sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O cliente da Lado A

Uma de minhas manias consiste em identificar os momentos em que a minha trajetória cruzou com as de outras pessoas. Ou então no que estariam fazendo, anos atrás, as pessoas que hoje convivem comigo. Esses pensamentos vêm e vão como querem, quase a minha revelia.
Não sei por quê, mas hoje acordei me lembrando da Lado A Discos, simpática loja que ficava ali no Golden Shopping, e não na Magalhães Barata, ao lado da antiga Casa do Governador e atual Parque da Residência, como insisto em confundir (esta era a Gramophone). Descobri não faz muito tempo que ela pertenceu ao Fred Guerreiro, o mesmo intimorato da blogosfera que está sempre por aqui. Durante algum tempo, foi minha loja de discos favorita. Lembro-me de sair de casa exclusivamente para comprar alguma coisa lá. E aí já temos uma curiosidade: eu e Fred morávamos a metros de distância, mas como eu poderia saber?
Foi na Lado A que meu irmão comprou a trilha sonora do filme Amadeus (Milos Forman, 1984), com músicas de Mozart, naturalmente. Foi minha introdução no mundo da música clássica, que até então desconhecia. A loja do Fred está, portanto, de algum modo relacionada a uma de minhas maiores paixões artísticas.
Estive no local umas tantas vezes. Tímido demais, raramente falava com o proprietário além de "bom dia", "com licença" ou "obrigado". Mas em algumas ocasiões conversei com ele, em geral pedindo informações. Em parte delas, era com o Fred que eu conversava.
Agora visualiza a cena, caríssimo Fred:

1985. Um sujeito encosta no balcão, te chama e aponta um fedelho magro de doer e tão sem graça que poderia ser definido como insignificante, que olha fascinado umas capas aqui, outras ali. Mas em geral não compra nada. O sujeito então te diz:
— Um dia, esse moleque vai ser teu professor numa faculdade de Direito.
Tu dás uma boa olhada no garoto e chegas à conclusão de que ele não teria capacidade de prender a atenção de ninguém por mais do que 30 segundos. Que dirá de uma turma inteira. Então, dando uma resposta evasiva ou brincalhona para contentar o doido que fala bobagens (e se livrar dele), até porque jamais pensaste em cursar Direito até aquele dia, voltas a tuas obrigações.


O tempo passa. 21 anos depois, lá estávamos.
Difícil explicar o que me diverte em gastar meu tempo pensando nesses encontros e desencontros. Mas realmente me diverte.
O que você estava fazendo, p. ex., no dia 7 de novembro de 1991?

3 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Yúdice, amigo, a Lado A discos ficava no Golden Shopping da Brás de Aguiar. A loja de discos da Magalhães Barata era a Gramophone, do Floriano.
Lá na loja não olhava os clientes querendo imaginar quem eles seriam algum dia. O que eu pensava era que me comprassem discos. Muitos. Queria ganhar dinheiro. Sequer me empolgava com a visita de pessoas famosas à loja (tenho ainda alguns discos autografados por artistas). O barato ali era ficar ouvindo música, saber das novidades das gravadoras primeiro que todo mundo. E ná época ainda se 'fazia' música que 'prestava'.
O ambiente era o mais agradável possível. Era por isso que as pessoas gostavam da loja. Até o clima era agradável.
O que me angustiava era o fato de um potencial comprador entrar na loja, pedir para ouvir um monte de discos e não levar nada. Isso acontecia muito. Nos tirava a atenção (minha e de meu irmão Fábio) de quem realmente queria comprar.
Tenho em casa um montão de fotos da loja, com pessoas famosas da terra. Assim que comprar um scanner - e não demorará muito - vou publicar algumas delas, com as histórias curiosas da época. Durante cinco anos eu fui muito feliz ali. No sexto ano, as coisas já não iam muito bem, em função da concorrência com as Lojas Americanas e outras lojas de departamento, as quais, pelo volume de compras, acabavam obtendo descontos substanciais, podendo, dessa forma, vender bem mais barato os discos de vendagem mais alta, que garantiam o giro de nosso capital.
A Lado A discos foi inaugurada no dia 07 de abril de 1988, e só me lembro que o primeiro disco que vendi parece-me que foi do New Order, grupo techno de sucesso da época.
Àquela época, sequer se passava pela minha cabeça fazer um curso de direito. Eu queria era ganhar dinheiro, pois já tinha família para sustentar. Só muito depois, quando vi que toda a vida de um comerciante é permeada de incertezas, tanto que acabei como pintor em uma oficina - isso me deu tanta raiva que voltei a estudar - resolvi que deveria investir em algo que não pudesse ser tirado de mim: o conhecimento.
No dia 7 de novembro de 1991, provavelmente eu estava trabalhando, já fazendo minhas compras de final de ano, preparando minhas embalagens para presente... No final do ano vendíamos muito. Disco era o que mais se dava de presente (acho que até hoje). Naquele ano, o 'compact disc' ainda era artigo de luxo e vendia bem menos que o vinil. Só em 1993 foi que as vendas de cd's começaram a deslanchar, mas já estávamos fechando as portas para ir para o shopping (banca Newstime, de nome e logo ainda hoje utilizados criados por mim e meu irmão).
Também gosto muito de Mozart, especialmente a tria sonora de Amadeus, e se foi você quem comprou essa trilha na loja, devo dizer que posso ter comentado algo com meu irmão, do tipo: "esse tem futuro pelo gosto".
Yúdice, aquilo ali foi uma dádiva em minha vida. Ajudou-me a absorver muita cultura. Era muito gostoso trabalhar com música.
Para mim é uma honra saber que um antigo 'molequinho' que comprava discos comigo foi e ainda é meu mestre. É gratificante vê-lo comentar sobre minha loja, naturalmente porque era um lugar agradável para ele, e que lhe traz boas recordações.
Obrigado, de coração, pela lembrança. Guarde um beijo no coração por isso.
Para sempre
Fred

Anônimo disse...

Eu? Comemorando o aniversário do meu papi, como hoje (graças a Deus)!

Yúdice Andrade disse...

É verdade, Fred. Costumo fazer essa confusão. Também visitei muitas vezes a Gramophone. Mas me lembro nitidamente da sacola com a logo da Lado A, em fonte TNR. Uma estilização de um disco tocando ficava em cima das letras minúsculas e acabava no "L" e no "A" maiúsculos.
Já sabia de tuas lembranças felizes em relação àquela época. Quis acrescentar as minhas. Abraços.

Juliana, querida, um feliz aniversário para o teu pai! Abraços.