segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Enterrado vivo

É curioso como escutei várias pessoas dizendo que nem lhes passava pela cabeça ver o filme Enterrado vivo. Pela exiguidade e tensão dos comentários, deduzo por minha conta e risco que a rejeição nada tinha a ver como filme em si, mas com uma aversão pessoal a um dos maiores medos da humanidade: a de ficar na condição descrita no filme em apreço. E isso mostra como monstros, demônios e alienígenas podem até esguichar muito sangue na tela, mas o que realmente gela a alma do público são os medos reais, aquelas situações que podem de fato acontecer com qualquer um de nós.
Eu mesmo, que tenho lá a minha dose de claustrofobia, já dentro da sala de projeção, cheguei a me perguntar se suportaria até o final uma história que não tem absolutamente nenhuma cena passada fora do caixão que encerra o protagonista. Aliás, tem uma, mas num cativeiro, o que não adianta de nada. Mas eu levei numa boa.

Deus me li-vre e guar-de...
 Cheguei para ver Enterrado vivo (Buried, dir. Rodrigo Cortés, Espanha, 2010) sem saber nada sobre a obra e, logo de cara, tive uma agradável surpresa: não é uma produção americana! Trata-se de uma produção espanhola, o que nos poupa de decisões baseadas acima de tudo pelo desejo de tornar o resultado economicamente rentável, mesmo que comprometendo o valor artístico. Em suma, a proposta não está ali para agradar e vender ingressos, mas para quem aceita o desafio. Pense nisso na hora de decidir se vai ao cinema. É possível que veja coisa bem diferente do que espera. E se comportar como uns bostas que estavam na mesma sessão que eu é uma vergonha que você não merece passar.
Antes de Enterrado vivo, Cortés (um jovem de apenas 37 anos) só dirigira seis curtametragens, entre 1998 e 2010, o que faz dele um estreante de grande quilate. Trabalhou mais como autor (11 títulos), mas é interessante como passou por diversas áreas de uma produção cinematográfica (confira o currículo no IMDb), o que me leva a concluir que o rapaz realmente se preparou para trabalhar no cinema. Tem um grande futuro pela frente, se não se perder.
Quanto ao filme em si, temos a estória de Paul Conroy (Ryan Reynolds), um motorista de caminhão trabalhando para os americanos no Iraque, que acaba vítima de uma emboscada e de um sequestro. É como ele vai parar no caixão, com um celular, uma faca, uma garrafinha de bebida, um frasco de calmantes, um isqueiro (que não apaga!!!), uma lanterna e dois iluminadores químicos. Os sequestradores são iraquianos enfurecidos com o fato de os americanos terem destruído seu mundo, mas que desejam apenas dinheiro e não defender bandeiras ideológicas. O resultado é tenso e, salvo pela sequência da cobra (uma concessão aos sustinhos hollywoodianos), espetacular.
Vendo o filme, não pude deixar de relacionar o drama paroxístico de Conroy a nossa condição de brasileiros, subjugados por péssimos serviços públicos ou mesmo privados, caso das empresas prestadoras de serviços de telefonia, Internet e energia elétrica. Quando o enterrado liga pedindo socorro e diz que está embaixo da terra, a atendente pergunta se ele pode informar a localização do caixão! Surreal? Antes fosse. Lembre-se deste caso aqui, sobre o qual escrevi no blog. E se não me falha a memória, o Fernando Sampaio (do Domisteco, Fernandel) relatou o caso de um conhecido dele, aqui em Belém, que sofreu um sequestro-relâmpago e, preso no portamalas de seu automóvel, ligou do celular para o 190 e a atendente lhe exigiu que informasse onde estava.
Em outra passagem, Conroy tenta o socorro do Departamento de Estado e narra que o comboio do qual participava fora atacado por iraquianos e todos os demais motoristas haviam sido assassinados. O que lhe pergunta o sujeito? "Por que não atiraram em você?" Não sei por quê, mas achei tudo isso tão Brasil...
Mas impagável mesmo é a sequência da conversa entre Conroy e Alan Davenport, diretor de pessoal da empresa para a qual o enterrado trabalha. Não adianta explicar: você tem que ver. E por "impagável" não entenda "engraçado", não. É capitalismo no sentido mais puro da palavra.
Enfim, o filme está mais do que recomendado. Só me ficou uma grande tristeza. Já escrevi em mais de uma ocasião, aqui no blog, como Belém perdeu a opção dos filmes de arte. Mas eu me pergunto se realmente nós podemos criticar os exibidores. Com esse público que temos por aqui, eu até lhes dou alguma razão. Blockbusters nessa canalha já é muito...

3 comentários:

Luiz Bentes disse...

Uma vez fiquei preso em um elevador que desceu ao fosso pelo excesso de peso. Confesso que a partir dai não me sinto condortável ao entrar em um. Quando vejo situações em que pessoas são soterradas e acabam passando dias até serem resgatadas, fico me imaginando se conseguiria suportar tal fardo. Muito interessante o texto e a dica de filme também. Você tem razão quando coloca que os nossos medos reais superam em muito os ficcionais, acho até que buscamos esses últimos pra fugir do mundo extremamente temerário em que vivemos.

Yúdice Andrade disse...

Sempre tive medo de ficar preso em elevador, Luiz, mas quando aconteceu foi muito rápido e simples. Foi em julho último, no elevador do prédio de tios da minha esposa. Éramos seis na cabina, todos da família, e o travamento também se deu por excesso de peso. Mas o tio sabe resolver de tudo e nos colocou para fora.
Para minha sorte, sempre morei em casa e nunca trabalhei em edifícios altos.

caio disse...

Hehe. Lembrei-me de um email que recebi há algum tempo, desmistificando as origens de algumas tradições, dentre as quais o velório, os longos vestidos aristocráticos da Idade Moderna, os abanadores..

O velório estaria relacionado com o temor do enterro vivo. Não lembro bem, mas uma reação química do vinho mal tratado e do recipiente mal higienizado fazia com que as pessoas desmaiassem. Os familiares então passavam alguns dias em vigília, para ver se o sujeito não despertava.

Pelo mesmo motivo, alguns caixões na Inglaterra, lá pelo século XIX (acho) passaram a contar com uma pequena abertura para uma corda que puxava um sino posto na terra. Alguém ficava alguns dias velando o túmulo para ver se o sino não era puxado, depois de vários casos em que que, para reocupar os cemitérios, desentarraram alguns cadáveres e viram que seus caixões continham arranhões do lado de dentro, ou com os corpos virados de bruços depois de terem sido enterrados de barriga para cima.

Do resgate de alguns por causa desse sino, surgiu a expressão "saved by te bell" -> em português, o nosso "salvo pelo gongo".