domingo, 1 de junho de 2008

Fazer teatro em Belém

O elenco de A comédia dos erros, após apresentações bem sucedidas, teve ontem um revés intransponível. A récita da noite acabou cancelada. Todavia, para entender a extensão do problema, é preciso ir além.
O Colégio Sophos — numa atitude louvável, que deveria ser imitada por outras instituições que se dizem interessadas na formação de seus alunos — comprou duas apresentações do espetáculo, com a intenção de apresentar Shakespeare ao corpo discente. As sessões seriam realizadas ontem, uma extra às 17 horas; a outra normal, das 20 horas. Todavia, a greve dos rodoviários a partir de terça-feira forçou o colégio a suspender suas aulas e, com isso, os ingressos não puderam ser distribuídos aos alunos. Resultado: na sexta-feira, eles cancelaram, o que levou a companhia a perder os R$ 1.400,00 objeto da negociação.
No sábado, vários amigos dos atores telefonaram dizendo que estavam a caminho do IAP, mas não conseguiam chegar porque a Marcha para Jesus, iniciativa conjunta de diversas agremiações evangélicas, estava tumultuando o trânsito. São essas coisas típicas de Belém do Pará: qualquer um faz o que bem entende na rua e tudo bem. (*)
Finalmente, a chuva, que começou um pouco depois das 8 da noite, levou a uma interrupção, inicialmente de 10 minutos. Logo ficou claro que seria inútil insistir e a récita foi enfim cancelada, causando uma enorme frustração na companhia.
Há pouco, perguntei a meu irmão o motivo de eles insistirem tanto em montar espetáculos concebidos para apresentações ao ar livre, se moramos em Belém. Fugir da chuva aqui é loucura. Sem meias palavras, ele me respondeu que, nesta cidade, não se conseguem espaços. Sugeriu que eu tentasse conseguir uma pauta no Gabriel Hermes ou na Estação Gasômetro. Quase nunca acontece nada lá, mas se alguém tenta o espaço, nunca dá certo, sempre está reservado, etc. Ou então cobram preços proibitivos. Argumentei que, de todo modo, eles estavam ocupando um espaço, a que me respondeu que, mesmo no IAP, eles usavam o anfiteatro mas, se tentassem a sala de dança, ela estaria indisponível.
Em suma, eles montam espetáculos ao ar livre para fugir da enorme dificuldade de se conseguir salas de apresentação. Por mais que eu não compreenda totalmente essa dinâmica, ele deve saber o que diz. Afinal, acompanho há anos sua luta em busca de patrocínio e de pautas. Sei que as portas estão invariavelmente fechadas.
Isso mostra que, ao contrário do que dizem os governos, não existe uma política cultural neste Estado. Já escrevi sobre isto antes e temos aqui mais um exemplo. Ao longo de 12 anos tucanos, o endeusado Paulo Chaves — endeusado como todo tucano — foi o Secretário de Cultura. Mas que cultura? No máximo, a de gabinete, que se faz nos níveis superiores, não aquela que possa chegar ao grande público. Para estes, restam apenas as festas de aparelhagens e afins.
Em âmbito municipal, o único apoio que o atual (des)governo deu aos artistas foi cobrar taxas para utilização das praças (caso quisessem apresentar nelas), mesmo sem oferecer qualquer infraestrutura e, sequer, o suporte da Guarda Municipal. Pague, mas dê seu jeito. Lembre-se que até o aclamado arrastão do Pavulagem foi ameaçado, por falta de apoio da prefeitura.
Aonde se pode chegar numa conjuntura dessas? Eu lhes digo: à obscuridade. A mesma obscuridade que é essencial para que gente sem nenhum valor continue se elegendo. Para esses, educação e cultura são instrumentos altamente perniciosos, porque quanto maiores estes, menos oportunidades eles teriam.

(*) Adendo: A mesma Marcha para Jesus parou na esquina da Presidente Vargas com Oswaldo Cruz, fazendo um barulho do cão. Consequência: interrompeu as atividades da União Espírita Paraense, localizada naquele perímetro. Aposto que foi de propósito. Afinal, não seria a primeira vez, nem a segunda. Iniciativas assim são boas e importantes, mas respeito à diversidade, sabe como é...

3 comentários:

Ivan Daniel disse...

Não foi a primeira nem a segunda vez também que eles passaram em frente ao Ophir Loyola sem respeitar a tranqüilidade e o silêncio necessários à boa recuperação física e psicológica de quem está sofrendo nos leitos desse hospital. É revoltante. Não entendo pra quê tanta algazarra pra manifestar 'fé'.

Yúdice Andrade disse...

Existe uma teoria, Ivan: a de que Deus seria surdo, mas pessoalmente não concordo com ela.

Fábio, meu caro, meu irmão realmente não estava num dia bom. Acontece.

Aos dois anônimos (presumo que sejam dois), sugiro deixar de consumir esse tipo de substância. Pode provocar efeitos como esse, de estar fora da realidade.

Fábio Cavalcante disse...

Aqui em Belém, o que é público é de ninguém. Varrer o lixo pra fora, Desnivelar a calçada, Jogar as coisas pela rua... é tudo da mesma laia do Fechar trânsito e Fazer barulho. "E não vem reclamar!" falam. "Eu tô na minha casa... Eu cheguei primeiro... A rua não é tua... Todo mundo faz assim...".
Belém é, pra mim, uma cidade falida.