Menos de uma hora após ter publicado a postagem "Julgamento da Lei de Imprensa" (duas antes desta), o triplamente colega (professor, advogado e blogueiro) Cláudio Colnago, do Espírito Santo — terra boa, que tive o prazer de conhecer, em 2002 (saudade da moqueca capixaba!) —, escreveu uma oportuna provocação:
Bom dia Yúdice, tudo bem?
Somente para refletir: a formulação das chamadas "teses maliciosas" não seria tão somente o cumprimento do dever fundamental do advogado, que é defender, segundo a melhor técnica possível, os interesses de seu cliente?
Advogado criminalista é malicioso por cumprir muito bem um dever profissional? Em caso positivo, por que o seria?
Grande abraço e parabéns pelo blog!
Diante do justo questionamento, escrevi esta resposta, que me inspirou esta nova postagem, para atrair outras opiniões, já que muitos não leem as caixas de comentários:
Caro Prof. Colnago, muito obrigado por sua atenção ao blog, ainda mais considerando que seu comentário chegou minutos após a publicação da postagem.
Realmente, meu texto sugere uma certa má vontade em relação aos advogados. Talvez esta minha passagem pelo serviço judiciário esteja afetando minhas observações. Afinal, também sou advogado.
Contudo, justamente por ter a visão tanto do advogado quanto do decisor, sei que o dia a dia forense é permeado por atuações advocatícias que até se explicam pelo zelo profissional, mas não pelo Direito e, frequentemente, não pela ética. Contudo, alegar que se está apenas defendendo o melhor interesse do cliente é uma porta aberta inesgotável. Para muitos colegas, essa premissa justifica tudo. E não acho que seja assim.
Costumo dizer a meus alunos que devemos defender o nosso constituinte, mas não agir como ele. No âmbito criminal, sobretudo.
Nos âmbitos técnico e profissional, não hesito em dizer que sua crítica é 100% pertinente. Mas se enveredarmos pelo âmbito ético, prossegue-se assim? Um homicida, um estuprador — para dar exemplos contundentes —, que tem o indiscutível direito constitucional à ampla defesa, tem também direito à impunidade, à liberdade ou a, sei lá, uma segunda chance?
Só porque devo defendê-lo, devo deturpar fatos, aproveitar-me de erros alheios ou engendrar o que chamei de teses maliciosas? Isso faz, realmente, parte do mister advocatício?
Minha posição é contrária. Mas apreciarei tanto continuar no debate que transformarei nossa conversa numa postagem.
Abraço e volte sempre.
Seria bom que outros advogados, além do próprio Colnago, oferecessem suas opiniões. A questão não é nova, mas compreensivelmente nunca foi resolvida. E, dadas as suas implicações, é de grande relevância.
A questão está posta.
4 comentários:
"todo mundo tem direito à defesa, mas nem todo mundo tem direito a minha defesa".
Ainda na Universidade, cunhei esta frase, e ela me guia até os dias de hoje.
Não arredei um milímetro deste pensamento em mais de 13 anos de inscrição na Ordem.
Mesmo necessitando, já recusei defesa com honorários bons, por princípios éticos ("princípios éticos" é uma outra forma de dizer: "em homenagem ao que papai e mamãe me mostraram lá em casa!" - rsrsrs)
Yúdice, não consigo comentar, mas leio sempre! :^)
Mas nesse post não pude deixar de meter o bedelho.
Essa questão é tormentosa para mim. Antes, fui advogado e, como o Lafayette, podia me dar ao luxo de escolher clientes. Hoje, sou defensor público e não tenho mais esse luxo. Por dever legal e moral (ao assumir o cargo jurei assim fazer e costumo levar meus juramentos com seriedade - formatura, OAB, Defensoria Pública) obrigo-me a atuar em defesa daqueles que não têm mais ninguém para defendê-los. Veja que a lei de regência da minha atividade até prevê a suspeição. Eu até poderia declarar-me suspeito por questão íntima e não defender o estuprador (para ficar no seu exemplo). Mas e se todos os defensores públicos assim o fizessem, com as justas razões que teriam? Quem defenderia o estuprador que, antes de sê-lo, é cidadão brasileiro e possui, gostem ou não os amantes da "lei e ordem", direito a ampla defesa, contraditório e respeito ao devido processo legal?
Tenho tentado resolver minhas crises de consciência como essa da seguinte forma: nós, defensores públicos, defendemos não só nossos assistidos, mas também defendemos, acima de tudo, o interesse do Estado. Sim, pois o Estado tem interesse na acusação, mas também tem interesse na defesa. É interesse do estado democrático de direito que acusação e defesa se façam presentes. Por isso, quando estou diante de casos como esse, esforço-me ao máximo também, porque, apesar de defender um estuprador confesso, que sequer se arrepende, preciso garantir-lhe o exercício da defesa, lutar contra arbitrariedades, exigir que os princípios e regras constitucionais sejam aplicados a todos, sem distinções, com o mesmo peso e a mesma medida, para o pobre, para o rico, para a criança vítima do estupro, para o estuprador.
Assim, vou levando.
Não é confortável defender estupradores, assassinos, etc. Mas me sentiria muito pior se fizesse uma defesa ruim só para prejudicar "alguém como ele", quando, em verdade, aos olhos da Constituição da República, é "alguém como nós".
Abraços,
Vlad.
Lendo uma vez uma espécie de biografia do Dr. Técio Lins e Silva, advogado criminalista do rj,, sobrinho do famoso Evandro Lins e Silva, o mesmo defende que a atuação do advogado criminal é importante na medida que assegura ao réu um julgamento justo. Portanto, é de extrema importância que o exercício desse papel não ultrapasse tais prerrogativas, a conduta do suposto criminoso não deve ser confundida com a de seu causídico.
Igualmente deve-se atentar para esse tipo de idéia de não defender estuprador, ladrão, homossexual, idoso, deficiente, preto, pobre, classe média, tucano, petista, rico, magistrados...
Todos somos iguais a luz da Constituição.
Fiquei te devendo uma resposta, Lafayette. Devo dizer que, considerando uma advocacia estritamente privada, meu pensamento não destoa do teu.
Vladimir, já te respondi e te agradeço.
Caro Ricardo, antes de mais nada, grato pela atenção ao blog. Espero oferecer alguma razão que justifique o seu retorno a estas bandas. Quanto ao cerne do seu comentário, devo dizer que foi extremamente lúcido. Um abraço.
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