Por um erro de digitação, uma mulher ficou quatro dias presa no interior de São Paulo acusada de um crime que não cometeu. Outro detalhe: o verdadeiro autor do crime, que está foragido, é um homem.
A sapateira Isabel Cristina Soares da Silva, 35, foi presa no dia 23 em sua casa, no Jardim Panorama, em Franca (a 400 km de SP), acusada de ter matado um homem em São Paulo.
Foi algemada na frente das filhas, de 10 e 14 anos, e levada para a Cadeia de Batatais (a 353 km de SP), onde ficou quatro dias numa cela com outras mulheres. Nesse tempo, não conseguiu comer nem dormir. Acabou solta às 21h30 do dia 26, depois de ação de seus advogados. "Minha vida acabou!", desabafou ela ontem.
Isabel diz ter descoberto que havia algo de errado com sua identidade há cerca de 40 dias, quando foi renovar sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação). "Me disseram para procurar um advogado."
Assustada, disse ter aceito a sugestão. "Cinco dias antes de eu ser presa descobri que se tratava de um pedido de prisão por homicídio em meu nome. O problema é que não deu tempo de resolver a situação."
Segundo seus advogados, o que a levou à cadeia foi um erro de digitação do número do RG do autor do crime, que é irmão da vítima e está foragido.
O delegado seccional de Franca, Maury Segui, admite ter havido um erro na expedição do mandado de prisão e informou que um inquérito para investigar o caso será aberto.
Quando insisto que devemos nos esforçar por manter a racionalidade do ordenamento e do sistema penal, muitos me criticam, porque estão na base de prender e arrebentar. É diante de notícias como esta que eu lembro a todos que as normas de garantia do cidadão não são feitas para proteger o criminoso, e sim para resguardar o inocente — não apenas o presumidamente inocente, mas sobretudo o verdadeiro inocente, como a d. Isabel.
Que tal ser algemada na frente das filhas, uma adolescente e uma criança? Que tal ficar preso por quatro dias, conhecendo a própria inocência? Que tal a exposição do caso na vizinhança e pelo país afora? Que tal o risco de sofrer uma violência no cárcere? Que tal a possibilidade sempre concreta de ser espancada para confessar?
Agora imagine tudo isso para, ao final, descobrir-se que uma mulher foi presa no lugar de um homem! Se o sistema é frágil o suficiente para que um absurdo desses ocorra, quantos erros mais não são cometidos diariamente, de mais difícil constatação?
Prudência, meus amigos, é uma regra que nunca nos fará mal. Há danos que não podem ser reparados. Quem ficar acima das sandices da imprensa e dos maus políticos, que manobram a opinião pública, há de reconhecer o valor desta recomendação.
E enquanto um inocente sofre, por onde andará o culpado?
5 comentários:
Fiquei pensando é no irresponsável que digitou o RG de forma incorreta... esse sim é um grande culpado na história.
Enquanto nosso Sistema Penal não for revisto de modo que garanta os Direitos dos cidadãos e não simplesmente os talhe, teremos inúmeros casos mais como este (aliás já assim o temos). O discurso-jurídico penal está carente de racionalidade, e se contradiz dia após dia, não conseguindo nem ser condizende com o que a lei preconiza, ou seja, não é nem passível de legitmidade e legalidade.
Olá primo, sugiro um livro, que podes inclusive passares aos teus alunos, como assim fez a Faculdade que estudo: Em Busca das Penas Perdidas do Raul Zaffaroni, um minimalista (talvez até abolicionista) do Direito Penal. Estou lendo e ele critica justamente esta falta de racionalidade no discurso-penal que colocas aqui e faz um raio-x do Direito penal na América Latina, um assunto bem interessante e atual.
Grande abraço!!!
Yúdice, será que a questão fundamental está na competência de quem pratica a ação e não no Direito Penal?
Tenho observado os teus posts. É recorrente essa carência nos profissionais da área.
Sou leiga no assunto. Mas, fica a minha indagação.
Bjs,
Cris Moreno
Ivan, o digitador é o culpado, sem dúvida, mas apenas porque foi ele quem errou. Porém, não podemos crucificá-lo, já que não sabemos em que condições o erro se deu. Tanto pode ter sido descaso quanto excesso de trabalho, correria ou um monte de outras coisas. O sistema é que não poderia ser tão suscetível a falhas. Basta um número errado e qualquer um de nós pode ser preso? Isso é inaceitável.
Jean, lúcida a análise. Zaffaroni é um de meus autores favoritos e uso suas obras com meus alunos.
Cris, este caso, segundo penso, não apresenta problemas do Direito Penal, mas estritamente do sistema, da infra-estrutura. E aí entram milhares de fatores, dos humanos aos tecnológicos, perpassando um ponto central que considero indesmentível: os condenados a penas privativas de liberdade ficam com seus direitos políticos suspensos. Logo, não votam. Logo, não interessam aos políticos que administram ou que parlamentam. Logo, quem dispõe dos meios para agir não se preocupa com eles, gerando uma insuficiência de investimentos e políticas públicas que conduzem à implosão do sistema, pressionado pelo excesso de pessoas que chegam a ele e pela gravidade dos assuntos em discussão.
Eis uma sucinta exposição de porque vamos tão mal. Naturalmente, esta é apenas uma abordagem dentre as diversas possíveis.
Esse é o Yúdice que conheço!!!
Bjs,
Cris Moreno
Postar um comentário