sábado, 20 de novembro de 2010

Quem precisa do remédio?

Você já ouviu falar de uma substância chamada Ritalina? Para nós, brasileiros, o nome soa engraçado, porque nos remete à cantora Rita Lee, mas a questão atual envolvendo a dita substância é bem séria.

Moléculas de Metilfenidato e sua
apresentação comercial: tarja preta
Conversando com uma bem informada e crítica amiga, ontem, ela me relatou ter tomado conhecimento de que o Brasil já é o terceiro maior consumidor de ritalina no mundo1. Para entender, saiba que Ritalina é o nome comercial da droga Metilfenidato2, uma anfetamina definida como um "fraco estimulante do sistema nervoso central" segundo a sua própria bula (que pode ser lida aqui). Ela é empregada no tratamento de dois problemas que estão na ordem do dia: o transtorno do déficit de atenção e a hiperatividade. Na verdade, segundo o meu guru para assuntos psiquiátricos, G. J. Ballone, atualmente o mais correto é falar em transtorno de déficit de atenção por hiperatividade (TDAH).
De vez em quando, ponho-me a pensar sobre as doenças da contemporaneidade. Doenças que não existiam há alguns anos e que foram engendradas (em alguns casos, o termo inventadas cairia bem) pela sociedade de duas, três décadas para cá. Uma boa parte dessas mazelas expressa um esforço mais ou menos inconsciente de encobrimento dos erros, vícios e depravações do próprio indivíduo. Sabe quando um adúltero diz que traiu a mulher porque a carne é fraca? A culpa não foi dele, mas da carne. Isso o livro da responsabilidade. Este é um exemplo simplório. As coisas hoje em dia são bem mais graves.
De uns tempos para cá, as crianças começaram a se tornar hiperativas. Note a mordacidade desta afirmação. Redigida com cinismo (e sem olvidar, é lógico, que o problema existe e precisa ser encarado com seriedade), quer indicar que, hoje, muitos pais recorrem ao diagnóstico conveniente da hiperatividade para não reconhecer que seus filhos são, simplesmente, mal educados, desrespeitosos, antissociais. Se não estudam ou não se fixam em nada útil? Hiperatividade! Não tem nada a ver com escolas ruins, que não sabem prender o interesse do aluno, com pais ausentes ou com as seduções da Internet, do videogame, da televisão, da sexualidade precoce. Se o moleque grita, bate portas, desobedece e ignora solenemente tudo o que lhe dizem, é TDAH! É mais fácil isso do que admitir que ele não seja lá muito inteligente ou, o que é mais provável, que sua formação intelectual (e moral) tenha sido negligenciada pela família.
Educar dá um trabalho do cão. E, claro, demanda um tempo enorme. Até porque não basta o tempo cronológico, exigindo-se também um tempo qualitativo. E essa exigência compromete as agendas dos pais, lotadas de compromissos profissionais, happy hours, ginástica, festas e do sagrado descanso, merecido após fazer tudo isso! Não dá para chegar em casa e aturar um moleque querendo jogar bola no meio do apartamento. Se constatamos, então, que ele não fez o dever de casa, fica fácil: é só levar a um profissional que nos dê uma mãozinha com um diagnóstico conveniente e lá vem a receita médica. Ritalina em casa: seus problemas se acabaram!
Não podemos ignorar, também, que a popularização do medicamento se deu com a ajuda dos universitários, que passaram a tomá-lo como se fosse um procedimento normal nos estudos. A atenção fica mais focada, sob o efeito da droga. Mas, claro, somente sob o efeito da droga. Isto é um problema seriíssimo tanto sob a perspectiva do estudante que tenta suprir sua preguiça com esforços concentrados de última hora, a peso de remédios, quanto sob a do estudante que, verdadeiramente responsável, torna-se obsessivo e se entope de remédios em uma corrida alucinada por dar o seu melhor. Numa sociedade cada vez mais competitiva, cheia de comparações e de concursos disso e daquilo, um remédio capaz de otimizar as horas de estudo pode se tornar uma bomba de efeitos mais ou menos retardados.
Para piorar, a Ritalina é barata: uma caixa com vinte comprimidos sai por menos de vinte reais. A vida é bela, o paraíso é um comprimido facim de obter, ali na esquina.
Importante destacar que a droga tem, entre seus efeitos colaterais mais conhecidos, taquicardia, perda de apetite e de sono, variações no humor, dores no estômago e ressecamento dos lábios. O seu filho realmente merece ser submetido a tudo isso, só para você poder tomar a sua cervejinha em paz?

1 O problema já era denunciado em outubro de 2004: http://veja.abril.com.br/271004/p_068.html
2 Esse é o nome comercial registrado pelo indústria Novartis Biociências. Mas a mesma droga também é fabricada pela Janssen Cilag sob o nome Concerta.

Exemplo de baixa responsabilidade no trato do assunto: http://www.ritalina.net/dda-tdah/ritalina-entenda-tudo/#more-546

Um comentário:

Ritalina disse...

Olá? exemplo de baixa responsabilidade? cada qual com sua opinião, ok?

Acho que entendeu errado meu blog, ele não trata só de ritalina e tdah, e não manda ninguem tomar nada, aliás, eu sempre estimulo consultas com médicos, mas se o senhor não sabe, uma parte do cérebro de pessoas com dda/tdah tem um trabalho diferente comparada com a de pessoas " normais ", acho que se fosse um problema inventado, a ressonancia não acusaria nada, mas opinião é opinião, respeito a sua, final de semana vou ler seu blog.
Abraços