Comentando a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) e manteve a permissão de um homem, condenado em regime semiaberto, a trabalhar em uma cidade diferente da comarca do juízo de execução.
Condenado a sete anos e três meses de reclusão em regime semiaberto pela prática de roubo e furto qualificado, o homem deveria cumprir a pena em Espumoso. No entanto, ele havia conseguido emprego na cidade de Colorado, distante 33 quilômetros. Em primeira instância, foi concedida prisão albergue domiciliar, autorizando-o a se recolher à prisão apenas nos finais de semana. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
No STJ, o MP gaúcho sustentou que a concessão de prisão domiciliar está fora das hipóteses legais expressamente estabelecidas no artigo 117 da Lei de Execução Penal. O fato de o emprego ser em cidade distante da comarca do juízo da execução não pode prevalecer, segundo o MP/RS, como impedimento ao regular cumprimento da pena privativa de liberdade, caso contrário o Estado seria obrigado a transferir qualquer preso que consiga uma oportunidade de trabalho em comarca distante de onde cumpre pena, afrontando a Lei de Execução Penal.
O relator, desembargador convocado Adilson Vieira Macabu, afirmou que a Lei n. 7.210, que instituiu a Lei de Execução Penal, determina que o trabalho é não só um dever, como um direito do apenado, garantido igualmente pela Constituição. “O apenado também é um sujeito de direitos e a função social da pena é a sua ressocialização, não o seu banimento nefasto do convívio em sociedade”, completou.
Para Adilson Macabu, a decisão de conceder a prisão domiciliar não implicou ofensa à lei federal nem divergiu da jurisprudência do STJ, que tem entendido ser possível a permissão do cumprimento da pena em regime domiciliar, em casos excepcionais, que diferem do elencado no artigo 117 da Lei de Execução Penal, caso do processo em questão.
O desembargador convocado ressaltou ainda que, “em razão da peculiaridade do caso, visando à ressocialização do condenado e levando em consideração suas condições pessoais, é possível enquadrá-lo como exceção das hipóteses discriminadas no dispositivo legal tido como violado”. A decisão foi unânime.
Estou prestes a iniciar, com meus alunos de Direito Penal II, o estudo das penas. Uma das questões que discutiremos, e começaremos com um debate na próxima terça-feira, é justamente o mítico caráter ressocializador da pena criminal. Já conversamos a respeito aqui no blog e, claro, o assunto sempre voltará, já que é uma questão nevrálgica para minha área de atuação.
O julgado acima desvela a realidade. Que ressocializar o quê! A pena existe, mesmo, para impor sofrimento e reduzir as já parcas oportunidades de mobilidade social do indivíduo que delinquiu. Afinal, o que é mais importante: punir o infrator ou assegurar-lhe condições dignas de vida, pressuposto para que dele possamos exigir uma conduta conforme ao Direito?
Observe-se que o condenado vem cumprindo a sua pena regularmente e fez o que dele se espera: arrumou um emprego. Por circunstâncias do momento, esse emprego surgiu numa cidade distante e o Ministério Público não concorda que o Judiciário, por meio da prisão domiciliar, crie as condições para que o apenado possa exercer seu emprego, preferindo, decerto, o encarceramento ocioso e criminógeno, sabidamente um dos maiores fatores de reincidência. O argumento é tosco: se abrirmos esse precedente, teremos que estendê-lo a todo preso que consiga emprego em lugar distante.
Tosco porque conseguir emprego não é fácil, ainda mais para quem cumpre pena. Segundo, porque o deferimento do pedido leva em conta, também, as condições operacionais do sistema penitenciário. Se um segundo caso surgir, pode ser que o juiz o indefira, por não vislumbrar condições de prosseguimento da pena, no caso concreto.
O que não se admite é a irresignação pura e simples contra a pretensão do apenado, com base num exercício de futurologia.
Outrossim, como felizmente percebeu o Judiciário, nas três instâncias, o trabalho é um direito constitucional do apenado e se fundamenta no princípio da dignidade humana. Por isso, prevalece sobre as tecnicalidades da lei, tais como as quatro hipóteses de prisão domiciliar previstas no art. 117 da LEP* e sobre questões menores, ligadas às carências habituais do sistema, que não foram provocadas pelo condenado. Cuida-se de resgatar a dignidade não apenas do indivíduo, mas de sua família também.
Se o preso que mantém boa conduta e arranja um emprego não merece atenção especial, quem merecerá? Parabéns ao Judiciário gaúcho e ao STJ por colocar a finalidade sobre a forma, reconhecendo a necessidade de encontrar soluções inteligentes e flexíveis para a sempre problemática execução penal.
* Condenado maior de 70 anos ou acometido de doença grave, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental e condenada gestante.
2 comentários:
Bah, guri. Sempre o Rio Grande! Hehe.
Não sei se já comentei aqui sobre um caso de lá, sobre direito do consumidor, que tem tudo para ter formado precedentes jurisprudenciais. Vi a notícia sobre isso no telejornal global local (adoro usar paradoxos! com rima então...), quando estive em Porto Alegre ano passado.
Em primeira instância, a família de um sujeito que acabou vindo a falecer depois de sofrer um ataque cardíaco quando, ao telefone, procurava inutilmente atendimento do serviço de reclamações da operadora de seu celular, teve reconhecido o direito a uma indenização da mesma - pequena, até, conforme opinião que a profa. Chamié me passou após eu ter lhe falado sobre (acho que 13 mil).
Verdade, Caio. O Rio Grande do Sul ainda tem muito o que ensinar. E olha que no sul do país temos as mais virulentas reações aos movimentos sociais.
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