quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Eu preferiria Kelsen

Carl Schmitt
O filósofo entre Fausto De Sanctis e Gilmar Mendes
por Daniel Roncaglia


O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, revelou que as divergências com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, ultrapassam o campo político e esbarram no filosófico. Em um evento que aconteceu na segunda-feira (10/11), no Rio de Janeiro, Sanctis levantou a platéia ao mostrar sua visão sobre o Direito Constitucional.
Segundo o juiz, “a Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado”.
“A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt”, completou De Sanctis, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, desta terça-feira (11/11).
Carl Schmitt é um filósofo alemão que viveu de 1888 a 1985. Tem na sua biografia uma obra jurídica notável e uma ficha de adesão ao nazismo a partir de 1933. Ele nunca se retratou de sua filiação ao partido de Adolf Hitler.
Uma de suas principais obras é o livro O Guardião da Constituição, publicado em 1929, que agitou o debate jurídico da Alemanha no começo dos anos 30. Em linhas gerais, ele questiona nessa obra o papel do Judiciário como guardião da Constituição. Para ele, somente o presidente do Reich poderia desempenhar essa função, pois o povo é quem o escolhe.
Para Schmitt, o presidente, alicerçado pelo artigo 48 da Constituição de Weimar, representa a unidade da autoridade política que traz consigo os anseios sociais do povo. Schmitt também entende que a revisão dos atos legislativos por um tribunal independente é uma afronta clara à soberania estatal.
Schmitt diz que a idéia de Constituição não se equipara a um simples conjunto de leis constitucionais. O filósofo afirma que a Constituição é a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência.
O livro de Schmitt foi ampliado em 1931. No mesmo ano, o filósofo austro-americano Hans Kelsen publicou uma reposta com o título Quem deve ser o guardião da Constituição?. Nela, Kelsen destaca a importância de um Tribunal Constitucional para uma democracia moderna. Foi inspirado em Kelsen que a Áustria escreveu a sua Constituição de 1920, que criava uma Corte Constitucional com o poder de fazer o controle concentrado de constitucionalidade.
“Como poderia o monarca, detentor de grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado, ser instância neutra em relação ao exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de sua constitucionalidade?”, questiona Kelsen.
A disputa intelectual dos dois chegou ao Tribunal do Estado no caso Prússia contra Reich. No dia 25 de outubro de 1932, a tese de Schmitt foi a vencedora e o tribunal negou-se o poder para definir os limites de atuação do presidente e do chanceler. Em janeiro de 1933, Adolf Hitler chegou ao cargo de chanceler sem cometer nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Estudioso do processo de controle concentrado de constitucionalidade e com doutorado na Alemanha, o ministro Gilmar Mendes já mostrou publicamente qual é a sua opinião nesse embate entre Kelsen e Schmitt.
Em 2006, ele assinou a apresentação da edição em português da obra mestra de Schmitt O Guardião da Constituição, que foi publicada pela editora Del Rey. Para o ministro, a história deu razão a Kelsen. Depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países democráticos adotou um sistema como o que defende Kelsen.
“A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de uma disputa entre dois dos mais notáveis juristas europeus do início do século XX, mostra-se relevante ainda hoje. O debate sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais, atores importantes e, às vezes, decisivos da vida institucional de inúmeros países na atualidade, obriga os estudiosos a contemplarem as considerações de Schmitt (e, inequivocamente, as reflexões de Kelsen) a propósito do tema”, afirma Gilmar Mendes, no texto.


Clicando aqui, você lê a apresentação que Mendes escreveu para O guardião da Constituição.
Para ninguém dizer que eu só critico o sujeito, entre Schmitt e Kelsen, eu escolheria este último. Embora o modelo positivista por ele criado seja uma das razões para o autismo crônico de que padece o Direito, graças a atuação em geral autocêntrica e arrogante dos juristas, sem dúvida que dá menos margem a regimes ditatoriais do que a proposta de Schmitt. Não sei se este produziu sua teoria com endereço certo mas, ainda que não o tenha feito, ela caiu como uma luva.
Já pensou se, num país como o Brasil de hoje, o controle de constitucionalidade estivesse a cargo do presidente da República (independentemente de Lula)? Seria como cuspir na cara do psicopata, dar-lhe uma arma e provocar: "me mata se tens coragem!"

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