Das profundas

Nos anos 1980 houve um boom das igrejas evangélicas no Brasil. De uma hora para outra, surgiam novas denominações religiosas e templos abriam a rodo. Conheci muita gente "desguiada" que entrou para a crença. Uma dessas pessoas me proporcionou uma pitoresca manhã de domingo.



Dava medo, mesmo.
Mas, a julgar pela aparência, nos
anos 1980 todos seriam satanistas!



Enfrentando a fúria do pai, inconformado com a sua conversão, o rapaz convocou pessoas da vizinhança para demonstrar a importância de sua fé. Queria ele demonstrar como Satanás estava entranhado na vida das pessoas que, muitas vezes por ignorância, permitiam que ele ganhasse força. E a prova que ele queria nos mostrar era: o disco da banda adolescente porto-riquenha Menudo, maior sucesso nas rádios da época. Sim, você deve se lembrar disso: o hit maior, "Não se reprima", ouvido de trás para a frente, continha a mensagem "Satanás vive"! Outros artistas estavam na lista dos que haviam vendido a alma.

Mudou minha vida.

Escutamos a gravação. Várias vezes. Ninguém, absolutamente ninguém, conseguiu identificar os versos malditos. Nosso vizinho deve ter ficado frustrado.
Mesmo sendo uma criança, uma dúvida me assaltou. Perguntei a meu irmão como era possível que cantores estrangeiros, falantes de outros idiomas, gravassem mensagens satânicas em português. Por que justamente português? Ele não soube me responder.


Havia um desses na minha casa.
Ninguém o abriu, felizmente.



Naquela época divertida, nem o boneco do Fofão escapou do pacto com Satanás. Havia uma cruz invertida (ou um punhal, conforme a versão) no interior do boneco. E eu, ingênuo, achava que era apenas a peça de sustentação da cabeça...

Duas décadas se passaram e, nesse meio tempo, embora sem a mesma repercussão de antes, volta e meia aparece algum novo satanista. Já fomos proibidos de comer batatas Pringles e descobrimos que várias marcas de sabão em pó e detergentes estavam comprometidas com as profundezas. A logomarca do fabricante era uma estilização do número 666, mas isso eu também jamais consegui perceber sozinho. Até absorventes higiênicos entraram na onda.

Agora, um famoso pastor americano, Josue Yrion, faz nova revelação. O camarada já revelara ao mundo que o Barney — saca o Barney, aquele dinossauro roxo que as péssimas línguas acusam de difundir o homossexualismo entre as crianças, como se ele fosse o Tinkie Winkie? — comia cadáveres humanos.

A bola da vez é a brasileiríssima Xuxa.

Há quem tenha certeza. Mas por causa do nome?

Não acredito nem duvido que Xuxa faça lá sua fezinha nos andares de baixo. Na verdade, não me importo. O problema é a prova que o pastor oferece de sua acusação: "Xuxa" se originaria no nome de "dois demônios brasileiros" (sic). Quer saber quais? O-xu e Ori-xá.

PS — O bem informado pastor deve estar se referindo a Exu. Quanto a orixá, que me conste, é uma classificação e não uma entidade individualizada. E lá estou eu de novo tentando racionalizar essas sandices...