segunda-feira, 30 de junho de 2008

Nossa língua esquecida

Na esteira da postagem anterior, devo dizer, antes de mais nada, que certas angústias minhas não são abordadas aqui no blog para não dar a impressão de que estou fazendo críticas aos meus alunos. Não quero pessoalizar nada, pois isso não seria ético. Creio, contudo, que posso deixar este arbítrio, sem comprometer a ética e o respeito às minhas crianças.
Falo sobre a cada vez mais difícil relação do alunado com a Língua Portuguesa. O tema não é inédito nem sequer aqui no blog, que dirá nas escolas, na imprensa, em vários lugares. Num universo imenso de provas que corrigi em poucas semanas, levei vários sustos com a quantidade e a gravidade dos erros cometidos. Nem falo de pontuação e acentuação, que esses ninguém mais conhece, desde antes de o maldito internetês arrebentar de vez os esforços de nossas professoras primárias.
Falo de regência, concordância e, acima de tudo, ortografia. Aliás, tem coisa pior do que erros de ortografia: a incapacidade de construir uma frase completa, lógica e compreensível. As coisas que enfrentei no último mês foram de lascar, mormente considerando que sempre fui um cultor da idioma, até certo ponto um purista — que só recentemente começou a fazer certas concessões estilísticas, tais como "internetês", "de lascar" e as gírias, que volta e meia, aparecem por aqui. Confesso que são recursos divertidos e eficientes para comunicar, mormente na linguagem oral.
O estranhamento com a nossa língua-mãe não conhece classe social, idade, origem e nem sequer dedicação aos estudos. Parece que quase todo mundo está embolado numa mesma centrífuga de ideias dispersas, que mal se conectam. É isso que me deixa louco: não poder dizer "esta é a origem do problema; se a eliminarmos, tudo resolvido!"
Mas como posso eu, na universidade, mandar meus alunos estudarem Português? Como fazê-lo, se vieram de um cursinho que só tinha olhos para as besteiras utilitaristas dos vestibulares? E, ainda mais recuado no tempo, se os próprios professores se recusam a corrigir os erros das crianças, alegando — dentre outras pérolas — que não lecionam Língua Portuguesa ou (a mais antológica) que isso pode traumatizar o aluno!!!
Que as próximas gerações se preparem. De minha parte, a garotada terá que aprender Português. Devia haver uma lei nos permitindo não corrigir provas e trabalhos enquanto não estivessem redigidos condignamente. Já pensou? Todo mundo voltaria a estudar as gramáticas!
Não sei se isso faria o mundo melhor mas, sem a menor dúvida, faria o meu mundo melhor!

PS — Enquanto não achamos solução definitiva para o problema, continuemos com a velha e reconhecidamente eficaz fórmula: leitura, leitura e leitura. Sempre.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Cursinhos utilitaristas"

Não há adjetivo que caracterize mais precisamente a função desses projetos de instituição de ensino.

Quanto ao Português, confesso não ser brilhante e tampouco "culto" e apreciadores das regras gramaticais (só observar minhas 'postagens'). Entretanto, preocupa-me em ver pessoas, na 5ª Fase de um curso de Direito, não tendo a noção de distinguir "Mas" de "Mais", escrevendo "seje", não sabendo o que significa Silvícolas e tendo convicção de 'ourives' é um nome próprio.

Sem citar as frases desconexas e textos legais meramente repetidos e citados em trabalhos e exercícios, sem uma frase sequer que explique que "diabos" faz aquela transcrição legal lá.

Citando um fato que ocorreu numa prova da disciplina de Psicologia Jurídica, a qual concluí neste semestre: No momento da correção da prova várias pessoas tentaram, de maneira desesperada, "angariar" pontos de questões respondidas de forma incompleta, sob a jsutificativa de que a professora havia dito que as respostas deveriam ser objetivas. Eram alunos da 10ª fase do curso de Direito. Não souberam distinguir objetividade de números de linha. Lamentável.

Abraços Primo!!!

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice,
O problema é grave. Muito grave, aliás. Basta ver - e tu experimentas certamente isto todos os dias, na tua outra profissão - a quantidade de "operadores do direito" (ô expressãozinha feia...) que escrevem mal e quanto isto prejudica o bom andamento dos processos judiciais.
Pior é que, por uma questão utilitária, os juízes que recebem petições ininteligíveis deixam de indeferir iniciais em razão da instrumentalidade do processo. Tudo bem: já vai algum tempo desde que me desencantei da pretensa cientificidade do processo, considerando-o hoje, de fato, mero instrumento para a consecução de direitos subjetivos, mas há certas teratologias que por vezes surgem que são difíceis de deixar passar.
Talvez a solução seja agregar àquela campanha de simplificação da linguagem forense a de correção do português utilizado no fórum.
Enquanto isto, concordo contigo: obrigue estes meninos a ler, muito e de tudo.

Yúdice Andrade disse...

Há muitos adjetivos que podem ser relacionados aos cursinhos, Jean. No entanto, não consigo pensar em nenhum simpático.
No mais, para melhorar na linguagem, seje oral ou escrita, a consciência de nossas limitações já é o primeiro passo. Resta correr atrás do prejuízo.

Francisco, deixando um pouco de lado o meio acadêmico, no profissional as coisas são terríveis, também. Há pessoas que não dizem coisa com coisa. Você simplesmente não consegue alcançar a idéia do sujeito - se é que existe uma. Some-se a isso o copiar-colar que todo mundo usa hoje em dia, sem a cautela de corrigir as adaptações, às vezes o que compromete a compreensão é a referência a aspectos que não dizem respeito ao caso concreto.
Mesmo sendo um ardoroso defensor do conteúdo sobre a forma e detestando a mania de certos juízes, quanto a cavar expedientes para fugir da análise meritória das causas, entendo que o indeferimento de petições mal redigidas é um mal necessário. Se isso fosse praxe, os advogados sentiriam necessidade de não estagnar. Mas, para tanto, o juiz também precisa ser capaz de identificar o problema e superá-lo.