quarta-feira, 23 de março de 2011

Um legítimo demo

Esse cidadão aí ao lado é o deputado federal Júlio Campos, do DEM-MT. Na sessão plenária de ontem, ele soltou uma pérola digna da vetusta direita brasileira:

“Essa história de foro privilegiado não dá em nada. O nosso Ronaldo Cunha Lima [ex-deputado e ex-governador da Paraíba] precisou ter a coragem de renunciar ao cargo para não sair daqui algemado, e, depois, você cai nas mãos daquele moreno escuro lá no Supremo. Aí, já viu.”

O deputado-demo conseguiu a proeza de dizer três asneiras no exíguo espaço de apenas 42 palavras:

1) Defendeu Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB, lembrando que os tucanos são a parceria ideal dos demos), que em 31.10.2007 renunciou ao mandato de deputado federal para perder o foro privilegiado e, com isso, escapar de uma ação penal perante o Supremo Tribunal Federal. Como a maioria dos brasileiros no fundo não repudia a corrupção, saiba que Lima é acusado de um crime de homicídio tentado, contra um ex-governador do seu Estado, delito que integra a lista daqueles pelos quais a classe média clama pelo endurecimento das leis penais. Desde que o acusado não seja meu parceiro, claro.

2) Renunciar ao cargo para escapar às consequências disciplinares ou penais de seus atos não é "coragem": é canalhice. Lima sabia que, no STF, teria um julgamento estritamente técnico. Ao renunciar e perder a prerrogativa de foro, ele será levado ao tribunal do júri, perante juízes leigos, sobre os quais bons e caros advogados podem deitar e rolar.


Negro: não "moreno escuro"
 3) "Moreno escuro", no contexto, é discriminação racial. O Ministro Joaquim Barbosa é efetivamente negro e, portanto, é absolutamente normal dizê-lo. Usar um termo alternativo para evitar "negro" é preconceito, porque denota uma convicção íntima de que é uma condição negativa. Dizer que não lembrava o nome de Barbosa é balela. Podia ter dito "daquele ministro", p. ex.

Consta que Lima já ligou para o gabinete de Barbosa se desculpando e alegando que a gafe (digamos assim) foi decorrência apenas do esquecimento do nome. Aguardemos, agora, os desdobramentos.

5 comentários:

Liandro Faro disse...

Meu Prezado,

Estive pensando comigo, e cá cheguei em algumas considerações, que desejo partilhar com você:

1 - Primeiro, acredito que o nosso Sistema ainda é bastante preconceituoso, e ouvir de um "representante do povo" estas expressões me leva crer que ainda escolhemos muito mal os nossos representantes. Uma vez ouvi que nós temos o Governo que merecemos, pois ele é o reflexo da expressão social, da sociedade e dos indivíduos...

2 - Entretanto, quero aqui provocar algumas reflexões, que me serão úteis...

a) Negro é raça e Preto é cor, pelo menos assim definiu o IBGE, porém tenho uma pergunta: Todo preto é negro?

b) - Se assim o é, porque é tão difícil usar o termo preto para designar pessoas?

c)- O Ministro Joaquim Barbosa é Negro ou Preto? Ou os dois?


Att.

Anônimo disse...

Fiquei em dúvida mesmo foi de por que ele citou especialmente o Joaquim Barbosa, e não outro ministro qualquer.

Yúdice Andrade disse...

Não sei se o IBGE ajudou nesse debate, Liandro. Eu realmente me pergunto se, diante da classificação em raças, é mesmo necessário eu classificar as pessoas também em relação a cor. Por falta de conhecimento pessoal, não me arrisco a uma resposta.

André, decerto que foi pela fama de Barbosa, considerando extremamente rígido com indivíduos acusados de malinagens com a coisa pública. Vale lembrar o recebimento da denúncia, no famoso caso do "Mensalão": a eloquência do ministro chegava a assumir contornos moralistas, em certas passagens.
Em suma, um político mal intencionado tem mais chance de ser condenado por um Barbosa do que por outros ministros, que de tão garantistas chegam a irritar até um garantista como eu.

Lilica disse...

Enquanto rola o debate sobre raça, negro ou preto, o deputado só ligou pro ministro, porque tá com medo, mas muuuuito medo de ser processado.

Ana Miranda disse...

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