segunda-feira, 23 de junho de 2008

Não pensar nos outros

Se tem uma característica que odeio nas pessoas, com todas as minhas forças, é a capacidade de não pensar nos outros. Basta um simples ignorar o entorno e grandes tragédias podem ocorrer. Não é dramaticidade minha: é realidade. Veja-se o caso:
Minha esposa tem uma tia pediatra neonatologista, Maria de Jesus Malheiros da Fonseca. Seguindo a sina dos médicos, tem mil empregos. Trabalha tanto que passa até dois dias sem ir em casa, sem ver os filhos. Uma batalhadora, sempre pronta a dar uma forcinha para a família. Sempre que nasce uma criança, lá está ela na sala de parto, aparando o bebê. Seria assim com nossa Júlia. Seria, não fosse um perueiro e um motorista de ônibus.
Há cinco dias, na BR-316, vinha ela num táxi com destino ao centro quando, aproximando-se do Castanheira, um perueiro saiu com sua Kombi daquele jeito típico deles: sai da frente, que estou passando, otário. Ao mudar de faixa, meteu-se na frente de um ônibus que vinha em alta velocidade, para pegar o sinal aberto. Surpreendido, o motorista do ônibus — segundo alegou depois o também irresponsável —, temendo "matar 15 pessoas", preferiu "matar uma só", ou seja, desviou da Kombi e se jogou em cima do táxi, destroçando-o. O motorista do veículo não se machucou, mas nossa tia, no assento traseiro, não teve a mesma sorte.
O lado bom é que ela não teve fraturas. O ruim é que sofreu danos neurológicos, devido ao efeito chicote. Os médicos pediram alguns dias para fazer uma avaliação mais segura quanto aos prognósticos de sua recuperação. Agora, está numa UTI, sem previsão de alta. Lúcida, mas com dificuldades de comunicação. Pensa nos filhos, de 12 e 7 anos, que amargam sua ausência e temem o futuro. E novamente seguindo a sina dos médicos, sem trabalhar, como sustentará a família?
E tudo isso poderia ter sido evitado se um miserável olhasse pelo retrovisor e outro dirigisse com menos velocidade. Atitudes mínimas, que fariam uma incomensurável diferença. É por isso que tenho tanto ódio de quem não pensa nos outros. Quanto a isso, sou implacável.
Aproveito para lembrar que a legislação de trânsito obriga o uso do cinto de segurança no banco traseiro, tanto quanto se usa nos assentos dianteiros. Todo mundo desrespeita essa regra, de caso pensado. Se a vítima estivesse de cinto, os danos talvez não fossem evitados, mas poderiam ter sido reduzidos, já que não estaria solta no habitáculo, sujeita a ser chacoalhada de todas as formas.
O fato é que se muitas pessoas ao nosso redor se recusam a pensar em nós, o melhor é que cuidemos de nós mesmos. Com muito cuidado. Podemos começar usando o cinto de segurança também no assento traseiro.

Acréscimo em 4.11.2011: Nossa tia, apesar das limitações que ainda sofria, acompanhou o parto de Júlia. Esteve lá, para nos dar esse apoio. E apesar de não poder pegar o bebê, como dizem os neonatologistas, acompanhou todo o processo. Graças a Deus, recuperou-se completamente e tem sido nossa parceira nos cuidados com a saúde de nossa filha.
Não me pergunte, contudo, sobre as consequências criminais do caso. Ignoro se houve alguma. Pelo visto, não.

6 comentários:

Ivan Daniel disse...

Não pensar nos outros. Esse é realmente um grande problema dos motoristas em Belém. Talvez o maior. Bem que podia haver um teste no Detran pra avaliar a capacidade de se importar com as pessoas.

Fábio Cavalcante disse...

É lamentável ver todos os dias atitudes insensatas dos motoras de ônibus, dos perueiros, dos motocilictas, dos ciclistas, dos pedestres... Tá na cara de todo mundo - a maioria não é multada, advertida, nada. É um salve-se quem puder.

Acho que vejo por dia quase uma dezena de situações perigosas no trânsito de Belém. E quase todo mundo que mora aqui e sai na rua deve ver também.

Tomara que sua tia recupere bem e logo a saúde, e que o responsável pelo acidente seja punido!

Comigo teve um taxista que ficou de cara amarrada quando eu recusei o serviço porque não tinha cinto no banco de trás. Vê se pode??!!

Anônimo disse...

Há certos acidentes que nem o cinto mais poderoso do mundo evita as conseqüências graves. Lembram do caso do Ayrton Senna?
Além disso, o chamado efeito "chicote", durante o choque, sempre pode ocorrer, com graves lesões na cabeça do passageiro, independentemente do uso do cinto.
Portanto, a culpa não está no cinto ou no passageiro, mas da VIOLÊNCIA e IRRESPONSABILIDADE desses motoristas de ônibus, verdadeiros assassinos que andam à solta nesse caótico trânsito de Belém.
Salve-se quem puder!!!...

Anônimo disse...

Pois é primo.

Lamentável que tenha ocorrido isto com a minha tia. Mais uma vez fruto da irresponsabilidade.

Lembremos que a pressa é um fator criado pela sociedade moderna e contemporânea, que exige, cada vez mais, celeridade a todo custo, sem preocupação com o perigo.

Não estou querendo justificar as atitudes irresponsáveis, até porque todos têm pressa e nem por isso andam a 120 Km.

Abraços

Carlos Barretto  disse...

Falta de ética, segundo conceituação de Humberto Eco.
"A ética é a conciência do outro". Ou reduzindo ainda mais: a ética é o outro.
Pensando em "outros", lembrar Sartre com o clássico "o inferno são os outros". Eu complementaria, "principalmente quando sem ética".
E sem o "outro"?

Yúdice Andrade disse...

Ivan, se existisse esse teste e ele fosse realmente aplicado, não teríamos motoristas, prestadores de diversos serviços, especialmente públicos e certos locais - escolas, universidades, hospitais, etc. - estariam sempre muito vazios.

Fábio, imagino que o dono do táxi deve ter te achado um babaca arrogante. Ele não tinha condições de alcançar o sentido do teu ato. Esse acaba sendo um dos maiores entraves quando alguém resolve fazer a coisa certa.

Evidentemente, anônimo, o cinto de segurança é um paliativo - mas sua eficiência é comprovada pelo menos até 60 Km/h, se não me engano. Contudo, realmente não vislumbro toda a relação entre o seu uso e o efeito chicote, só tendo mencionado este último porque me disseram ter sido a causa dos danos sofridos por nossa tia.
Independentemente de causalidade, porém, fica a reomendação pelo uso do cinto. Mal não faz e, a depender do caso, pode fazer toda a diferença.

Bar, esse deve ser o maior problema: simplesmente ignorar que existe um outro. Para muitos, esse outro só é visto quando representa algum interesse pessoal do observador. Uma lástima.