Maria da Penha não é apenas o nome de uma vaquinha de pelúcia que mora dentro do meu carro. Também corresponde à Lei n. 11.340, de 7.8.2006, cujo nome oficial é "Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher". Trata-se de uma alusão a Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu incontáveis agressões de seu marido, até que em 1983 ele tentou matá-la duas vezes. Na primeira, um tiro deixou a vítima paraplégica. Na segunda, o meio empregado foi eletrocução. Na época, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade. E lutou muito pela condenação de seu agressor. Nada mais natural, portanto, que virasse um símbolo do combate a essa forma de violência, que em boa hora chega.
Ontem mesmo, em uma de minhas aulas de direito penal, eu comentava a respeito. Mais uma vez, o legislador brasileiro toma uma iniciativa louvável, porém vestida em normas altamente questionáveis. Por isso mesmo, os penalistas têm debatido muito a respeito e, como é óbvio, por enquanto há mais dúvidas do que certezas.
Gostaria de destacar o art. 41 dessa lei, segundo o qual o réu, se condenado, não poderá receber uma pena restritiva de direitos, independentemente do quantum de sua pena. Talvez seja o coroamento de um antigo anseio da Rede Globo, que em sua telenovela Mulheres apaixonadas mostrava uma personagem vítima do marido sádico. Em uma cena sempre lembrada, ela apanha de raquete de tênis. Mesmo assim, o discurso da novela era de que raramente um agressor é punido e, quando acontece, recebe uma pena alternativa e continua em liberdade, voltando a agredir sua companheira.
O discurso midiático, como sempre, estava errado e induzia as pessoas a aderir aos chamados movimentos de lei e ordem, caracterizados pela tosca e reducionista crença de que o mecanismo adequado para o combate à criminalidade à o endurecimento das leis penais. Eis alguns erros do discurso:
1. O Código Penal já estabelecia que as penas ditas alternativas não são aplicáveis aos crimes violentos.
2. Algumas penas restritivas de direitos têm efeito altamente pedagógico. Imagine um homem condenado a prestar serviços à comunidade por anos, numa instituição de defesa das mulheres. Ou o cara aprende e se emenda ou fracassa e acabará sofrendo os rigores que a lei já prevê, em caso de descumprimento da condenação.
3. É errado estabelecer vedações absolutas, pois isso viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade das penas. Toda pena tem que ser individualizada caso a caso. Há homens que não aprenderão a respeitar as mulheres nem que sejam torturados. E há outros que meterão o rabo entre as pernas com uma simples exposição de seu mau caratismo.
Mais uma vez, falha o legislador. Mas vende um instrumento que atende à aflição da sociedade. Logo, o grosso da população fica satisfeito. Mas as consequências disso o tempo dirá.
Em síntese, constitui erro elementar achar que pena boa é a pena excessiva.
Um comentário:
Se conseguíssemos ao menos aplicar o que já está estabelecido em nosso ordenamento jurídico, provavelmente teríamos por desnecessária a "indústria" de leis.
Temos uma das legislações mais completas do mundo, em contraponto a um dos maiores índices de impunidade.
Concordo plenamente que "constitui erro elementar achar que pena boa é a pena excessiva".
Será que é só para passar à sociedade a sensação de que agora está tudo resolvido?
Penso que seja a impunidade o maior mal do Brasil. Fazer leis e não dar a elas as respectivas medidas de aplicação é, efetivamente, criar a necessidade futura de uma nova lei para regulamentar o que já está regulamentado. Concorda, "teacher"?
Postar um comentário