Belém foi eleita, há algum tempo, a capital brasileira do barulho. Não é para menos, num lugar em que os motoristas buzinam como se isso fosse obrigatório sempre que o veículo estivesse em movimento, em que o espaço urbano é dominado por ambulantes e suas convocações aos berros dos consumidores, em que os evangélicos e seus cultos tonitruantes são tratados como instâncias de poder, etc.
Mas não falemos desses. Falemos apenas daqueles retardados mentais que gostam de virar suas imensas caixas de som para a rua e atravessar a madrugada ouvindo brega, axé, pagode e ritmos edificantes congêneres. Falemos também dos jovens retardados que transformam seus automóveis em usinas de som, estacionadas em points pela noite afora, bombando dance, trance, techno e outras virtuoses do gênero.
Belém possui um disque-silêncio, mas saiba que, ao ligar para lá, o cidadão insone só encontra... silêncio, pois ninguém atende e, ainda que atenda, ninguém jamais resolve nada. Se, por milagre, uma viatura policial for ao local, todos sabemos o que acontece: reduzem o volume do som e, assim que os policiais viram as costas, tudo volta a ser como dantes.
Minha sugestão: o art. 54 da Lei n. 9.605, de 1998 — Lei de Crimes Ambientais tipifica como crime a conduta de "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana", em que naturalmente se inclui a poluição sonora, prevendo penas de 1 a 4 anos de reclusão e multa. Até aqui nenhuma novidade, tanto que o Tribunal de Justiça do Estado fez instalar, recentemente, o primeiro Juizado Especial Criminal do país especializado em pequenos delitos ambientais, cuja pauta, como já era de se esperar, tem na poluição sonora sua cliente mais assídua.
Ocorre que o Código de Processo Penal permite expressamente que a autoridade policial proceda busca domiciliar para apreender "instrumentos utilizados na prática do crime" (art. 240, § 1º, "d"). Portanto, se o som está pelas alturas, temos um flagrante de crime ambiental. Ainda que o volume seja reduzido, a situação é de "logo após o crime", portanto subsiste o flagrante.
Para reaver seus pertences, o infrator precisaria requerer restituição de coisas apreendidas, ao delegado de polícia — sem maiores formalidades, porém com maior risco de indeferimento e de malvadezas no trato dos objetos —, ou diretamente ao juiz mas, nesse caso, precisaria de um advogado.
Em suma: se há poluição sonora, sugiro que a polícia apreenda o equipamento de som. A medida teria respaldo legal e resolveria o problema dos que não conseguem dormir. Isso vale inclusive para os automóveis, que deveriam ser apreendidos, e não apenas o equipamento de som, para evitar alegações de que danos foram causados na remoção.
Sei que a medida seria excitante para a corrupção crônica na polícia e que abusos poderiam ser cometidos, pelos nossos agentes pouco cordatos. Mas e daí? Os prejudicados seriam os safados, mesmo! Algo de concreto precisa ser feito e, na hora em que o marginal (não é assim que se chamam os criminosos renitentes?) tiverem aborrecimentos reais, perderem tempo e gastarem dinheiro para reaver seus bens, sem falar no medo de nunca mais os reaver, talvez comecem a refletir sobre o impacto que seus atos têm sobre as pessoas em volta.
Ou seja, ou te educas ou te ferras!
Acréscimo em 4.9.2011
Passados cinco anos, algumas medidas foram tomadas. Os templos evangélicos fazem menos barulho que antes e os retardados a que o texto se refere sofreram alguns reveses. Surgiu uma proibição de escutar música em alto volume e consumir bebidas alcoólicas nas lojas de conveniência dos postos de gasolina. Por causa dela, os babaquaras compram a bebida na loja e tomam do lado de fora, na porta, mas o volume do som diminuiu. Quase sempre.
Mudou alguma coisa, mas ainda estamos bem distantes da educação.
5 comentários:
Ano passado a Cervejaria Liverpool, na 14 de abril, teve muitos problemas com o som que incomodava a vizinhança. Também tinha um sério problema de baderneiros que ficavam na frente do estabelecimento, bebendo em seus carros, e fazendo confusões de vez em quando. Mas o que importa é o caso do som, mais especificamente o alto som dos sábados pela madrugada. A banda Beatles Forever (excenlente!) tocava todos os sábados a partir da 1:00h, e todos sabemos da febre beatlemaníaca que aqui em belém não é diferente, e os fãs lotavam as dependências internas e externas da Liverpool para curtirem Beatles até as 3:30h da madrugada. Mas o som era muito alto, e nem todos gostam de Beatles... moro num prédio bem próximo e do meu andar dava pra ouvir tudo. Era ótimo ficar em casa aos sábados de madrugada ao som de Beatles Forever lá em baixo, na Cervejaria Liverpool. Mas nem todos gostam, e o som era muito alto... tentaram tocar mais baixo, mas não é a mesma coisa... ainda mais se tratando de Beatles, música de alta qualidade, mas com o som baixo não combina, e com as frequentes confusões do lado de fora "o sonho acabou".
Certa vez escrevi um artigo que foi publicado no Diário sobre minha campanha solitária, "Movimento contra a zoeira", e recebi várias manifestações de apoio. Vou ver se ressuscito o tal e/ou reescrevo, se tiver tempo neste final de semana. Provas, sabe como é.
O problema é que eu formatei meu computador há alguns anos e perdi alguns arquivos. Ele era um deles. Sabe-se, escrever é coisa de momento; se não tiver a inspiração o bebê não nasce.
Em relação ao disque-silêncio, não passa de marketing da empulhação. Várias vezes eu tentei pedir ajuda ao malfadado serviço. Informavam que uma viatura já estava se dirigindo ao local e, como sempre, esperei... esperei..., enfim, estou esperando até agora. Já faz uns três anos. Acho que eles não vêm mais.
Fred, teu estilo de escrever me faz rir, o que é muito bom.
Deveras, acho que eles não vêm, mesmo...
Senhor Yúdice,
Gostaria de solicitar sua colaboração no sentido de fazer deste pequeno trecho um cartaz que se possa aficcionar nos locais de maior ocorrência de barulho causado pelos jovens moucos de hoje em dia, cujo problema é causado exatamente pelo ruído proveniente de suas caixas de som amplificadas.
No caso, redigindo a apresentação em uma meia carta, pediria que o senhor enviasse ao meu e-mail (thalesbruno@yahoo.com.br) tal documento para que eu gerasse um modelo que pudesse ser impresso. Algo como uma "campanha" contra os "desocupados" que insistem fazer dos ouvidos dos milhares de residentes de Belém um "penico", mostrando-lhes o que pode lhes acontecer e uma forma de municiar os donos dos estabelecimentos com a cópia da lei que permite o "sequestro" de bem que cause problemas ao cidadão belemense.
Isso pode até não resolver o problema, mas ajuda um bocado quando alguém se sentir prejudicado com o tal problema da "aparelhagem compacta" que ensurdece milhares a cada ano.
Que ensurdeçam os moleques. Mas não aos outros, que não tem nada a ver com o problema da poluição sonora que estes primeiros lhes causam.
Perdão, Bruno, mas não entendi o que exatamente você quer de mim. Quanto à autorização para reproduzir ou utilizar o texto, fique à vontade. Acho que os cidadãos devem mesmo realizar esse tipo de movimentação. Só assim temos uma chance de, um dia, os calhordas entenderem e se enquadrarem.
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