segunda-feira, 28 de março de 2011

Tribunal da História



A foto acima mostra os opositores políticos Luís Carlos Prestes (à esquerda) e Roberto Campos (à direita), debatendo calorosamente no programa Tribunal da História, da TV Educativa, em 1985. A perspectiva do programa — que salvo engano chegou a ser reeditado em tempos mais recentes, porém sem sucesso — era trazer à tona grandes acontecimentos e personalidades do passado, que deveriam ser julgados de acordo com os conhecimentos e valores de hoje.
Sou apaixonado por essa premissa. Se houvesse um programa do gênero em exibição, eu certamente seria fã. Tenho, inclusive, a intenção de promover esse tipo de atividade em âmbito acadêmico. Afinal, tem tudo a ver conosco e até mais de perto com o Direito Penal. Por meio de júris simulados, poderíamos confrontar o nosso passado e, por meio disso, conceber um futuro melhor. Até já tenho alguns réus para sugerir. [Aí, Sandro, tem a ver com História!]
Tomo conhecimento, agora, que juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos costumam realizar júris simulados sobre grandes vultos da História, capazes de lançar uma luz de humanismo sobre fatos que todos precisamos conhecer melhor. Veja:

Sócrates foi condenado por perverter a juventude ateniense. Enquanto isso, Thomas Jefferson e Napoleão estiveram no banco dos réus acusados de conspirarem pela destruição da cultura francesa no Novo Mundo. A distância dos julgamentos com os fatos históricos não impediu que a Suprema Corte dos Estados Unidos levasse os casos aos tribunais, por meio dos júris simulados.

O The Wall Street Journal, em reportagem publicada no último 14 de março, explica com detalhes e em tom espirituoso como juízes e advogados encaram a brincadeira. Enquanto a corte dispensa 99% dos 100 mil casos que chegam todos os anos, muitos juízes americanos dedicam parte de seu tempo livre fazendo justamente o trabalho do dia a dia.
No último júri notável, advocacia e magistratura se debruçaram sobre a obra de Shakespeare. Em pauta, a peça teatral Hamlet e a contribuição do protagonista na morte de Polônio. Para o julgamento foram convocados grandes nomes do Direito na vida real: a advogada da atriz Lindsay Lohan e ganhadora do Oscar Helen Hunt para ser jurada. A produção ganhou até nome: "O Julgamento de Hamlet pelo juiz Anthony M. Kennedy".
A ideia de transportar Hamlet para o banco dos réus veio do juiz Kennedy. Ele conta que, no começo da década de 1990, psiquiatras revisaram definições sobre doenças mentais. Para ele, um exame sob o ponto de vista forense de Hamlet teria muito o que ensinar sobre o assunto.
Para muitos juízes, o prazer desse tipo de julgamento começa bem antes do tribunal. "Enquanto você lê todos esses casos", diz a juíza Ruth Bader Ginsburg, apontando para uma pilha de processos, "é agradável tirar um tempo pra ler algo prazeroso". E, se a diversão começa antes de a corte se reunir, acaba bem depois disso, em jantares depois das audiências, como explica a juíza: "Eu tomo uma ou duas taças de vinho. Isso seria impensável no ambiente da corte real".
A diferença com a vida real não para na quantidade de vinho consumida. A Suprema Corte não abre os seus julgamentos. Mas, no caso dos fictícios, o esquema é diferente. Eles são transmitidos desde 1987. Há quem discorde do empenho e questione a importância social desses julgamentos.
"Acho que seria bem mais importante se o público visse, na corte, um caso Bush versus Al Gore”, opina o senador aposentado Arlen Specter na reportagem publicada pelo The Wall Street Journal. "Eles deveriam relegar Hamlet para o Ensino Médio."
O preparo para esse tipo de simulação conta, muitas vezes, com a ajuda da arte. Foi esse caminho que a advogada Blair Berk escolheu. Durante os preparativos, procurou orientação com um de seus clientes, o ator Mel Gibson, que chegou a interpretar o príncipe da Dinamarca em Hamlet, de 1990.
O próximo julgamento de mentira já está marcado: acontece em abril. Na ocasião, a juíza Sonia Sotomayor, ao lado de outros dois, deve decidir como a senhora Cheveley, criada pelo escritor Oscar Wilde, será lembrada pelos futuros leitores do livro O Marido Ideal.
O Brasil também tem história nos julgamentos simulados. Teria Capitu traído Bentinho com o amigo Escobar? A pergunta, que se repete desde a publicação da obra machadiana Dom Casmurro, já tem resposta. Por falta de provas ou de fatos reais, os sete jurados do 2º Tribunal do Júri de Goiânia decidiram que Capitu não se enquadrava no crime de adultério, previsto, na época em que o enredo se desenvolve, no artigo 240 do Código Penal de 1940.
No julgamento fictício, a defesa da moça ficou por conta de Hélio Moreira, escritor e atual presidente da Academia Goiana de Letras, e a acusação ficou com Eurico Barbosa, imortal da entidade.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-mar-27/suprema-corte-eua-brinca-levar-hamlet-banco-reus

3 comentários:

Sandro disse...

Caríssimo,

Acho excelente a idéia e creio que já havíamos conversado a respeito há algum tempo atrás. É dar tratos à bola. Começar pelo julgamento de Sócrates pode ser uma discussão bastante profícua, dados os tempos de debate legislativo sobre homofobia.

Por que não começamos a esboçar um julgamento neste Tribunal da História para a próxima semana jurídica? Estou nessa.

Abs,

Sandro Alex

Vitor Martins Dias disse...

Muito boa a ideia!

Aproveitando o comentário do Sandro, por que não aliar essa dinâmica ao programa de "Direito e Literatura" que o Cesupa tinha? Talvez poucos alunos se sentissem atraídos em ler as obras de literatura apenas para discutir o seu caráter jus-literário - mesmo que uma discussão com poucos interessados possa ser mais proveitosa do que uma sala cheia de pessoas querendo cumprir horas complementares.

Mas Instigá-los a partir de iniciativas como essa talvez fosse um atrativo a mais até para criar esse hábito nos que não o desenvolveram por completo ou não o tem.

Me lembro de uma das primeiras aulas que tive com o Sandro, quando tivemos que ler Antígona e Édipo Rei. No mesmo semestre lemos O Caso dos Exploradores de Caverna. Bons tempos. Sensacional!

Esse era um programa muito bom, que era mais forte no começo da minha graduação no Cesupa, mas que eu não sei como anda atualmente.

Fica aqui a minha sugestão.

Abs,

Vitor Martins Dias

Yúdice Andrade disse...

Sandro, poderíamos sondar os colegas para saber quem gostaria de participar e, assim, cada um indicaria uma personalidade (ou um fato) a ser julgado. Essa pessoa ajudaria na montagem do evento. Com isso, teríamos a tão sonhada interdisciplinaridade e um modo de manter o interesse dos discentes.

Vitor, por experiências pregressas, posso te afirmar que exigências de leitura prévia podem se tornar desastrosas. A culpa não é da tua ideia, mas do jeito como as coisas são. Por isso, talvez funcione melhor se lidarmos com personalidades, sobre as quais seja possível o interessado pesquisar nas mais variadas fontes. Mas, enfim, pode ser exagero meu.