terça-feira, 4 de novembro de 2008

Pós-racial

Eu tinha 13 anos quando assisti ao excelente filme Mississippi em chamas (Mississippi burning, de Alan Parker, 1988), com os espetaculares Gene Hackman e Willen Dafoe. Parker sempre teve uma queda por temas políticos e sua competência lhe permitiu realizar grandes trabalhos. O filme era ambientado no ano de 1964 e retrata o trabalho de dois agentes do FBI, que investigam o desaparecimento de ativistas dos direitos civis (como eles gostam de chamar o que diríamos direitos humanos) dos negros. Inspirado em fatos reais, o filme começa mostrando um bebedouro. Um inocente bebedouro. Então a imagem abre e vemos outro, ao lado, sujo e gotejante. Acima do bom, a legenda "White". Acima do depauperado, "Black". Só essa abertura já me impressionou bastante.
Mississippi em chamas me apresentou à odiosa Ku Klux Klan, que eu julgava ser uma instituição una, mas que na verdade é o nome dado a três organizações que existiram nos Estados Unidos em momentos distintos, sofrendo solução de continuidade. Uniam-nas, contudo, o racismo extremo e o desejo de hegemonia da religião protestante. Seus métodos eram os mais violentos possíveis, envolvendo práticas de sequestro, tortura e assassinato de pessoas, em situações que poderia simplificar chamando de caça aos negros, como se animais fossem. Fez mais sucesso no sul do país, notadamente nos Estados do Texas e do Mississippi.
Embora decadente e desacreditada, a KKK ainda existe. Muita gente simpatiza com seus ideais, silenciosamente. Os americanos formam um povo terrivelmente racista, até hoje. Prova disso é sua população carcerária composta por negros, em sua maioria absoluta, mesmo nas épocas em que os brancos ainda predominavam no panorama demográfico do país. No corredor da morte, isso se torna ainda mais nítido. A conjuntura não é tão diferente da brasileira, p. ex.: a exclusão social leva ao crime e o Estado reprime setores adrede marginalizados.
Hoje, contudo, os Estados Unidos podem começar a virar o jogo e a resgatar o seu débito de séculos com os afrodescendentes. Barack Obama é apontado em todas as pesquisas como o candidato mais forte à Casa Branca. Se os prognósticos se confirmarem, um presidente americano negro não será mais ficção do cinema (Douglas Dilman, de O presidente negro [1972], vivido por James Earl Jones; Tom Beck, de Impacto profundo [1998], vivido por Morgan Freeman, e David Palmer, do seriado 24 horas, vivido por Dennis Haysbert de 2001 a 2006).
O melhor de tudo é que Obama simplesmente não adota a questão racial como bandeira. É chamado, por isso, de "candidato pós-racial". Considero isso muito sofisticado, porque seria um artifício fácil explorar essa particularidade, para fazer a política do coitadinho que deu certo, tão cara aos malandros brasileiros (vide os últimos dias da última campanha, aqui em Belém, quando um certo candidato decidiu explorar suas origens humildes e "descobriu" semelhanças entre ele e o presidente Lula, aquele dos 80% de popularidade). Obama não põe a cor em questão. É irrelevante se é negro ou não. É um cidadão americano privilegiado, que passou por Harvard e chegou ao Senado. Ponto. Admiro isso, porque no Brasil ainda temos que aguentar asneiras, como a supervalorização do fato de ser mulher e outras semelhantes.
Pessoalmente, acho que Obama ou McCain somente seriam bons para o Brasil acidentalmente. Se for bom para eles, em primeiro lugar. Mas ficaria muito feliz se essa eleição histórica limpasse o pó desse povo complicado e, ainda por cima, nos rendesse alguns proveitos.

Um comentário:

Antonio Carlos Monteiro disse...

Caro Yúdice,

O filme de Meirelles enfim chegou. E com uma promoção excelente: preços excepcionais. Vou conferir.

abs