sábado, 5 de março de 2011

Burro

Por falta de reflexão e por preconceito, dentre outros fatores, as pessoas cristalizaram ideias incorretas sobre inteligência e sobre a falta dela. Sempre se associou a inteligência à capacidade de armazenar informações, mesmo que sobre elas não houvesse crítica nem aplicabilidade concreta. O estudante que tinha a matéria toda na ponta da língua era "inteligente" e qualquer um com dificuldade de aprendizagem (ou nem isso, apenas não memorizou o pacote do bimestre) era "burro". Se o CDF, entretanto, era capaz de dar algum sentido ou utilidade aos conhecimentos supostamente assimilados, era outra história.
Hoje, conhecemos a teoria das inteligências múltiplas e sabemos que podemos chamar de inteligência a habilidade para realizar tarefas diversas. Assim, há pessoas inteligentes para o raciocínio abstrato, ou para a música, ou para atividades manuais, etc. Um dançarino talentoso tem uma grande inteligência corporal, mesmo que seja inepto para o aprendizado de idiomas, p. ex. Uma cozinheira de forno e fogão é muito inteligente para a arte de preparar alimentos, mesmo que sem nenhuma instrução formal.
Num mundo assim, quem merece ser chamado de burro, afinal?
Na onda do politicamente correto, não podemos mais ser descorteses com pessoas com déficit de inteligência, aprendizagem ou atenção. Aliás, hoje em dia quase toda criança é hiperativa, uma desculpa pretensamente científica para preguiça, vagabundagem e até mau caráter (voltaremos a falar sobre isso outro dia). Logo, não podemos classificar uma pessoa com dificuldades reais de desenvolvimento cognitivo como burra. Isso seria cruel, injusto e não inclusivo.

Equus asinus: o mesmo que asno,
jumento ou jegue
 Parece-me, assim, que o conceito de burrice se torna cada vez mais valorativo. Burra é a pessoa cujas atitudes irrefletidas, grosseiras, toscas, minimalistas ou agressivas, dentre outros adjetivos, poderiam ser evitadas de acordo com as capacidades intelectuais, morais e sociais que o indivíduo já possui, mas das quais abdica porque quer. Um sujeito que pode aprender e estudar, mas não tenta, é um burro (idiota também vale).
Uma forma simples de identificar um burro é observar quem, numa conversa, distorce completamente os termos do diálogo e cria uma variável falsa, que serve para validar o ponto que ele quer fixar. Um recurso retórico que também serve para definir um sujeito canalha, mas que neste contexto utilizo para indicar alguém cuja má fé o leva a aceitar dar mostras de suas limitações perante terceiros.
Foi o que acabou de ocorrer aqui no blog. Não é a primeira vez e, curiosamente, acerca do mesmo tema. Vejam, abaixo, os links para postagens anteriores onde o problema se deu. Falo sobre bom senso no uso de vestimentas quando se vai a um prédio do Poder Judiciário. E sempre aparece um jacu (melhor dizendo: um burro) distorcendo completamente o teor do texto. No primeiro deles, "Estranhos costumes", eu me dou ao trabalho de explicar que devemos respeitar inclusive os costumes, os sentimentos alheios, etc. E menciono que ninguém admitiria uma pessoa nua, suja ou congênere circulando por um prédio público. Mesmo assim, os asnos aparecem com as mesmas estultícies. Veja na caixa de comentários da postagem "Toma-te!", imediatamente anterior a esta.
Nestas horas, sinto-me livre para proclamar: eu detesto gente burra!

Precedentes do tema:

4 comentários:

blog do bacana-marcelo marques disse...

Caro,sou seu leitor sempre.
Gosto da forma que escreve, sempre inteligente.
Parabéns pelo blog.
Abraços para a família.

caio disse...

Eu tinha reparado nisso. Terno e "Dr." (me recordo bem de uma postagem sobre esse termo, rendeu uns trezentos comentários com réplicas e tréplicas e quatréplicas...) são meio que dogmas para muitas das pessoas do meio. Quem critica mexe em um senhor vespeiro... e já senti isso, conforme até relatei aqui certa vez.

Bom carnaval, professor!

Lilica disse...

Gostei da postagem. Andaste lendo "Inteligências Múltiplas", do Howard Gardner? Muito bem, se olhares pros teus alunos vendo em cada um suas diversas habilidades, podes te considerar um verdadeiro educador. Parabéns!!!!!

Yúdice Andrade disse...

Muito grato pela gentileza, Marcelo.

E o mais interessante, Caio, é que o tema não me parece algo que devesse render tanto enxame.

Lilica, conheci essa obra porque foi a principal referência teórica da dissertação de mestrado de minha esposa. Confesso que não li, a despeito do meu grande interesse, mas conheço algumas minúcias através de Polyana.
Grato pela gentil pressuposição feita a meu respeito.

Anônimo, não publiquei seu comentário porque violava as normas de conduta do blog. O motivo está na "Janela do bom senso", aí à direita, parte final do segundo parágrafo.