sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A proliferação dos advogados

No enfrentamento da matéria, exclui-se o fato de ser a única profissão no país, em que o detentor do diploma de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, ou do diploma de Bacharel em Direito, para exercê-la, necessita se submeter a um exame, circunstância que, já de cara, bate no princípio da isonomia.
Mas, não fica só aí. A regulamentação da lei é tarefa privativa do Presidente da República, a teor do art. 84, inc. IV, da Constituição Federal, não podendo ser objeto de delegação, segundo se colhe do parágrafo único do referido art. 84. Se só o Presidente da República pode regulamentar a lei, não há como conceber possa a norma reservar tal regulamentação a provimento do Conselho Federal da OAB.
Saindo do campo constitucional, pairando apenas no da lei ordinária, ao exigir do bacharel em ciências jurídicas e sociais, ou, do bacharel em Direito, a aprovação em seu exame, para poder ser inscrito em seu quadro, e, evidentemente, poder exercer a profissão de advogado, a agravada está a proceder uma avaliação que não se situa dentro das finalidades que a Lei 8.906 lhe outorga.
No aspecto, o art. 44 reza: Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
Não está, portanto, entre as finalidades da agravada a de verificar se o bacharel em ciências jurídicas e sociais, que busca se inscrever em seus quadros, para poder exercer a profissão que o diploma superior lhe confere. A assertiva, neste sentido, encontra ressonância na doutrina que vem se formando em torno do chamado Exame de Ordem.
A propósito, de Carlos Valder do Nascimento e de Dinalva Melo do Nascimento, em Impropriedade do exame de ordem: Como se denota do art. 44, II, do Estatuto da Ordem, aduz que a ela compete promover com exclusividade a seleção dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. Se assim for, as avaliações a que se submeteram os estudantes durante a realização de seus cursos em Instituições de Ensino Superior não têm qualquer validade. Trata-se de esforço inútil, sem proveito, pois cabe à OAB e somente a ela dizer quem é ou não advogado, caso seja acolhido o dispositivo anacrônico transcrito acima.
Evidente que essa prática em primeiro lugar fere a Constituição, que assenta: "é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". O texto fala em qualificação e não em seleção, no que é complementado por outro: "A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será provida e incentiva com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o desenvolvimento da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Nessa linha, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação oferece os contornos do que seja qualificação profissional: "A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, ser preparado para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. É óbvio que essa qualificação resultado do aprendizado em cursos regulares e é certificado, na forma da lei, e em nome do Governo da República Federativa, pelo Reitor de cada Universidade.
Em decorrência disso, trata-se de situação inusitada, pois, de posse de um título, o bacharel em direito não pode exercer sua profissão. Não é mais estudante, nem estagiário, nem advogado. Ou melhor, pela ótica da OAB, não é nada. Então, conclui-se que as escolas formam profissionais do nada e somente ela [ou seja, a OAB] forma advogados. Ora, o que demonstra a qualificação é o diploma dado por instituição competente para tanto. Diz a LDB: "A educação superior tem por finalidade: formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para inserção em setores profissionais.... E adiante: "Os diplomas de cursos superiores, quando registrados terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.
De sorte que a OAB é incompetente para aferir se o bacharel tem ou não conhecimento para exercício da profissão. Trata-se de prerrogativa privativa das instituições de ensino, estas sim, responsáveis por essa tarefa indelegável. A proliferação de cursinhos preparatórios para tal exame é que tem contribuído para o insucesso do processo educacional. Ademais, o simples conhecimento de legislação exigido em provas mal elaboradas, privilegiando a capacidade de memorização de leis e de códigos, não autoriza a aferição do conhecimento (Fórum Administrativo, Direito Público, n. 107, janeiro 2010, Editora Fórum, Belo Horizonte, ps., 9 e 10.)
Ao verificar a capacidade dos bacharéis inscritos a agravada, em verdade, está invadindo área das instituições de ensino superior, além do que o exame, na regulamentação que lhe é dada pelo Conselho Federal, termina ferindo o inc. IV, do art. 84, da Constituição Federal, ao reservar, de forma privativa, para o Presidente da República a regulamentação da lei.Depois, não se pode perder de vista que a Lei 9.394 [de 20 de dezembro de 1996], ao estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional, dispensa tal avaliação, porque, segundo o art. 48, os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular. Isto é, o diploma, por si só, desde que emitidos por instituições universitárias, de cursos reconhecidos, só necessitam do registro no órgão oficial do Ministério da Educação, para ter validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.
A avaliação que a agravada pretende fazer, e faz, via do exame de Ordem, não se apresenta como devida, por representar uma usurpação de poder, que só é inerente a instituição de ensino superior, além do que se opera por um instrumento, traduzido no provimento do Conselho Federal da OAB, que, por não se cuidar de Presidência da República, não pode, em circunstância alguma, receber qualquer delegação neste sentido, visto que só a Presidência da República pode regulamentar, privativamente, a lei.
Neste sentido, o direito perseguido, de inscrição no quadro da OAB sem a necessidade de submissão ao exame de Ordem, apesar de parecer um absurdo, é algo perfeitamente notório, que se extrai do cotejo do inc. IV, do art. 8º, do Estatuto da OAB, com os dispositivos constitucionais citados e comentados, além das normas aninhadas na Lei 9.394.
Não é factível se curvar ao conteúdo do inc. IV, do art. 8º, da Lei 8.906, como se esta se situasse sozinha no mundo jurídico brasileiro, quando, em realidade, se cuida de norma que, para sua eficácia, necessita se ajustar ao comando maior, o que, no caso, ao exigir uma avaliação da cultura jurídico do bacharel, invade área que pertence, exclusivamente, a instituição de ensino. Por este entender, em caráter de substituição, defiro a liminar, para proclamar aos agravantes o direito de terem sua inscrição no quadro da OAB realizada sem a necessidade de se submeterem ao exame de Ordem.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral no RE 603.583-RS, em que se discute a constitucionalidade do exame de ordem, para o ingresso no quadro de advogados da OAB, conforme estabelecido pelo artigo 8º, § 1º, da Lei nº 8.906, e dos Provimentos 81/96 e 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e, em breve, haverá uma solução definitiva para a questão. Oficiar ao douto juízo de primeiro grau, para cumprimento. Intimar a agravada, para, querendo, juntar os documentos que considerar devidos, oferecendo as suas razões, no prazo de dez dias.
P. I. Recife (PE), 13 de dezembro de 2010.
Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho
Relator

Se a sexta-feira é boa para mim, ela amanheceu melhor ainda para uma legião de bachareis em Direito e concluintes que, de uma hora para a outra, viram-se autorizados a se inscrever nas seccionais da OAB de cada Estado, sem a necessidade de se submeter ao controverso exame de proficiência.
Mas como esta notícia interessa ao povo que tem medo do exame de Ordem, é preciso simplificar a linguagem. Vamos lá:
A decisão acima surte efeitos em todo o território nacional porque oriunda da Justiça Federal. Todavia, trata-se de uma decisão liminar. Foi deferida monocraticamente (monos, do grego, "um"), ou seja, o relator do processo decidiu sozinho. Não é uma decisão definitiva, porque o pedido terá que ser apreciado no mérito pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que decide por maioria. O relator do processo pode ser vencido. E que não seja, cabe recurso à instância superior. Não será o primeiro. Esta questão somente será decidida pelo Supremo Tribunal Federal, sabe Deus quando. Até lá, advogados borbulharão por toda parte.
Ophir Cavalcante, presidente da OAB nacional, jura que a posição do nosso sodalício se baseia na preocupação com a qualidade: "Para a Ordem, seria muito confortável não ter o Exame de Ordem, ela teria 2 milhões de advogados hoje; nós somos 720 mil advogados hoje. Mas a OAB não está preocupada com a quantidade seria até confortável se assim fosse, pois todas as instituições com um número grande de pessoas se torna mais forte. Mas, repito, ela não está preocupada com quantidade e sim com a qualidade de seus quadros."
Clique aqui para ler a manifestação do presidente da OAB.

2 comentários:

Jean Pablo disse...

Já cheguei a conclusão que Exame da Ordem serve para controle de mercado e, sobretudo para atstar a incompetências das instituições de ensino que "pipocam" Brasil a fora. É dever do MEC fiscalizar e exigir a qualidade do curso. No entanto, o que se nota é a mercantilização do ensino e as exigências cada vez mais "flexibilizadas" como curso á distâncias, aulas reduzidas, etc.

Se a preocupação do Sr. Ophir é com a qualidade dos advogados, que trate de exigir e auxiliar o MEC na fiscalização da qualidade do ensino, não permitindo a "venda parcelada em 05 anos" de diploma.

Yúdice Andrade disse...

Justiça seja feita, Jean: a OAB tem se esforçado por barrar a proliferação dos cursos jurídicos, desde a eclosão dessa insanidade, nos tempos de FHC. Mas nunca teve sucesso.
O OAB luta, p. ex., para que o parecer que ela obrigatoriamente tem que exarar a respeito de novos cursos seja vinculante, mas o MEC continua o recebendo como meramente opinativo. É uma briga de gigantes, com muitos interesses econômicos transitando em corredores de Brasília que lhes são altamente receptivos.