Nunca mais se ouviu falar do projeto segundo o qual o governo do Estado do Pará, o Ministério da Aeronáutica e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária — INFRAERO acertariam a transferência do Aeroclube do Pará, aqui em Belém, para uma outra área, que teve três destinos cogitados, tendo a preferência um na ilha de Mosqueiro. A área liberada se transformaria numa extensão dos bairros da cidade, sendo uma parte destinada à construção de hoteis e restaurantes, que dariam suporte ao Hangar Feiras e Convenções da Amazônia, e outra disponibilizada à iniciativa privada para construção de unidades habitacionais, além da abertura de vias.
Não é de hoje que muita gente se queixa do fato de a maior parte do território de Belém pertencer às Forças Armadas. Além do sentimento incômodo de não sermos donos de nossa própria casa, há os inconvenientes quanto aos obstáculos para o crescimento (inclusive no sentido físico da palavra) da cidade, que perde em malha viária e em equipamentos urbanos, os quais não podem ser construídos, já que para todo lado temos um quartel disso ou unidade daquilo, ocupando grandes extensões.
Quem me conhece, nem que seja aqui pelo blog, sabe que não adoto o discurso desenvolvimentista. Sou da turma do meio ambiente, da qualidade de vida, da cidade para todos. Considero a indústria da construção civil irresponsável em relação aos efeitos climáticos de seus empreendimentos, movida estritamente pela obsessão do lucro máximo, ainda que com o sacrifício da maioria. Também acho que uma cidade não deve ser pensada para motoristas e automóveis, e sim para áreas verdes, pedestres e ciclistas, ainda que isso não mude o fato de que precisamos escoar o tráfego que não para de crescer. Face a isso, num primeiro momento, achei muito interessante a transferência do nosso aeroclube. Reconheço, contudo, que isso talvez se explique pelo meu gosto pessoal de ver mudanças impactantes no cenário da cidade, o que é raríssimo, além de uma boa dose de desinformação acerca do que é um aeroclube.
Oficialmente, um aeroclube é uma associação civil, com funcionamento autorizado e fiscalizado pela Agência Nacional de Aviação Civil — ANAC, que se destina ao ensino e à prática da aviação civil, além de atividades turísticas e esportivas, o que poderia levar os mais raivosos a considerá-lo um espaço para riquinhos e seus caprichos — um reducionismo estúpido, sem dúvida, já que a formação de pilotos representa uma atividade profissional que repercute sobre outras atividades econômicas. Além do mais, atividades turísticas e esportivas podem ser úteis e interessantes para a cidade.
Ocorre que um aeroclube também se destina normalmente a situações de emergência ou de grande interesse da coletividade, p. ex. transporte aéreo com finalidades médicas. Lembremos que o Pará tem dimensões gigantescas e um gigantesco déficit de qualidade na área de saúde, inclusive na rede particular. O mais rico dos fazendeiros teria que buscar atendimento longe, caso precisasse. Ainda que nossas estradas fossem perfeitas, o deslocamento por via rodoviária demoraria um tempo incompatível com casos de urgência. Por fim, à exceção do Hospital Porto Dias, nossos nosocômios não dispõem de helipontos. O aeroclube é, portanto, a melhor alternativa para pousos que, dali, poderiam chegar em pouco tempo, de ambulância, a um hospital. Se ele ficasse em local distante, seria ruim para pacientes graves.
Outra utilização rotineira do aeroclube diz respeito ao transporte de cargas e, especialmente, malotes de dinheiro para a rede bancária no interior. Imagine pousar com uma fortuna num lugar distante e ter que transportá-lo por estradas talvez estreitas e pouco movimentadas (e passando por trechos urbanos habitualmente congestionados). Não seria lá muito propício ao tipo de atividade.
Depois de me inteirar dessas questões, ponho-me em grande dúvida se a remoção do aeroclube, de onde se encontra, seria realmente uma boa ideia. Ainda mais porque a decisão não será tomada por critérios técnicos mas, acima de tudo, infelizmente, políticos. E quando a coisa chega a esse ponto, o interesse público é o que menos conta.
PS — O aeroclube de Belém funciona junto ao Aeroporto Júlio César, que foi criado em 1936, mas somente em 1976 foi aberto ao tráfego aéreo de uso público (não militar), quando então passou a ter utilização comercial. Informações da INFRAERO.
PS2 — Sobre os inconvenientes do aeroporto no lugar em que se encontra, leia aqui.
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