quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vida de professor

A Universidade Federal do Pará lançou edital de concurso público, para preenchimento de 26 cargos de professor, em cinco cursos da área de Saúde, incluindo Medicina, hoje sob intervenção do MEC devido ao baixo desempenho no ENADE.
Concentro-me, porém, na remuneração da categoria. O mais alto salário oferecido é de R$ 4.000,82. Entretanto, para chegar a isso, o professor deverá ter a titulação de doutor e jornada de 40 horas semanais. Menor titulação ou jornada de trabalho, a remuneração será significativamente menor.
Em bom português, professor ganha mal. Já foi pior, reconheço. Mas não se pode admitir que tantos anos de formação desemboquem numa carreira onde se trabalha demais, inclusive feriados e finais de semana (é quando você tem tempo de fazer planejamentos e corrigir trabalhos), para ganhar 4 mil reais, que serão vorazmente abocanhados pelo imposto de renda (além dos outros, claro). Faço questão de destacar o advérbio "só", porque apesar de ser um salário muito superior ao do brasileiro médio, nem por isso deixa de ser verdade que está abaixo da qualificação do profissional.
Faça as contas: para chegar a mestre, são no mínimo sete anos de educação superior (considerando uma graduação de quatro anos). Mas não se pode olvidar no cálculo os anos de ensino fundamental e médio. Se somarmos oito séries no ensino fundamental (atualmente são nove) e as três do ensino médio, teremos nada menos do que dezoito anos de estudos. Dezenove, para graduações de cinco anos. Vinte, para Medicina, abstraída a residência.
Tratando-se de um doutor, acrescente no mínimo mais dois anos, por baixo. De repente, vem-me à mente a advertência de Renato Russo: "Depois de 20 anos na escola / não é difícil aprender / todas as manhas do seu jogo sujo / não é assim que tem que ser".
Por todos esses anos de esforço, 4 mil reais. É pouco, não? É bem menos do que a remuneração em diversas outras funções públicas, particularmente nas jurídicas. Menos do que o subsídio de um vereador que, por sua vez, é a menor parte da bolada que o sujeito embolsa de verdade, já que a famigerada verba de gabinete é apenas um artifício para o sujeito botar a mão em mais grana — e sem incidência de imposto de renda!
Quando penso que Adriane Galisteu ganhava 500 mil reais por mês, no SBT, e Hebe Camargo, 800 mil; quando penso que Fausto Silva embolsa, salvo engano, 1,5 milhão; quando penso em quanto ganham jogadores de futebol... Fortunas para não fazer porra nenhuma (atenção, almas sensíveis: minha indignação não admite termos mais suaves, portanto respirem fundo e asserenem-se), só posso concluir que este é um mundo injusto para c...achorro.
Avante, professores do Brasil! Aproveitem, porque não é toda hora que as universidades federais abrem vagas, graças ao processo de desmantelamento do ensino superior público iniciado há vários anos e que, reconheço, foi sensivelmente reduzido nos últimos anos, estando contudo muito longe do que deveria. Do ideal eu nem falo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Formei-me na UFPA no fim da década de 80, fiz minha pós-graduação com recursos próprios.
Exerço o magistério desde 1991 e pedi demissão das faculdades particulares, com a ilusão de colaborar na construção de uma universidade pública, plural e democrática.
Sou professor da UFPA faz mais de 15 anos (nunca me afastei para exercer funções administrativas). Às vezes em que as exerci, não me afastei da sala de aula.
Pela minha vivência, confesso que pouco importa qual o grupo que estará na Reitoria, pois pouco se pode fazer na UFPA, o sistema não permite.
A UFPA é denominada por grupos, os que têm mais “prestígio” no momento levam mais benefícios, é sempre uma ponte para outros rumos, como a política partidária ou ser nomeado em escalões do governo estadual ou federal.
As salas de aulas estão sucateadas, não há espaço para o professor atender o aluno da graduação ou da pós, depois de quatro ou cinco horas de aula, sequer temos água ou café, temos que comprar água para refrescar a garganta.
A gente atende em pé mesmo ou fora da UFPA, pois a sala dos professores tem apenas uma mesa e seis cadeiras e vive cheia.
Projetor existe um, mas está quebrado, assim na UFPA ainda as aulas são ministradas como na idade média, pela garganta do professor e o quadro de anotações e olhe lá.
As portas não têm mais fechaduras e assim, abertas ficam.
As salas estão lotadas, com 50 ou 55 alunos, o professor tem que ficar berrando para tentar ser ouvido, pois do lado de fora é gente vendendo tudo o que for possível, alunos se reúnem e falam alto, cachorros ladram, gatos miam e até há passagem de motocicletas na passarela.
O quadro magnético está deteriorado e se o professor não comprar caneta pincel ou apagador, ficará sem condições de ministrar aulas, falta até papel para as provas e os alunos tiram uma folha do caderno e fazem o exame.
O banheiro está interditado, assim se tem esperar chegar em casa para fazer um xixi, pois não dá para se fazer na área aberta da UFPA, apesar de já ter visto alunos no local e fazendo suas necessidades urinárias.
Numa das salas que dou aula, o tampo da mesa está solto e quando se tenta escrever ele escorrega, além do que saiu totalmente o estofado dos braços da cadeira, estando exposto apenas o ferro, as janelas estão emperradas e o calor é insuportável, especialmente a tarde.
Não há como se distribuir textos aos alunos, deixamos o material no centro acadêmico e os alunos que tem dinheiro fazem a reprodução ou demais ficam sem o material ou se manda aos e-mails dos alunos que tem essa ferramenta.
Não há computador aos professores, acesso a internet, nem se fale, mesmo que o professor tenha um laptop, não tem como acessar nada, pois não há rede sem fio, Xerox, só pagando do próprio bolso.
A UFPA fornece ao mercado, profissionais nessas áreas, mas internamente está ainda como nos tempos da caverna.
Há constante falta de energia elétrica, de servidores e de material, e não há nenhum suporte ao professor, infra-estrutura, talvez quando houver um PAC-UFPA.
A noite é um terror, tudo muito escuro, sem qualquer segurança e especialmente as alunas imploram para que a aula termine mais cedo, diante do risco de assaltos e até estupro.
Os vencimentos, bem, isso a gente nem precisar falar, pois há uma séria distorção no serviço público, o salário é baixo, mas as funções comissionadas para cargos administrativos são elevadas, assim as atividades-meio são privilegiadas, as atividades-fim desprezadas.
Assim, quem é “apenas” professor a remuneração é aviltante, mas se conseguir junto a Reitoria ou no seu Centro um cargo de livre nomeação fica afastado da sala de aula e receberá muito bem por isso.
A burocracia é infernal, um requerimento para sair da Coordenação do Curso à Reitoria demora meses e se não se correr atrás, não há qualquer intimações dos atos do procedimento.
Não se acompanha nada pela internet, em quase todos os órgãos públicos o servidor sabe a tramitação do seu processo, na UFPA, é ainda tudo manuscrito, distante e nada transparente.
Porém, há uma compensação, quando você consegue daquele grupo de 50 alunos, passar e aprender com uns três ou quatro e ver no decorrer da vida que eles se destacaram e exercem funções relevantes na sociedade, contribuindo com o próximo e com a comunidade, se vê que o sacrifício valeu a pena.
Está é a razão para se ficar na UFPA, a possibilidade de se resgatar poucos, mas valiosos alunos desse mar de hipocrisia e alienação política e cultural.
Desculpe-me por não colocar meu nome, sou covarde mesmo, mas em mais de uma década na UFPA, sei que posso ter represálias, pois como disse Chico Buarque, vence na vida quem diz sim.
Ao se disser NÃO, provavelmente seria enforcado.

Yúdice Andrade disse...

Colega, seu desabafo ganhará a atenção que merece. Que tempos melhores venham e logo!