? Porque esses 99% restantes correspondem às prisões realizadas pelas polícias civil e militar, pelo país afora. São os ladrões e criminosos violentos de sempre.
Alguém acha que a PM, pegando um puxadorzinho de cordão, na rua, deixará de algemá-lo? Ou se justificará por escrito? É tão fácil dizer que o sujeito resistiu à prisão, como sempre foi fácil plantar uma arma ou entorpecente no bolso do cara.
Espancar, torturar, humilhar já é proibido há décadas. E mesmo assim acontece todos os dias. Lei e jurisprudência nunca fizeram diferença, tanto que autoridades respondendo por abuso de autoridade são raras e, quando acontece, é pelo mesmo motivo dos criminosos: não têm acesso pessoal aos mecanismos de proteção. Não respondem sequer administrativamente. E assim continuará a ser. Com ou sem súmula.

Acréscimo em 15.8.2008:
Pelo que vejo, comunga do mesmo ponto de vista meu o grande cartunista J. Bosco:

3 comentários:

Anônimo disse...

Doutor, polícia nenhuma 'planta' provas em cidadãos de bem. Esse tempo pertence ao passado. Ah ah ah ah ah
Mas falaste certo ao afirmar que o Supremo Tribunal legisla em causa própria. O quê eu queria saber é quanto custa um h.c. prum banqueiro cheio da bufunfa lá em Brasília.

Fernando Bernardo disse...

Professor,

a esse respeito, segue o link de um corajoso artigo de um Delegado da PF, entitulado O Estado do Privado.

http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=41386

Sds.

Fernando Bernardo

Yúdice Andrade disse...

Só rindo, mesmo, anônimo. E eu não sou doutor, não. Quanto ao valor de um HC, tenho até medo de saber.

Fernando, li o artigo e aproveitei para conhecer melhor o sítio. Quanto ao texto recomendado, não pude concordar na íntegra, mas considero importante discutir as questões trazidas por ele. A falta de tempo me impediu de escrever sobre. Grato pela atenção ao blog. Volte sempre.