"Durante a instrução do processo, fiquei absolutamente convencido que o falecido manteve um relacionamento dúplice com a esposa com quem era legalmente casado e a autora. Mais ainda, fiquei também convencido que este relacionamento dúplice não só era de conhecimento das duas mulheres como também era consentido por ambas as mulheres, que se conheciam, se toleravam e permitiam que o extinto mantivesse duas famílias de forma simultânea, dividindo a sua atenção entre as duas entidades familiares.
(...) Não há qualquer resquício de dúvida de que a autora e a falecida esposa do extinto sabiam de suas existência e da duplicidade da relação que XXXXXXXXXXXXXXXXX mantinha com ambas.
O falecido XXXXX teve três filhos com a autora, seus filhos freqüentavam a fazenda em que o extinto vivia com a falecida esposa XXXXX. XXXXXXXXXXXXXX mantinha dois imóveis residenciais na cidade, um para moradia da autora e outro para morada de XXXXX, quando esta não estava na fazenda.
A autora e XXXXX tinham mútuo conhecimento de suas existências, se toleravam e permitiam que XXXXXXXXXXXXXXXXXXX dividisse seu tempo e sua atenção com as duas mulheres, mantendo com as mesmas um relacionamento duradouro e estável.
O que fazer o julgador diante de tal realidade?
Como se colocar diante do que se confunde como justo e injusto, como certo e errado, como o direito e o avesso?
Diante de uma situação fática em que devidamente comprovado que com a concordância de ambas as mulheres, o extinto manteve por vinte e nove anos uma relação dúplice, deve o julgador ater-se tão somente ao hermetismo dos textos legais e das disposições positivadas em nossos códigos de lei?
Aquela mulher que viveu com um homem, que não obstante fosse casado, por vinte e nove anos, não tem direito a nada?
É sabido que nossa legislação baseia-se no relacionamento monogâmico caracterizado pela comunhão de vidas, tanto no sentido material como imaterial. Da mesma forma é sabido que a relação paralela de uma mulher com homem legalmente casado e impedido de contrair novo casamento é classificado de concubinato impuro ou adulterino, sem gerar qualquer direito para efeito de proteção familiar fornecida pelo Estado.
(...) Segundo Maria Berenice Dias, "a doutrina ainda distingue modalidades de ligações livres, eventuais, transitórias e adulterinas, com o fim de afastar a identificação da união como estável e, assim, negar quaisquer direitos a seus protagonistas. São consideradas relações desprovidas de efeitos positivos na esfera jurídica. Os concubinos chamados de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, concubinagem e etc, são alvo do repúdio social. Nem por isso deixam de existir em larga escala. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são considerados pela Justiça só privilegia o bígamo. Situações de fato existem que justifica considerar que alguém possua duas famílias constituídas. São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar conseqüências jurídicas".( in Manual de Direito das Famílias, Livraria do Advogado, 2005, p.179)
Não se pode desconhecer a realidade do comportamento social no que diz respeito aos relacionamentos afetivos paralelos, que acabam por mitigar aquele deve legal de fidelidade previsto no inciso I, do artigo 1556 do Código Civil brasileiro.
Ainda segundo o ensinamento de Maria Berenice Dias, "negar a existência de uniões paralelas, quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis, é simplesmente não ver a realidade. A justiça não pode chancelar essas injustiças. Mas, é como vem se inclinando a doutrina. O concubinato adulterino importa, sim, para o Direito. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros, convivem, às vezes tem filhos, e há construção patrimonial em comum. Destratar mencionada relação, não lhe outorgando qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes".( in obra citada, p. 181)
É o que a psicologia atualmente denomina de poliamorismo.
Em excelente artigo publicado no site jurídico jus navigandi, o magistrado e professor Pablo Stolze Gagliano trata do direito da amante na teoria e na prática dos tribunais.
Conforme o eminente articulista, "o poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de co-existirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. Segundo a psicóloga NOELY MONTES MORAES, professora da PUC-SP, a etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante das espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo". ( in htpp://jus2.uol.com.br/doutrina )
Trechos da sentença por meio da qual o juiz Theodoro Naujorks Neto, da 4ª Vara de Família e Sucessões de Porto Velho, reconheceu a existência de direitos patrimoniais e sucessórios a duas mulheres distintas — a esposa e a amante —, que conviveram durante 29 anos com pleno conhecimento da situação. A questão não foi apenas o mérito da decisão, mas a sua fundamentação, que inclui a ideia, baseada em argumentos científicos, de que a monogamia é contrária à natureza. Que tal?
Sem entrar no mérito da decisão, parabenizo o juiz por perceber a importância de escapar ao autismo do Direito e fundamentar decisões, que envolvem fatos da vida humana, com argumentos humanos, hauridos em outras áreas do conhecimento.
Quanto ao mérito, aposto que a discussão vai render.
5 comentários:
Nada mais justo. Decidiu bem o juiz.
Feito!
Reconhecida a Bigamia! hehe
Falando sério agora, a monogamia foi outorgada, imposta pela "moral cristã", obviamente com cunhos patrimonialistas, cristalizando as relações afetivas e as simplifica tão-somente a um homem e uma mulher, mesmo vivendo numa sociedade na qual as redes sociais e afetivas são as mais complexas.
Há inúmeras sociedades, antropologicamente comprovadas que aceitam a poligamia e, inclusive relações incestuosas.
Ora, se tais pessoas mantinham vínculo afetivo-patrimoniais, não há porque não reconhecer tal relação. Entretanto o ranço do dogmatismo jurídico engessa o pensamento, numa tentativa, desesperada de manter a 'instituição família' inabalável, sem perceber que o epicentro é o modelo econômico vigente. Obviamente não seria possível reconhecer, afinal o modelo familiar de um macho e uma fêmea coaduna com a idéia de propriedade privada.
Logo, a proteção à família nada mais é que uma proteção ao modelo que está se ruíndo em crises criadas por ele mesmo.
Abrços primo!!!
PRONTO RESOLVIDO O PROBLEMA DAS TEUDAS MANTEUDAS , figuras sofredoras e exploradas pelos coroneis de nossos dias. Conheço um que tem uma matriz em Nazaré , uma filial na Cidade Nova e outra em Icoaraci. Todas mantidas com bastante zelo e conhecwedoras de seus deveres e direitos. Assim firmando-se a jurisprudência agasalhada no post, ficarão todas bem, atendidas no dia do falecimento do mecenas que na maioria das vezes tem o dobro da idade delas todas. 'IT SPRERATUR JUSTITIA".
ABRAÇO.
O JUSTICEIRO. (HERÓI DO SERTÃO)
Mas justo sob que perspectiva, Fred? O mérito da decisão ou a argumentação em que ele se baseou? Ou ambas?
A relação procede, sem dúvida, Jean. Infelizmente, a mentalidade ocidental cristã foi construída, desde sempre, sob premissas relacionadas à natureza. Assim, se as famílias devem ser necessariamente monogâmicas e entre um homem e uma mulher, isso não é interpretado como uma opção, mas como um dogma, porque quaisquer outras formas seriam antinaturais. Pena que a maioria das pessoas não tenha sequer condições de iniciar esse debate e, menos ainda, de suportar um modo de vida diferente do que escolheu para si.
Não afirmo, aqui, concordância ou desaprovação em relação ao tema, mas a necessidade de enfrentar todos os desafios que ele nos traz. Um abraço.
No sentido de que as duas têm direito à herança, pensão...
O fato de ser ele casado regularmente não o desobriga de suas responsabilidades com sua outra mulher, levando-se em conta que manteve relacionamento com animo de constituir e manter família. Pelo que sabemos, toda unidade familiar tem a proteção do estado brasileiro, jurídica e material, seja ela lícita ou não, ou seja, deve-se diferenciar os direitos matrimoniais dos da proteção à família. É o que eu penso.
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