O amigo Fred Guerreiro escreveu, em seu blog, uma postagem sobre assunto conhecido e recorrente: o ônus que os profissionais de qualquer área enfrentam, de sofrer pedidos de consultoria a qualquer tempo e em qualquer lugar, preferencialmente de grátis. São parentes mais ou menos distantes, conhecidos que subitamente viram amigos, vizinhos, namorados ou parentes de quaisquer integrantes das categorias anteriores, etc.
Eventos familiares são propícios para isso, mas qualquer lugar é lugar. Fila do cinema, restaurante, supermercado, passeio com o cachorro, lava-jato (naquele domingo de manhãzinha, quando você mal acordou e está irritadíssimo por ter que perder sono por causa do carro).
Nessas horas, driblar o cretino inconveniente e abusivo pode ser uma saia justa danada, principalmente se você quiser escapar à pecha de arrogante que, quando cola, não desgruda nunca mais. Para quem não se importa com isso, fica fácil: é só aceitar a má fama e usufruir do fato de que será deixado em paz.
Uma saída conciliatória é fingir que leva a coisa na esportiva. Certa vez, um sujeito encostou em mim num almoço em casa e iniciou a consulta. Mas me deu uma deixa: quando ele disse "O que eu faço num caso assim?", interrompi disparando: "Procure um advogado!" Comecei a rir, como se tivesse contado uma piada, e saí na boa. Fazer-se de leso pode ser uma alternativa interessante.
A verdade, contudo, é que sempre fui péssimo para escapar desses tipos. Houve um momento em minha vida em que eu tinha mais causas de caridade do que de clientes pagantes. Não caia nessa. Ninguém é mau caráter por cobrar por aquilo que, afinal de contas, é sua profissão, sua carreira, seu meio de subsistência. Quem não compreende isso é que está errado e merece censura.
Do contrário, correremos o risco de passar pelo que passou um conhecido, médico, abordado em um jantar de aniversário, enquanto comia, por um sujeito que, de olho numa prescrição gratuita, já ia abrindo a camisa para mostrar a sua micose!
Seguem, abaixo, algumas dicas que deixei para o Fred, hauridas de minha experiência pessoal. Erros que cometi, para que você não os cometa (principalmente se estiver começando):
1. Parta do pressuposto de que "é rapidinho", "só (mais) uma perguntinha", "uma duvidazinha boba", "só para eu saber se estou certo" e uma infinidade de expressões congêneres são artifícios que o calhorda usa deliberadamente para tomar o seu tempo. São um desrespeito, porque além de o sujeito achar que você tem a obrigação de atendê-lo, ainda subestima a sua inteligência e abusa de sua boa educação.
2. Não faça de sua casa um escritório (ou consultório). Assuma que precisa ter um local de trabalho distinto do seu ambiente doméstico. Isso é importante até para você mesmo, senão acaba sem perceber a diferença entre local de trabalho e casa. Perderá qualidade de vida.
3. Faça sua família entender que relações consanguíneas não lhe conferem, necessariamente, obrigações e em hipótese alguma lhe suprimem a privacidade. Mostre-se genuinamente surpreso ao ser procurado por algum tio ou primo obscuro.
4. Faça sua mãe entender a regra anterior e a proíba de servir de intermediária nesses contatos. Seja duro, se preciso, e não se comova com as lembranças de quando a tal tia lhe deu um patinho de presente vinte e muitos anos atrás.
5. Cuidado redobrado ao atender vizinhos. Se souberem que você sai de casa cedo, não se furtarão a bater na sua porta às 7 da manhã, para longas consultas, com documentos na mão. Sim, eles também ficam à espreita na hora do almoço e tarde da noite.
6. Não se furte a valorizar sua condição. Você não chegou onde está sem esforço e múltiplos investimentos, do emocional ao financeiro. Sem medo de parecer antipático, faça as pessoas compreenderem que, em certas horas, você tem o direito de não prestar consultoria alguma, independentemente de quem sejam.
7. Ao ser procurado por algum oportunista, mostre-se feliz com a "confiança manifestada" e, animadamente, forneça-lhe o número do telefone para o qual deve ligar, a fim de marcar sua consulta num horário que seja bom para ambos (solte esse tipo de expressão sem nenhuma emoção na voz, como se fosse a coisa mais natural do mundo).
8. Sempre que abordado, mencione, como se fosse algo de somenos, que a secretária informará sobre valores. Isso tirará de seu caminho os que tiverem menos cara de pau.
9. Se assumir a tarefa, deixe claro que você é um profissional, não um parente, amigo ou vizinho. Não aceite interferências e cobranças além do que a ética impõe, em relação a qualquer cliente. Existe confiança depositada numa contratação. Se não houver, sugira que procure outro profissional.
As regras acima podem ajudar, mas não resolvem. E como cada experiência é única, melhor ficar atento aos sinais de abuso. Boa sorte.
6 comentários:
Amigo, não lembro se já fui assim inconveniente, mas se já o fui peço publicamente perdão... um abraço, um beijo e um cheiro pra vc e aos seus (distribua como achar conveniente).
Que eu me lembre, irmão, nunca. No teu caso, contudo, posso contar com bom senso suficiente para escolher a hora adequada da consulta. Se precisares, posso te prestar consultoria, numa dessas tardes em que compartilhamos a nossa Coca Cola geladinha. Além do mais, tens muitos créditos na casa.
Grato pela manção, Yúdice.
Yúdice, nesta minha breve vida de advogado já fui testado por todos os tipos. Já perdi eventos e horas socorrendo os tais inconvenientes.
Também vez por outra sou dado à abrir mão de honorários quando percebo a impossibilidade de pagar, mas as experiências não tem sido das mais gratificantes.
No último dos casos, quando gratuitamente resolvi ajudar um necessitado que, como se diz, "me deu pena", em uma questão de guarda de menores, ganhei um dos maiores dissabores do ano, pois o tal sujeito ao qual fui solidário era um péssimo elemento: era homicida condenado, viciado em drogas, que batia na ex-mulher e era péssimo pai, não merecendo sequer ter direito de visita aos filhos, o que dirá à guarda!
O tal sujeito deve ter gostado de alguém ajudá-lo nesta vida, ainda mais de graça, e passou a me ligar quase diariamente, provavelmente sob efeito de drogas, narrando situações que não estavam acontecendo, para que eu fosse ajudá-lo.
Me livrar desse não foi fácil, mas a lição ficou.
Abraços
Pior qdo nem se é advogado ainda e tem q prestar consultoria gratis mesmo assim, rsrsrs
abraços
hellen
Então tira o melhor proveito possível da lição, Emmanoel. Porque, com certeza, vais precisar dessa presença de espírito muitas vezes. Boa sorte.
Isso também é comum, Hellen. Em alguns casos, começa logo depois do listão do vestibular, antes mesmo de assistir à primeira aula. Naturalmente, acontece com vítimas que estão cercadas de pessoas sem noção. Abraço.
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