Fui criança dos anos 70 para os 80 e adolescente dos 80 para os 90. Vi os hippies (lembro-me deles na Praça da República, em grandes bandos; hoje, há remanescentes), os punks, os darks, os grunges e outros. Mas nunca tive a menor intenção de aderir a esses modismos. Não parei de tomar banho nem adotei uma cabeleira black power. Não me vesti predominantemente (ou exclusivamente) de preto, muito menos me enfiei em bermudões com os fundilhos na altura dos joelhos. Desde criança, uma marrentice que me é muito própria e me acompanha até hoje, embora mitigada, me levava a detestar tudo que implicasse em massificação (embora eu ainda fosse demorar alguns anos para entender o que é "massificação"). Atribuo a isso o fato de sempre ter odiado futebol, como até hoje.
Hoje, após uma boa temporada na terapia, compreendo melhor a necessidade de auto-afirmação que todo mundo possui na passagem para a adolescência e muitos carregam consigo, pela vida afora. Muitos, senão a maioria. Entendo que as relações horizontais influenciam mais a formação da personalidade do indivíduo do que as verticais e antecipo, embora não sem dor, que os colegas de escola terão mais poder sobre minha filha do que eu e a mãe dela, a partir de certo momento. Compreendo, ainda, que aderir a tribos é uma forma simples de se sentir integrado e aceito, muito embora possa ser justamente o contrário.
Ao aderir a esses modismos toscos, o sujeito, sem saber, se despersonaliza. Abre mão de si mesmo para vestir-se, agir e pensar (quando pensa) como a tribo em questão. E o pior: acredita que, ao fazê-lo, está arrasando. Acha que isso é atitude. Por essas e outras, defendo que o governo deveria custear acompanhamento psicológico para todas as pessoas, em algumas fases da vida, tais como o final da infância e a puberdade. Mas, claro, sei que é uma proposta a ser encarada como ridícula.
Escrevo estas mal traçadas linhas sob a influência do dia 24 de setembro, escolhido pelos sátiros da internet como Emoday — dia para homenagear os emos, talvez a tribo mais chata das que já conheci até hoje. Não sei se é porque, com mais idade, meu nível de intolerância está aumentando ou se porque tenho um espécime dessa raça (ainda que light, por restrições externas) na família ou se, como penso, porque eles são insuportáveis, mesmo.
Quando preciso ir a um shopping, vejo-os em seus bandos, metidos no figurino preto cheio de elementos destoantes e exagerados. Dá vontade de fugir correndo, antes que me façam algum mal. Afinal, criaturas que glorificam o sofrimento e a desesperança só podem trazer uma nuvem de dor ao seu redor e disso estou passando.
Cansado de dizer para minha prima que pintar os olhos todo santo dia, desde cedo, pode acelerar o envelhecimento da pele; que tênis All Star de cano longo são horrorosos e que a música emo entorpece os neurônios, além de outros itens, perdi o que me restava de paciência com essas criaturas perdidas. Então resolvi disseminar a campanha do Emoday. Clique aqui e veja uma excelente compilação do que os sítios humorísticos publicaram no último dia 24, com destaque para o "Manual do emo".
E reze por esses condenados!
2 comentários:
Caro blogueiro, sou emo e vejo isso como uma questão minha, pessoal e libertária, que somente a mim interessa. Seu depoimento é cheio de preconceito e infelicidade, que talvez tenha vindo de sua infância ou adolescência solitária. Verificando seu blog, detecto que o senhor se imagina superior a todos, e com um conhecimento elevado. Tais distúrbios são comuns a pessoas da sua idade que se imaginam no direito de dar lições de moral a adolescentes e jovens como eu. Como você mesmo diz em seu blog, acho que esqueceu de tomar seus remédios hoje. Não deveria esquecê-los, sob o risco de aflorar em você traumas passados que não trazem boas lembranças.Converse sobre isso com seu analista, ele poderá ajuda-lo. Quanto a sua filha, que pelo que observo sera severamente monitorada e vigiado pelo senhor, de a ela um pouco de liberdade e possibilite que ela ache seus caminhos sozinha, você dessa forma estará formando um ser humano melhor e mais preparado para as vicissitudes da vida adulta.
Com respeito. mais sem admiração.
Glória Moreira.
Adolescente 16 anos (EMO).
Glória, adorei você. Com toda a honestidade, achei você excepcional. Primeiro, pela educação refinada que demonstra, mesmo contrariada com a postagem (efeito que eu já esperava).
Segundo, porque escreve bem, a despeito de pequenos deslizes. Mas como hoje em dia poucos conseguem redigir de modo decente (independentemente da idade), você já merece o elogio. Sobretudo por conta do vocabulário rico e preciso, além das construções frasais sofisticadas. Confesso que fiquei impressionado.
Sobre sua crítica, tenho a dizer:
1. "questão minha, pessoal e libertária, que somente a mim interessa" é uma grande verdade. Você pode e deve ser o que quiser e está de parabéns por ter essa consciência. Só não me retire, por favor, o direito de crítica. Esse direito você não possui. E compreenda que, quando adotamos uma posição pública, qualquer que seja, damos a cara a tapa. Esse é um ônus de vivermos em sociedade.
Eu sou criticado por ser de esquerda, gordo e por detestar futebol. Tenho que aceitar que as muitas pessoas rejeitem isso, o que não implica, é óbvio, em abdicar dos meus interesses e de sustentar aquilo em que acredito.
Por isso, compreenda que será criticada. E firme a sua posição, como fez, com firmeza e elegância.
2. "Seu depoimento é cheio de preconceito e infelicidade": admito uma boa dose de intolerância, sim. Admito-o no próprio texto. Mas realmente acredito no mérito do comentário, revelado desde o título (problemas de auto-afirmação). Não é uma crítica vazia, por mais que você repudie o seu conteúdo. A "infelicidade" fica por sua conta.
3. "talvez tenha vindo de sua infância ou adolescência solitária": Aqui você comete seu primeiro pecado: pessoaliza a crítica e fala do que não sabe. Bola fora.
4. "detecto que o senhor se imagina superior a todos, e com um conhecimento elevado": Uns tantos que passam por aqui pensam isso. Não me avalio desse jeito, mas não me importo que pensem dessa forma. Eu só me importaria se fosse verdade.
5. "Tais distúrbios são comuns a pessoas da sua idade que se imaginam no direito de dar lições de moral a adolescentes e jovens como eu": Eis o segundo pecado, ainda maior. "Distúrbio" é uma palavra de graves implicações. Detecto que você tem uma boa dose de irresignação com a postura dos adultos e comete um erro típico: generaliza. Ainda é cedo para você perceber que nem tudo que nós, malvados adultos, defendemos se destina a infernizar a vida dos jovens. Eu demorei a entender isso, mas acabei entendendo. E você também entenderá, um dia, porque é inteligente.
6. "Como você mesmo diz em seu blog, acho que esqueceu de tomar seus remédios hoje." Constato, aqui, que você já visitou o blog outras vezes. Obrigado. Espero que volte e que possamos encontrar pontos de afinidade, pois uma jovem como você é bom ter por perto. No mais, é como eu disse: se eu tomo uma postura pública, devo aceitar as conseqüências. Recebo, assim, com muito bom humor a sua recomendação e prometo tomar os meus remédios assim que chegar em casa!
7. "sob o risco de aflorar em você traumas passados que não trazem boas lembranças": Aqui, de novo, a pessoalização agressiva, baseada em fatos que você desconhece. Tenha mais calma, ou vai acabar escutando algum adulto criticá-la por ser "impulsiva e insensata, como costumam ser os adolescentes". Você não gostaria disso, mas teria dado motivo.
8. "Converse sobre isso com seu analista": Eu faço isso, não se preocupe. Ela é ótima.
9. "Quanto a sua filha, que pelo que observo sera severamente monitorada e vigiado pelo senhor": De novo, falando do que não sabe. Nem eu nem minha esposa sabemos como nossa filha será criada, porque esse é um aprendizado diário. Só queremos acertar e sabemos que erraremos muito, como todos os pais. "Monitorada e vigiada" talvez seja como você se sente. Não me atribua isso, por favor.
10. "de a ela um pouco de liberdade e possibilite que ela ache seus caminhos sozinha": É exatamente o que pretendo fazer, acreditando você ou não.
11. "Com respeito. mais sem admiração." Amei esta frase. E saiba que eu não apenas respeito, como admiro você.
No mais, eu lhe daria uma sugestão, para não ficar tão aborrecida com as críticas que, quanto aos emos, jamais acabarão: já pensou em não vestir a carapuça? Seria mais fácil. E você é bem mais do que o rótulo que se deu.
Mesmo antipatizando comigo agora, Glória, aceite o abraço virtual que lhe mando. Eu realmente gostei de você. E se achar que deve, volte ao blog. Vou gostar de debater com você, este e outros assuntos, neste alto nível que você proporciona.
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