Em maio de 1999, o então senador Álvaro Dias propôs projeto de lei (PLS 310/1999) aumentando de 30 para 60 anos o tempo máximo de prisão que um condenado pode cumprir no Brasil. Em sua justificativa, o parlamentar argumentou que a limitação imposta pelo art. 75 do Código Penal gerava situações desproporcionais "quando há condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos". Há, em seu entendimento, "completa impunidade" em relação ao tempo que sobeja, porque o Estado "abdica de seu direito de continuar a punir".
O senador invocava o "princípio da igualdade para tratamento dos condenados e o direito da segurança para a sociedade, a fim de que haja uma nítida distinção do cumprimento da pena entre os que, em maior ou menor grau, cometeram delitos".
O projeto tramita conjuntamente com outras quatro proposições: uma também de 1999, prevendo um aumento para 50 anos (senador Luiz Estêvão); uma de 2002, do finado Romeu Tuma, mantendo em 30 o máximo da pena para cada delito, mas permitindo que a execução corresponda ao somatório de todas as penas aplicadas; e a última, de 2004, do senador Demóstenes Torres, aumentando o teto para 40 anos.
Os projetos estão sob a relatoria daquela figura adorável que atende pelo nome de Kátia Abreu. O parecer da dita cuja afirma o seguinte (transcrevo porque quem trabalha é a assessoria):
O direito penal é matéria de competência privativa da União e sujeita à plena disposição pelo Poder Legislativo, conforme os arts. 22, I, e 48, caput, da Constituição Federal, nos limites materiais constitucionais.
O relatório do Senador Pedro Simon já havia trazido dados importantes para a discussão do tema. Importante recuperá-los. Segundo dados da Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980-2050, Revisão 2004, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do brasileiro é hoje, em média, de 70,4 anos. De acordo com o mesmo estudo, a vida média do brasileiro em 1940 era de 45,5 anos. Ou seja, no ano em que entrou em vigor o Código Penal (CP), a expectativa de vida do brasileiro era aproximadamente 25 anos inferior à atual.
A Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP, no item 61, estabelece que a limitação da pena é necessária para alimentar no condenado a "esperança da liberdade". Assim, a proporção entre expectativa de vida e limite da pena é um dado relevante, que confronta a norma abstrata com a realidade concreta e, assim, legitima uma atualização do limite previsto há quase 70 anos, o que os projetos sob exame buscam fazer.
Importante ainda chamar a atenção para o fato de que a criminalidade se tornou mais complexa e mais organizada nas últimas décadas. Os agentes criminosos, com poucas ações, têm cometido variados crimes previstos em lei. Não se pode negar que a sociedade brasileira testemunha, com a explosão da violência, que o limite abstrato de 30 anos tem-se revelado flagrantemente desproporcional às repetidas somas de anos, no acúmulo de crimes, a que muitos criminosos são condenados.
Após analisar cada projeto, a relatora pondera que, atualizando a pena máxima com base na atual expectativa de vida do brasileiro, o montante deveria ficar em torno de 55 anos. Por isso, ela propõe a aprovação da matéria, porém com alterações. Daí que ela propõe um substitutivo, que daria ao art. 75 do Código Penal a seguinte redação:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a cinquenta anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a cinquenta anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, no limite de cinquenta anos, desprezando-se, para esse fim, o período da pena já cumprido.
§ 3º Se, no início do cumprimento da pena, o agente tiver mais de cinquenta anos de idade, a pena aplicada não poderá ser superior a trinta anos.
§ 4º O restante da pena a ser cumprida, após a idade de setenta anos, poderá ser reduzido até um terço.
§ 5º Se o agente for condenado após a idade de setenta anos, a pena poderá ser reduzida até dois terços.
§ 6º O disposto neste artigo não se aplica à concessão de outros benefícios penais. (NR)
Nesta quarta-feira, 15 de dezembro, a Comissão de Constituição e Justiça analisará o parecer da relatora, em caráter terminativo. Não tenho visto notícias sobre o assunto na imprensa comum, mas é óbvio que a medida conta com ampla aceitação social. E só não conta mais porque muita gente decerto a consideraria branda demais.
No próximo semestre, terei turmas de Direito Penal II, momento em que estudamos as penas privativas de liberdade, inclusive um pouco sobre execução. Será que as aulas serão elaboradas sobre uma lei nova?
PS — Reformar o código como um todo, o que seria bom, nada.
2 comentários:
Levar em conta somente a expectativa de vida como critério de atualização de limite de pena é temeroso.
Creio que um aumento de pena implicaria no soterramento do caráter "(re)socializador" da pena. Afinal, a tecnologia informacional evolui de tal maneira que, quem fica longe, 10 anos, possui enorme defasagem, muito mais que os 10 anos da época da promulgação do atual CP.
Sem contar que este aumento somente gera uma falsa impressão de punidade. É uma resposta tão somente à sociedade ansiosa por sangue e espetáculos de punição.
Sinceramente, para mim esse aumento não há nenhuma justificativa válida.
Abraços
De outra vez que escrevi sobre o tema, Jean, tu me respondeste com uma instigação que mexeu muito comigo. Disseste que o tempo, hoje, é vivido de maneira muito diferente do que no passado. Assim, embora as pessoas vivam mais, o que elas perdem em um ano de prisão é bem mais do que perderiam 10, 20 anos atrás.
Pena que eu não tenha conhecimentos filosóficos suficientes para enfrentar uma questão tão profunda. Mas hei de me esforçar e levar o caso à apreciação de meus alunos de Penal II, no próximo semestre. Quem sabe não tiremos umas boas reflexões?
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