sábado, 2 de agosto de 2008

Raciocínio fracionado

Faça o teste: compre alguma coisa (não importa onde) que dê um valor fracionado. Pague com um valor inteiro e veja o que acontece. Na hora de dar o troco, o vendedor vai pegar uma calculadora. Eu diria, vai depender dela, mesmo que se trate de uma operação banal. Ontem, por exemplo, fiz um pagamento de R$ 207,53 e entreguei R$ 210,00. A moça automaticamente recorreu à maquininha. Quando ela começou a teclar, o valor de R$ 2,47 já estava em minha mente.
Nunca fui bom em Matemática. Pelo contrário, durante alguns anos, no ensino fundamental, fiz prova final. Sempre de Matemática. Passava direto nas outras. Sou mais uma vítima do ensino brasileiro, que apresenta a Matemática como algo ruim que algum calhorda nos obrigou a estudar, só porque desejava o nosso mal. O próprio professor reforça essa ideia, quando associa o conteúdo a punição ("comportem-se ou vou já passar um dever de Matemática!"). Ela não nos era apresentada como algo que realmente faz parte de nossas vidas — percepção que torna o aprendizado mais fácil.
Por isso, acho muito louvável o seriado Numb3rs que, a despeito da fantasia e dos exageros, cumpre essa função. As melhores cenas, para mim, são aquelas em que os professores Charles Eppes (David Krumholtz) e Larry Fleinhardt (Peter MacNicol) discutem temas absolutamente realistas — mostrando, por exemplo, como a Matemática pode explicar a direção do jato de água de um regador de jardim e que utilidades poderíamos tirar da mesma função matemática usada para essa tarefa.
Como disse, não tenho intimidade com a matéria. Só me recuso a emburrecer. Quero conservar um mínimo de controle sobre a minha capacidade de cálculo, mormente se for elementar. Recordo-me da Profa. Ana Maria Novaes Coutinho, a quem devo tanto de minha formação primaríssima, reagindo aos métodos tradicionais, que obrigavam o aluno a decorar, sob pena de castigos corporais (minha mãe chegou a passar tabuada comigo com uma régua na mão; a única coisa que conseguiu foi me fazer jamais entender que diabo era "noves fora"). A Profa. Ana dizia que, na hora do cálculo, podíamos contar no dedo ou usar outros expedientes, desde que chegássemos ao resultado correto. Com isso, ela me deu uma lógica (esclareceu o que era mais importante) e suprimiu boa parte do medo de errar, o que facilita o acerto. Querida professorinha!
Acabei seguindo a carreira jurídica, onde uma frase recorrente é "fiz Direito para não ter que saber Matemática!" Os alunos adoram repetir isso. Mas quebram a cara quando se deparam com os cálculos trabalhistas (que o diga a Profa. Emília Farinha). Eles não esperavam, contudo, precisar enfrentar o monstro em uma disciplina como Direito Penal. Todavia, eis que apareço com o cálculo da pena privativa de liberdade! Uma delícia, ainda mais porque calculamos tempo e não valores inteiros. Em geral, é um deus nos acuda. Infelizmente, eles ficam tão preocupados em acertar a conta que acabam perdendo a dimensão do que de fato precisam aprender. Depois, ninguém sabe calcular penas. Este semestre, tentarei impedir que isso ocorra.
Espero que a educação brasileira mude. Que a escola ensine aos alunos não apenas conteúdos, mas que ensine por que ensina aquilo. O pé no chão e a visão de futuro são boas ferramentas para tornar o processo de aprendizagem o que deveria ser sempre: um prazer.

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