sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A última (?) grande polêmica

Nas últimas horas de seu segundo mandato como presidente da República, Lula se envolve em sua (talvez) última grande polêmica: negou a extradição a Cesare Battisti, ex-militante de esquerda italiano que, em seu país, está condenado à prisão perpétua, por homicídios consumados e tentados, em situação considerada como terrorismo.

Battisti, sorridente quando foi preso no Rio de Janeiro.
Estava tranquilo quanto ao desfecho do seu caso?
 Nenhuma novidade, contudo. Todo mundo já sabia que o resultado seria esse. Ele apenas foi postergado, por variados fatores, mas acabou acontecendo exatamente o que se sabia que aconteceria em 2007, quando começou o capítulo brasileiro de uma novela que já dura mais de quatro décadas. Em março daquele ano, Battisti foi preso no Rio de Janeiro. A prisão faz parte do rito do processo de extradição, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal. Entretanto, consoante doutrina predominante, ao STF compete apenas analisar o pedido de extradição quanto a sua legalidade. Se aquela corte se manifesta negativamente, então o pedido é ilegal e a extradição não pode ser concedida. Por outro lado, uma manifestação favorável não é vinculante, porque a decisão final é prerrogativa do chefe do Executivo. Autorizado pelo STF, o presidente da República pode conceder a extradição, se acar que deve, já que não está obrigado a isso. E enquanto o Judiciário analisa a legalidade, o Executivo se debruça sobre a conveniência, a oportunidade, os efeitos políticos, etc.
Não se trata de abuso, mas de competências que a Constituição confere ao Poder Executivo. Faz parte do jeito republicano de ser.
Alinhado com ideologias de esquerda, o governo Lula sempre se mostrou favorável à pretensão de Battisti em permanecer no país. Quase quatro anos depois, a especulação se confirma. Battisti pode permanecer no Brasil e, como não existe mais o processo de extradição, será um homem livre a qualquer momento. Enquanto isso, a Itália, indignada, convoca o seu embaixador "para consultas". Mas o jogo da soberania se joga assim, como bem lembrou Lula esta semana, em discurso no qual se referiu debochadamente à Itália. No dia em que acontecer o contrário, os italianos decidirão como eles quiserem e os brasileiros terão que aceitar.
E ele tem razão. Não à toa, o Direito Internacional é uma das searas mais melindrosas da ciência jurídica. E da prática política, então, nem se fala.

4 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Fundamentar decisões "jurídicas" (e do Executivo) com base em subjetivismo impregnado de ideologia (se é que existe fundamentação em subjetivismo para quem se propõe guiar pelo positivismo) é, muito mais que desprestigiar a orientação de nossa Corte Máxima, tripudiar da própria justiça, além de desrespeitar tratados de reciprocidade e sobrepujar a soberania alheia.
A questão é menos de Direito Internacional, e mais de Direito Penal. No mínimo, o Brasil (leia-se Lula) poderia ter condicionado a extradição a uma pena compatível com sua legislação, pois não temos aqui a pena perpétua. E entendo que não cabe ao presidente questionar decisões de tribunais extrangeiros sobre questões individuais de âmbito penal. O caso do terrorista assassino italiano em nada afetava as relações do Brasil com a comunidade internacional, mas agora ganhou protesto e destaque essencialmente negativo.
A impunidade agora ultrapassou nossas fronteiras. O Brasil passou a exportá-la.

Abraço

Yúdice Andrade disse...

Mas, Fred, é a própria Constituição que dá ao Poder Executivo a competência de decidir discricionariamente, de acordo com as diretrizes do governo vigente. E essas diretrizes, ao menos na teoria, são definidas quando o eleitor chancela, com seu voto, essa ou aquela proposta de governo.
Por conseguinte, o jogo democrático está respeitado, inclusive a soberania popular. Sem fazer juízos de valor sobre o caso específico, ainda me parece que o seu desenrolar e desfecho estão de acordo com o ordenamento jurídico.
No mais, não sou especialista em Internacional, mas o governo emitiu uma nota oficial jurando, pela fé da mucura, que a decisão respeita, sim, cláusulas do tratado de extradição. A conferir.

Frederico Guerreiro disse...

Lula nunca fez proposta de governo pregando a injustiça e o desrespeito às leis. Essa é a distorção do discurso petista, que fala uma coisa e faz outra.
E se essa tal democracia brasileira só de voto legitima a conduta de Lula em assuntos como o do assassino Battisti, como ficaria saber que esse mesmo povo manipulado por Lula decidiria pela extradição? Se até mesmo a lei às vezes é injusta, diga-se de decisões subjetivas impregnadas de ideologia? No popular, "é porque não foi ninguém próximo de nós que teve os intestinos dilacerados por uma bomba".
Terrorismo é crime em qualquer regime de governo, por atentar contra o bem mais valioso do ser humano, a vida. Governos devem ser combatidos com ideias, bloqueio econômico ou mobilizações tais como a greve e a desobediência civil ou o boicote. Mas nunca atentar contra a vida, da mesma forma que essa mesma esquerda que avaliza Battisti atentava contra a vida alheia colocando bomba em banca de jornal nos "anos de chumbo" no Brasil, o que nunca adiantava coisa nenhuma; gerava mais repressão, pergunte à "presidenta". O que venceu a ditadura no Brasil não foram atentados, nem nunca vencerão em lugar algum. O que venceu o amargo período foi a mobilização político-social (Diretas já!) e as forças de mercado impostas por uma nova ordem econômica alinhada aos interesses norte-americanos. Jamais bomba.
Se as sociedades estão desmosbilizadas pela mercantilização da política e perdendo sua unidade, isso é outra história. No meu ponto de vista, se o crime de Battisti foi político ou não não faz a menor diferença. O que vale são as vidas que ele ajudou a tirar e o sofrimento imposto aos entes de suas vítimas. O Tribunal do país dele decidiu assim. Portanto, quem teria por dever defender Battisti seriam os pares dele, não o meu e seu País.
Battisti não está sendo julgado no Brasil pelos crimes que cometeu. Ele não é nacional e os crimes foram cometidos em seu país de origem, cabendo àquele Estado decidir sua punição.
Nesse sentido, penso que a decisão não foi justa e marcou com impunidade a estada de um inútil em nosso país.

Yúdice Andrade disse...

Caríssimo Fred, infelizmente, não tenho como mudar o texto do comentário. Até onde sei, só posso aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se adiantar, posso testemunhar em teu favor.