terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Vaselina

Como paciente eventual e como pai, fiquei muito impressionado com o caso da menina de 12 anos que morreu num hospital de São Paulo, até onde se sabe pela aplicação de 50 mililitros de vaselina líquida em sua veia, em lugar de soro. Um quadro de vômito e diarreia teve um desfecho inesperado e trágico.
De repente me peguei recordando o seriado ER (no Brasil, Plantão médico), um dos meus favoritos, que vi até a 11ª temporada. De vez em quando, acontecia alguma intercorrência no atendimento e a equipe se reunia para decidir sobre que explicação seria dada aos familiares. Omissões convenientes e até mesmo alguma deturpação dos fatos eram empregadas, como forma de excluir qualquer responsabilidade profissional. Em casos mais sérios, médicos se reuniam com a equipe jurídica do hospital para construir uma argumentação convincente, capaz de prevenir um processo. Afinal, a indústria das indenizações nos Estados Unidos é muito bem sucedida. Havia casos em que a recomendação era se antecipar pagando uma indenização, a fim de evitar um litígio que, no mínimo, comprometeria a imagem do hospital. E, por fim, havia os casos grandes demais para esconder.
Fico me perguntando quantos acidentes acontecem diariamente nos atendimentos médicos, dos quais não temos a menor noção. Quantos, talvez, nós mesmos tenhamos sofrido. Mas casos como o da menina Stephanie não têm como ser minimizados.
Ontem à tarde, os familiares da criança estavam em um desses programas sensacionalistas de TV. Não se pode recriminá-los. São pessoas humildes, que certamente teriam grandes dificuldades para contratar um advogado que possa patrociná-los. A exposição do caso é um modo de conseguir a atenção das autoridades, que muitas vezes só se mexem por causa da opinião pública. E sabe lá se não prometeram a essas pessoas algum tipo de assistência?
Decerto que todos lamentamos profundamente o ocorrido, que nos aflige também por nos colocar diante dos riscos que todos corremos, às vezes realizando os mais simples procedimentos. É por isso que, da porta para a dentro do consultório ou hospital, presto atenção em tudo, pergunto e deixo claro que sou um leigo, mas não um tapado. Pelo visto, é como precisa ser.

6 comentários:

Ana Miranda disse...

Realmente, é muito difícil entender um erro crasso desse.
Quanto aos programas sensacionalistas, eu acho de extremo mal gosto o que eles fazem, expor os familiares, no auge de sua dor, da maneira como fazem.
Eu parei de ver esse tipo de reportagem no dia em que uma criança morreu engasgada em uma creche, depois de a colocarem para dormir após a mamadeira.
O repórter tive a cara de pau de levar a mãe da criança à porta da creche, que estava funcionando, e a mãe ficava gritando, esmurrando a porta, (no seu direito, na sua dor), mas achei muito injusto o repórter fazer isso, e ele foi o caminho todo incitando a coitada da mãe da criança.
É claro que os pais, no auge de sua dor, vão xingar, vão chorar, vão querer bater no primeiro que, eles julgarem culpados, que aparecer na sua frente...
E você está coberto de razão, Yúdice, como pais e como eventuais usuários, isso tem mesmo que nos preocupar...

Jean Pablo disse...

Credito os "erros médicos" à alguns fatores: a deficiência numérica da equipe, não só de médicos, mas de enfermeiros, mesmo em hospital particulares e a falta de vocação dos profissionais resultado de uma supervalorização da profissão que confere um status de superioridade. Aliás, isso é muito comum também na nossa área.

Cada vez menos há pessoas vocacionadas.

Yúdice Andrade disse...

Essa situação nos demonstra, Ana, que nem sequer a dor das pessoas é respeitada. Tudo vira pretexto para audiência e grana. Lastimável.

Verdade, Jean. Embora o mais das vezes não pensemos nisso, a verdade é que as pessoas migram para a nossa área atrás da profusão de concursos públicos e, para a Medicina, em busca de um tal de status.

Anônimo disse...

Yúdice, um certo dia me acidentei de bicicleta. Fui atropelado por uma moto. Enfim, machuquei muito os braços principalmente.

Quando cheguei no hospital para fazer um curativo, a enfermeira veio segurando uma tripa de mico e uma injeção, dizendo pra estender o braço que ela iria me aplicar um “remedinho”.

Arregalei os olhos e falei: “Moça, me desculpe, mas vim até aqui apenas para fazer um curativo. Pelo que sei, curativos não envolvem agulhas ou injeções.” Quando falei isso, mostrando o braço ensanguentado, ela caiu na real e então pediu desculpas.

Pode uma coisa dessas? Vai saber o que aquela louca tinha naquele recipiente equipado com uma agulha…

Alexandre

Yúdice Andrade disse...

Felizmente não tentaram amputar tua perna, Alexandre! Consta que naquele famoso quadro de Rembrandt, "Lição de anatomia", a perna operada é a errada. Mas pelo menos se podia dizer que em 1632 dava para desculpar o cirurgião...

Anônimo disse...

Quando tive de fazer uma cirurgia onde não se podia errar o lado, fiz um círculo com um canetão onde era para operar, para não correr esse risco, hahaha.

Foi bom, porque quando o cirurgião chegou eu já estava em outro mundo, capotado com a anestesia.

Alexandre