quarta-feira, 4 de junho de 2008

E a outra se deu mal

Anos atrás, atuei como advogado numa causa trabalhista em que o ex-empregado falecera, estando a esposa no polo ativo da ação, em nome próprio e na condição de representante legal dos filhos menores do casal. Lá pelas tantas, eis que surge nos autos uma petição: uma outra mulher queria metade da indenização. Com efeito, o nosso finado constituinte deixara a mulher, sem no entanto divorciar-se (mania de brasileiro). Iniciou outra relação, que se tornou estável e também gerou filhos. Ao final, o crédito trabalhista foi dividido em duas partes iguais. Ainda me lembro da cara de nossa cliente, agastada com a presença da outra, no mesmo ambiente, e levando metade da módica indenização.
Nos últimos anos, fortificou-se na jurisprudência a tendência de dividir os direitos entre as famílias deixadas pelo de cujus. Mas o Supremo Tribunal Federal agora decidiu endurecer um pouco a questão: concubina não tem direito a participar dos haveres do falecido.
A decisão foi tomada ontem, no julgamento de um recurso extraordinário cujo objeto era a pensão por morte de um cidadão. O Tribunal de Justiça da Bahia determinara a divisão do pagamento entre a viúva e a mulher que fora concubina do falecido por 37 anos. Ambas tinham filhos com o finado: a primeira, 11; a segunda, 9. Não é a toa que o Valdemar era "do Amor Divino"...
Em seu voto, o relator, ministro Marco Aurélio afirmou que o § 3º do artigo 226 da Constituição "diz que a família é reconhecida como a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Segundo o ministro, o artigo 1.727 do Código Civil prevê que o concubinato é o tipo de relação entre homem e mulher impedidos de casar. Neste caso, entendeu o ministro, a união não pode ser considerada estável." Concordando com o voto, Ricardo Lewandowski "lembrou que a palavra concubinato — do latim, concubere — significa compartilhar o leito. Já união estável é 'compartilhar a vida', salientou o ministro."
Votando em sentido contrário, o ministro Carlos Britto entendeu que "ao proteger a família, a maternidade, a infância, a Constituição não faz distinção quanto a casais formais e os impedidos de casar" e que “à luz do Direito Constitucional brasileiro o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a-dois”.
O caso pode ser conferido com maiores detalhes aqui. Sem dúvida, demonstra como as discussões jurídicas podem ser muito ricas. E, convenhamos, trata-se de tema do maior interesse de todos. Afinal, ninguém sabe se um dia vai acabar na justiça, discutindo exatamente a mesma coisa.

5 comentários:

Anônimo disse...

Professor e os filhos? Como ficariam?

Yúdice Andrade disse...

Também me fiz essa pergunta, Marcela. Infelizmente, a notícia não menciona esse particular. Com efeito, uma coisa é a "outra" não ter direito, mas filho é filho e, desde que esteja reconhecido, tem direito ao pensionamento.
Imagino que todos esses filhos sejam maiores de idade e, por isso, não têm mais direito à pensão. Afinal, se o caso durou 37 anos, imagino que os nove filhos nasceram, sei lá, nos primeiros quinze anos da relação. Se assim for, já são maiores agora.

Frederico Guerreiro disse...

Perfeito: concubinato não é o mesmo que união estável.
Mas que o infeliz deveria ser ressucitado para levar uma bordoadas, ah, isso sim. Ah, patife safado.

Yúdice Andrade disse...

É a velha mania de "pensar" com a mais ativa, porém menos lúcida das cabeças, Fred...

Frederico Guerreiro disse...

rsssss...