sexta-feira, 13 de junho de 2008

De novo, a simplificação da linguagem jurídica

Abaixo o juridiquês
Ministros defendem simplicidade na linguagem jurídica
por Lilian Matsuura


A comunidade jurídica precisa de uma transformação para garantir os direitos dos cidadãos com celeridade e eficiência. E um dos obstáculos é a clareza das peças produzidas pelos advogados. “Muitas vezes, eu não entendo o que eles estão pedindo. Se fosse possível, entraria com Embargos de Declaração”, brincou a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, ao falar da falta de objetividade dos profissionais da advocacia, pública e privada.
Cármen Lúcia participou, nesta quinta-feira (12/6), do 1º Congresso Brasileiro das Carreiras Jurídicas de Estado, promovido pela Advocacia-Geral da União, em Brasília. Ela falou sobre o acesso e a efetividade da Justiça.
A ministra, que gosta de contar “causos”, lembrou de um Mandado de Segurança com mais de 300 páginas que chegou para a sua relatoria no STF. O advogado argumentava que havia direito líquido e certo no pedido. “Quando o direito é líquido e certo não são necessárias tantas páginas”, explicou. O número de páginas de uma petição seria uma forma de justificar os honorários. “Quanto mais escrever passará a impressão de que trabalhou mais e que é mais competente”, disse.
A linguagem usada entre os membros da comunidade jurídica também foi apontada pela ministra como uma complicação no sistema Judiciário. E que se transforma em um obstáculo para que os cidadãos busquem os seus direitos na Justiça. “A pessoa pega dois ônibus para ir até o Fórum e quando chega lá não entende o que estão falando.” A ministra ressaltou que o cidadão comum não se sente à vontade para comparecer a um tribunal.
O presidente em exercício do Superior Tribunal de Justiça e Corregedor Nacional de Justiça, César Asfor Rocha, durante o debate, também se mostrou a favor de mais simplicidade. Ele contou que quando o princípio da segurança jurídica é mais importante que o da celeridade, passa-se a dar muita importância a detalhes e filigranas jurídicas. “Temos de nos livrar das amarras processuais para os processos andarem”, disse.
De acordo com o ministro, o grande problema da lentidão e da falta de eficiência da Justiça brasileira está no fato de que ela mesma não se conhece. Não é possível afirmar qual o número de processos que estão em tramitação e nem qualquer outro dado sobre o Judiciário. Para fazer a sua parte, Asfor Rocha, como Corregedor Nacional, está produzindo um banco de dados com estas inúmeras informações. Em breve, devem estar online, no site do CNJ.
Cultura brasileira
Cláudio Lembo, advogado e ex-governador de São Paulo, também participou do debate. Para dar efetividade ao Judiciário brasileiro, diz que é preciso que a legislação processual esteja integrada com o jeito de viver e pensar dos brasileiros. “Perdemos as raízes, porque procuramos modelos estrangeiros que não têm nada a ver com o nosso país. Os processualistas fizeram muito mal para o Brasil.”
Segundo ele, toda vez que o Código de Processo Civil sofre alterações, cria-se um novo obstáculo. “Quando as pessoas aprendem outras línguas, a legislação brasileira fica mais complicada”, disse, sorrindo. Lembo defende um processo inverso a esse. Extrair da própria sociedade brasileira uma legislação nativa mais simples, que reflita os seus costumes. Uma cultura brasileira de Direito, como definiu.
Nesse modelo, como Lembo entende, haveria um número menor de recursos possíveis e maior aplicação de multa por litigância por má-fé, quando o advogado merecer. “Os juízes têm de ter mais coragem para fazer isso.”
O advogado também criticou o linguajar usado pelos operadores do Direito. Disse que a comunidade deve acabar com a linguagem “barroca”, tanto falada quanto escrita, “senão ninguém vai nos entender”. Além disso, sugeriu que o Estado incentive os seus advogados a se especializarem em outras áreas do conhecimento.
“Psiquiatria, psicologia, administração”, para que eles estejam cada vez mais vinculados à realidade nacional. Segundo ele, não é mais preciso formar “o bacharel clássico”, que conhece muitos filósofos, que tem uma vasta biblioteca na área do Direito.
Revista Consultor Jurídico, 12 de junho de 2008

3 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Essa é uma das postagens mais pertinentes que já li em seu blog, meu amigo. Sou absolutamente adepto de uma linguagem mais acessível ao jurisdicionado.
Excelente!

Yúdice Andrade disse...

É um sonho acalentado por muitos, Fred. Mas ainda um sonho distante, graças a uma mentalidade tacanha, que insiste em sobreviver. As pessoas passam tanto tempo pensando em bobagem, que se esquecem de aplicar sua criatividade e tempo no que realmente interessa.

Anônimo disse...

Um aspecto importante a ser destacado é o fato que quando o juiz usa em seus textos, despachos, sentenças, uma linguagem simples, acessível, direta e sem rodeios, é tachado de ter pouco conhecimento, não ser um jurista, enfim, não conhecer do assunto.
Na briga de vaidades diárias no Judiciário, se acaba afastando do povo.
Muitos preferem agradar seus pares a seus jurisdicionados.