segunda-feira, 7 de março de 2011

Raquel e sua estranha busca pelo autoconhecimento

A intenção era ver O discurso do rei mas, como os ingressos estavam esgotados, entramos na sessão de Bruna Surfistinha. Que fique claro, porém, que tanto eu quanto minha esposa já pretendíamos ver o filme, seja porque valorizamos o cinema nacional, seja porque tínhamos curiosidade pelo produto em si. Apenas não era a nossa prioridade. Mas vimos e, enquanto obra cinematográfica, pensamos que se trata de um filme interessante, que merece ser visto. Nada demais. A vantagem de não ter expectativas em relação a um filme é que o que vier é lucro.
Não sou crítico de cinema, por isso me concentrarei naquilo que me chamou a atenção.
Quando escutei falar de Bruna Surfistinha pela primeira vez, ela já era a ex-garota de programa famosa por causa da Internet, autora de um livro que até despertou a minha curiosidade, mas que nunca li. Tenho uma tendência imediata a rejeitar tudo o que é muito massificado, por isso resvalo dos modismos. Ela era moda naquele momento e, quando a moda passou, meu interesse foi junto. Não fosse o filme de Marcus Baldini, Raquel Pacheco teria caído no esquecimento.
Anos atrás, vi um filme que, no Brasil, recebeu o ridículo título de Em luta pelo amor (Dangerous beauty, dir. Marshall Herskovitz, EUA, 1998). Ele retrata a vida de uma jovem que, impedida de se casar com o homem que amava pela diferença de classes sociais, herda a profissão da mãe e se torna uma das mais famosas cortesãs da dissoluta Veneza do século XVI. Na época, o filme foi muito criticado por supostamente romantizar e dar glamour à prostituição, já que as mulheres eram sempre limitadas (pois não podiam estudar), presas às famílias originárias e depois aos maridos e terminavam envelhecidas prematuramente, exaustas e infelizes. As cortesãs, por outro lado, viviam entre festas e fausto, eram cultas (para conquistar homens ricos, estudavam de tudo, inclusive lutas) e livres. Há uma única cena em que a protagonista é levada para ver de perto como acabam todas as cortesãs, doentes e miseráveis, em condições sub-humanas. No final, porém, a redenção da personagem faz parecer que tudo valeu a pena.
Pergunto-me se crítica semelhante será feita a Bruna Surfistinha. Afinal de contas, o filme retrata quase que exclusivamente a prostituição da protagonista, no que ela não se diferencia de tantas outras. O verdadeiro diferencial, seu sucesso na Internet, é abordado de modo tão tangencial que chega a ser irrelevante no desenvolvimento da trama. Há uma cena em que ela é entrevistada e o jornalista menciona que ela fora premiada como a personalidade da Internet interativa do ano e só. Parece que o diretor queria mesmo explorar as curvas de Deborah Secco, atriz que jamais me convenceu, mas que se saiu bem num papel adequado aos tipos já interpretados na TV. Por sinal, curvas bem agradáveis de se ver, ainda mais considerando a atual magreza da atriz.
O roteiro tem a sua previsibilidade. Mesmo sem termos nos ocupado com Raquel Pacheco antes, já podemos antever que uma narrativa sobre uma jovem que se torna prostituta voluntariamente mostrará o comecinho com medo e nojo, depois a empolgação, o dinheiro entrando, a farra, e depois o vício em drogas, a decadência, a degradação e a quase morte. Mas nem acho que o roteirista seja o culpado. É que essas histórias normalmente se repetem, mesmo. Quem se lança no abismo em busca de autoafirmação raramente reinventa a roda. O mais das vezes, não reinventa nem a si mesmo. Talvez Raquel Pacheco seja uma exceção. Talvez.
Raquel era uma adolescente deslocada de seu mundo, mas até aí nada que a diferencie dos adolescentes em geral. Sua impressionante decisão é explicada pelo desejo de independência (com esforço, ainda consigo entender), mas sobretudo como uma busca pelo autoconhecimento. Já no final da projeção, a Titelrolle afirma que se tivesse continuado Raquel, Bruna jamais teria existido e ela poderia ter-se entendido com seus pais. Mas somente como Bruna ela pode se entender consigo mesma e ter orgulho de si. Essa parte eu não entendi, até porque tudo isso me pareceu um mero exercício retórico.
Como o tempo está passando para mim, vi o filme com olhos de pai. Não penso em prostituição, porque essa é uma condição bastante radical. Mas quando sou levado a pensar num mundo em que adolescentes comuns, como os que temos dentro de casa, se expõem sensualmente através de webcams e praticam atos sexuais totalmente irresponsáveis com conhecidos (ou desconhecidos, sei lá), fico perplexo. Com a sensação de que este mundo é cada vez mais assustador. E escutar a garotada de hoje conversando sobre seus conceitos de diversão não me ajuda em nada a superar essa angústia. Muito pelo contrário.
Posso ser um sujeito tacanho, mas não me convencem essas jornadas ao fundo do ego baseadas em condutas autodestrutivas. Quando sinto dor de cabeça, tomo um comprimido; não dou com a cabeça na parede.
Mas sou eu, não é?

4 comentários:

Ana Miranda disse...

Eu não tenho absolutamente nada contra "Garotas de Programa", acho que cada pessoa sabe se dá conta de lidar com as consequências que seus atos provocam...
Mas, sinceramente, não li o livro e com certeza, não irei ver o filme, nem quando estiver disponível na televisão.

Yúdice Andrade disse...

Também não tenho nada contra elas. Mas tenho uma curiosidade enorme acerca de suas vidas, que não são nada fáceis. Sou solidário a elas, na verdade.

Edyr Augusto Proença disse...

Pois eu não gostei do filme, Yúdice. A atriz até que se sai bem, afora ser tão bonita, apesar de estar quase desaparecendo de magra. Ainda ontem, em um capítulo da novela das nove, seu colo parecia pronto para uma aula de anatomia do esqueleto, mais a aplicação de silicone nos seios.

Yúdice Andrade disse...

Na novela ela está horrorosa, Edyr. No filme, sim, está bonita, porque tem curvas. Definitivamente, penso que quem gosta de osso é cachorro. Magreza é coisa para as próprias mulheres verem, não sei com que finalidade. Lamento que essa obsessão se tenha instalado no mundo.
Quanto ao filme, penso que é um bom lazer. Nada de inesquecível, porém.