Na esteira da postagem anterior, devo dizer, antes de mais nada, que certas angústias minhas não são abordadas aqui no blog para não dar a impressão de que estou fazendo críticas aos meus alunos. Não quero pessoalizar nada, pois isso não seria ético. Creio, contudo, que posso deixar este arbítrio, sem comprometer a ética e o respeito às minhas crianças.
Falo sobre a cada vez mais difícil relação do alunado com a Língua Portuguesa. O tema não é inédito nem sequer aqui no blog, que dirá nas escolas, na imprensa, em vários lugares. Num universo imenso de provas que corrigi em poucas semanas, levei vários sustos com a quantidade e a gravidade dos erros cometidos. Nem falo de pontuação e acentuação, que esses ninguém mais conhece, desde antes de o maldito internetês arrebentar de vez os esforços de nossas professoras primárias.
Falo de regência, concordância e, acima de tudo, ortografia. Aliás, tem coisa pior do que erros de ortografia: a incapacidade de construir uma frase completa, lógica e compreensível. As coisas que enfrentei no último mês foram de lascar, mormente considerando que sempre fui um cultor da idioma, até certo ponto um purista — que só recentemente começou a fazer certas concessões estilísticas, tais como "internetês", "de lascar" e as gírias, que volta e meia, aparecem por aqui. Confesso que são recursos divertidos e eficientes para comunicar, mormente na linguagem oral.
O estranhamento com a nossa língua-mãe não conhece classe social, idade, origem e nem sequer dedicação aos estudos. Parece que quase todo mundo está embolado numa mesma centrífuga de ideias dispersas, que mal se conectam. É isso que me deixa louco: não poder dizer "esta é a origem do problema; se a eliminarmos, tudo resolvido!"
Mas como posso eu, na universidade, mandar meus alunos estudarem Português? Como fazê-lo, se vieram de um cursinho que só tinha olhos para as besteiras utilitaristas dos vestibulares? E, ainda mais recuado no tempo, se os próprios professores se recusam a corrigir os erros das crianças, alegando — dentre outras pérolas — que não lecionam Língua Portuguesa ou (a mais antológica) que isso pode traumatizar o aluno!!!
Que as próximas gerações se preparem. De minha parte, a garotada terá que aprender Português. Devia haver uma lei nos permitindo não corrigir provas e trabalhos enquanto não estivessem redigidos condignamente. Já pensou? Todo mundo voltaria a estudar as gramáticas!
Não sei se isso faria o mundo melhor mas, sem a menor dúvida, faria o meu mundo melhor!
PS — Enquanto não achamos solução definitiva para o problema, continuemos com a velha e reconhecidamente eficaz fórmula: leitura, leitura e leitura. Sempre.
3 comentários:
"Cursinhos utilitaristas"
Não há adjetivo que caracterize mais precisamente a função desses projetos de instituição de ensino.
Quanto ao Português, confesso não ser brilhante e tampouco "culto" e apreciadores das regras gramaticais (só observar minhas 'postagens'). Entretanto, preocupa-me em ver pessoas, na 5ª Fase de um curso de Direito, não tendo a noção de distinguir "Mas" de "Mais", escrevendo "seje", não sabendo o que significa Silvícolas e tendo convicção de 'ourives' é um nome próprio.
Sem citar as frases desconexas e textos legais meramente repetidos e citados em trabalhos e exercícios, sem uma frase sequer que explique que "diabos" faz aquela transcrição legal lá.
Citando um fato que ocorreu numa prova da disciplina de Psicologia Jurídica, a qual concluí neste semestre: No momento da correção da prova várias pessoas tentaram, de maneira desesperada, "angariar" pontos de questões respondidas de forma incompleta, sob a jsutificativa de que a professora havia dito que as respostas deveriam ser objetivas. Eram alunos da 10ª fase do curso de Direito. Não souberam distinguir objetividade de números de linha. Lamentável.
Abraços Primo!!!
Yúdice,
O problema é grave. Muito grave, aliás. Basta ver - e tu experimentas certamente isto todos os dias, na tua outra profissão - a quantidade de "operadores do direito" (ô expressãozinha feia...) que escrevem mal e quanto isto prejudica o bom andamento dos processos judiciais.
Pior é que, por uma questão utilitária, os juízes que recebem petições ininteligíveis deixam de indeferir iniciais em razão da instrumentalidade do processo. Tudo bem: já vai algum tempo desde que me desencantei da pretensa cientificidade do processo, considerando-o hoje, de fato, mero instrumento para a consecução de direitos subjetivos, mas há certas teratologias que por vezes surgem que são difíceis de deixar passar.
Talvez a solução seja agregar àquela campanha de simplificação da linguagem forense a de correção do português utilizado no fórum.
Enquanto isto, concordo contigo: obrigue estes meninos a ler, muito e de tudo.
Há muitos adjetivos que podem ser relacionados aos cursinhos, Jean. No entanto, não consigo pensar em nenhum simpático.
No mais, para melhorar na linguagem, seje oral ou escrita, a consciência de nossas limitações já é o primeiro passo. Resta correr atrás do prejuízo.
Francisco, deixando um pouco de lado o meio acadêmico, no profissional as coisas são terríveis, também. Há pessoas que não dizem coisa com coisa. Você simplesmente não consegue alcançar a idéia do sujeito - se é que existe uma. Some-se a isso o copiar-colar que todo mundo usa hoje em dia, sem a cautela de corrigir as adaptações, às vezes o que compromete a compreensão é a referência a aspectos que não dizem respeito ao caso concreto.
Mesmo sendo um ardoroso defensor do conteúdo sobre a forma e detestando a mania de certos juízes, quanto a cavar expedientes para fugir da análise meritória das causas, entendo que o indeferimento de petições mal redigidas é um mal necessário. Se isso fosse praxe, os advogados sentiriam necessidade de não estagnar. Mas, para tanto, o juiz também precisa ser capaz de identificar o problema e superá-lo.
Postar um comentário