quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Um desabafo docente

Antes das seis horas desta manhã, alguém deixou este comentário na postagem "Vida de professor", aí embaixo. Pelo seu conteúdo, merece ser destacada e conhecida.

Formei-me na UFPA no fim da década de 80, fiz minha pós-graduação com recursos próprios.
Exerço o magistério desde 1991 e pedi demissão das faculdades particulares, com a ilusão de colaborar na construção de uma universidade pública, plural e democrática.
Sou professor da UFPA faz mais de 15 anos (nunca me afastei para exercer funções administrativas). Às vezes em que as exerci, não me afastei da sala de aula.
Pela minha vivência, confesso que pouco importa qual o grupo que estará na Reitoria, pois pouco se pode fazer na UFPA, o sistema não permite.
A UFPA é denominada por grupos, os que têm mais “prestígio” no momento levam mais benefícios, é sempre uma ponte para outros rumos, como a política partidária ou ser nomeado em escalões do governo estadual ou federal.
As salas de aulas estão sucateadas, não há espaço para o professor atender o aluno da graduação ou da pós, depois de quatro ou cinco horas de aula, sequer temos água ou café, temos que comprar água para refrescar a garganta.
A gente atende em pé mesmo ou fora da UFPA, pois a sala dos professores tem apenas uma mesa e seis cadeiras e vive cheia.
Projetor existe um, mas está quebrado, assim na UFPA ainda as aulas são ministradas como na idade média, pela garganta do professor e o quadro de anotações e olhe lá.
As portas não têm mais fechaduras e assim, abertas ficam.
As salas estão lotadas, com 50 ou 55 alunos, o professor tem que ficar berrando para tentar ser ouvido, pois do lado de fora é gente vendendo tudo o que for possível, alunos se reúnem e falam alto, cachorros ladram, gatos miam e até há passagem de motocicletas na passarela.
O quadro magnético está deteriorado e se o professor não comprar caneta pincel ou apagador, ficará sem condições de ministrar aulas, falta até papel para as provas e os alunos tiram uma folha do caderno e fazem o exame.
O banheiro está interditado, assim se tem esperar chegar em casa para fazer um xixi, pois não dá para se fazer na área aberta da UFPA, apesar de já ter visto alunos no local e fazendo suas necessidades urinárias.
Numa das salas que dou aula, o tampo da mesa está solto e quando se tenta escrever ele escorrega, além do que saiu totalmente o estofado dos braços da cadeira, estando exposto apenas o ferro, as janelas estão emperradas e o calor é insuportável, especialmente a tarde.
Não há como se distribuir textos aos alunos, deixamos o material no centro acadêmico e os alunos que tem dinheiro fazem a reprodução ou demais ficam sem o material ou se manda aos e-mails dos alunos que tem essa ferramenta.
Não há computador aos professores, acesso a internet, nem se fale, mesmo que o professor tenha um laptop, não tem como acessar nada, pois não há rede sem fio, Xerox, só pagando do próprio bolso.
A UFPA fornece ao mercado, profissionais nessas áreas, mas internamente está ainda como nos tempos da caverna.
Há constante falta de energia elétrica, de servidores e de material, e não há nenhum suporte ao professor, infra-estrutura, talvez quando houver um PAC-UFPA. A noite é um terror, tudo muito escuro, sem qualquer segurança e especialmente as alunas imploram para que a aula termine mais cedo, diante do risco de assaltos e até estupro.
Os vencimentos, bem, isso a gente nem precisar falar, pois há uma séria distorção no serviço público, o salário é baixo, mas as funções comissionadas para cargos administrativos são elevadas, assim as atividades-meio são privilegiadas, as atividades-fim desprezadas.
Assim, quem é “apenas” professor a remuneração é aviltante, mas se conseguir junto a Reitoria ou no seu Centro um cargo de livre nomeação fica afastado da sala de aula e receberá muito bem por isso.
A burocracia é infernal, um requerimento para sair da Coordenação do Curso à Reitoria demora meses e se não se correr atrás, não há qualquer intimações dos atos do procedimento.
Não se acompanha nada pela internet, em quase todos os órgãos públicos o servidor sabe a tramitação do seu processo, na UFPA, é ainda tudo manuscrito, distante e nada transparente.
Porém, há uma compensação, quando você consegue daquele grupo de 50 alunos, passar e aprender com uns três ou quatro e ver no decorrer da vida que eles se destacaram e exercem funções relevantes na sociedade, contribuindo com o próximo e com a comunidade, se vê que o sacrifício valeu a pena.
Está é a razão para se ficar na UFPA, a possibilidade de se resgatar poucos, mas valiosos alunos desse mar de hipocrisia e alienação política e cultural.
Desculpe-me por não colocar meu nome, sou covarde mesmo, mas em mais de uma década na UFPA, sei que posso ter represálias, pois como disse Chico Buarque, vence na vida quem diz sim.
Ao se disser NÃO, provavelmente seria enforcado.


Não o considero covarde, colega. Compreendo que um protesto dessa envergadura tenha consequências, ainda mais em tempos eleitorais. Concentro-me no seu amor pela docência e na sua dedicação pelos alunos que forma. Isso faz a diferença e, decerto, explica em parte como a UFPA continua tendo elevados índices de sucesso (sempre em primeiro lugar no Exame da Ordem, para citar um exemplo da minha rotina).
Que tempos melhores venham para a nossa querida universidade e seus protagonistas.

6 comentários:

Luiza Montenegro Duarte disse...

Sem dúvida a dedicação dos professores e o nível de interesse dos alunos é o grande diferencial da UFPA. Sem isso, não haveria nenhuma outra explicação para nos sairmos melhor que os outros em exames de avaliação, como o da OAB.

Ressalto, porém, que esse sucesso nao se repete em todos os cursos, como o caso de Medicina e Publicidade, que tem notas 2 no ENADE.

Provavelmente os bons resultados em Direito se devem ao fato de eu não reconhecer essa universidade descrita acima, graças à Deus. Felizmente a nossa realidade é outra. Não em tudo, claro (a parte dos banheiros, da burocraria e da inexistência de acompanhamento online dos requerimentos, também ocorrem), mas nossas salas têm carteiras bem cuidadas, ar-condicionados e as portas fecham. Não lembro de faltar luz com frequência e nossos professores recebem pincéis e têm acesso à datashow (porém, apenas em Medicina Legal e D. Ambiental lembro de os professores terem demonstrado interesse em usá-lo).

Outra explicação para que o curso de Direito seja diferenciado é o fato notório de que o nível sócio-econômico dos alunos é maior do que os demais, então, a maioria não se queixa de ter que tirar xerox do material e acaba por comprar seus próprios livros.

Assim, a triste verdade é que não podemos medir a UFPA pelos bons resultados em Direito, seja na graduação (nota 4 no ENADE) ou na pós (Nota 5, pela CAPES), pois é um mundo completamente diferente dentro da universidade. E ainda assim, é ruim!

Val-André Mutran  disse...

Tem uma pedra no caminho.
No caminho tem uma pedra.

Precisa dizer algo mais?

Yúdice Andrade disse...

É verdade, Luiza. O cenário descrito pelo comentarista destoa até do que eu me lembro - e olha que me formei no começo de 1997. Em 2000, voltei como professor substituto. Nossa sala dos professores era maior e guarnecida com cadeiras e escaninhos. Tínhamos alguns retroprojetores. Os ventiladores funcionavam, embora nem todos. A refrigeração só chegou depois que parti.
Mas sempre soube que existem cursos discriminados em si mesmos, o que acabava repercutindo em suas instalações. Direito ficava com uma ilha de mais ou menos em meio ao caos. Não tenho condições de afirmar que o texto do anônimo não seja verdadeiro.
Espero que as melhorias físicas prossigam (inclusive com a remoção da favela logo em frente ao portão do campus profissional. E que a qualidade da educação siga o mesmo rumo.

Val-André, esse é um diagnóstico. O que temos mais a dizer pertine ao enfrentamento desses males.

Anônimo disse...

Polícia e Justiça

Edição de 06/11/2008 - Amzônia

Droga
A margem do rio Guamá, que banha a Universidade Federal do Pará, virou espaço livre para o uso de drogas. A maconha e a cocaína correm soltas. Felizmente, somente um pequeno percentual de alunos faz uso de entorpecentes naquele local. A segurança finge que não vê.

Burocracia
Um professor da UFPA, do curso de direito, requereu regime de 40 horas em janeiro, a fim de dedicar-se mais à universidade. Vai terminar o ano e a burocracia da instituição não soluciona a questão. Parece que a UFPA não tem carência de professores.

Anônimo disse...

Sou também professor da UFPA.
Na sexta-feira pela manhã, a aula começava as 07:30, cheguei as 07:20para pegar o material para a aula, mas a sala dos professores estava fechada.
Um detalhe, o material foi custeado por mim, pois não há máquina de fotocópia disponível aos professores, pois a que existe só se destina a parte administrativa.
Deixo no centro acadêmico, eles tiram fotocópia, colocam no meu escaninho e depois eu pago.
Pois bem, para não adiar a aula, começei sem o material.
O ar-condicionado da sala estava sem funcionar e o ventilador quebrado, assim tive que deixar a porta aberta para circular a ventilação (outro detalhe - 48 alunos).
Como não peguei meu material (o professor tem que comprar, pois nada é fornecido pela UFPA), não havia apagador e caneta-pincel para escrever no quadro, logo a aula foi apenas na base da garganta.
As 08:30 horas a sala dos professores foi aberta, peguei o material e distribui aos alunos, para a aula da semana que vem.
Terminei a minha aula, com a sensação que como se vai formar profissionais, quando não tem tem o mínimo?

Yúdice Andrade disse...

Essa história da droga, anônimo, foi transformada numa espécie de elemento cultural da UFPA, o que lamento, pois não deveríamos ser lenientes com esse tipo de prática, pelo bem de todos.
A segunda nota revela a antiqüíssima adoração pela burocracia. Há coisas que parecem não evoluir.
Contudo, observe quem publicou as notas. Lembre-se que há uma campanha permanente desse grupo jornalístico contra a UFPA, há anos.

Caro colega professor, compreendo sua aflição. Tive as mesmas angústias quando fui professor substituto na nossa querida UFPA. Faltava muita coisa e, a meu ver, principalmente boa vontade. Institucional, bem entendido. Eu me sentia sozinho lá. Sentia que faltava comando e que um setor não se comunicava com outro, o que me causou problemas bem particulares.
Externo minha solidariedade e permaneço na torcida por dias melhores.