terça-feira, 17 de novembro de 2009

De solteira a viúva. Sem escalas

O casamento de Magali Jaskiewicz, ocorrido sábado passado em Dommary-Baroncourt (França), não teria interessado à imprensa internacional não fosse o fato de o noivo, Jonathan Goerge, haver morrido um ano antes, num acidente automobilístico.
O pitoresco nem é o caso em si, mas o fato de o Código Civil francês permitir expressamente o casamento de pessoas mortas, desde que o passamento se tenha dado após o início do processo formal de habilitação.
A história é triste, sem dúvida, mormente considerando que se trata de duas pessoas tão jovens, já pais de duas crianças. A fotografia bem revela que a noiva não estava nada feliz.
Antes que algum aloprado esculhambe os franceses, reduzindo tudo a um sentimentalismo inútil, lembro que o que está em jogo é a proteção dos direitos inerentes à família, para fins patrimoniais e previdenciários, principalmente. Ser viúva pode assegurar a Jaskiewicz direitos que, talvez, ela não tivesse de outra forma.
Afora isso, quem poderá dizer quão fundo calam na alma certas pretensões morais?

7 comentários:

Liandro Faro disse...

Ora, ora, ora...

Existem poucas diferenças entre nossa legislação e a dos franceses. Coisa estranha, por coisa estranha, nós também temos um "bucado".

No Brasil, pode-se casar no leito da morte, sem necessidade de celebrante "oficial", bastando algumas testemunhas que atestem que o moribundo, antes do passamento; declarou por livre e espontânea vontade casar com a dita cuja.

Pode-se casar através de procuração, onde um dos noivos pode ser representado pelo cunhado/cunhada/amigo/amiga/vizinho/vizinha, etc, para estar presente na celebração oficial... O pior, ah o pior, é que quem consuma o matrimônio, muitas vezes, são os outorgados (fura olho), e não os outorgantes (pobres coitados)!

E ainda, sabe aquela moiçola, que por descuido, engravidou aos 12/13 anos de algum rapaz de 18/19 anos, eles poderão casar, mesmo ela não estando em idade núbil... E o pior, se ele a "forçou" e a engravidou, caso ele venha se casar com ela, ainda assim este casamento é válido.

Antes de 2005, bem recente diga-se de passagem, a punibilide extinguia-se quando houve o casamento do agente com a vítima. Logo, se uma criança havia sido violentada, e casasse com o violentador, não seria aplicado qualquer sanção penal a ele.

Aff... Tantas coisas...

Vamos nos arvorar em analisar a nossa legislação, constumes e tradições! Existe cada coisa "doida" neste rincão brasileiro, que causaria impacto até nos indivíduos que zelam pela Burca!

Forte abraço!

Anônimo disse...

Yúdice, eu concordo 100% contigo qdo "dizes" (ai, eu acho tão chique vcs aí do Pará usarem o verbo na forma correta)que o casamento é para beneficiar os filhos, a própria esposa, etc e tal, mas convenhamos, casar de noiva e com cara de velório é um pouquinho demais, né não?
Ana Miranda

Luiza Montenegro Duarte disse...

Até entendo as questões jurídicas por trás do estado civil, mas precisava ir de noiva, com véu, grinalda, luvas, buquê, etc? Não podia ter ido em um cartório formalizar a situação? Bem, cada um faz o que quer, mas é no mínimo estranho.

Yúdice Andrade disse...

Veja bem, Liandro: nosso Código Civil permite o casamento nuncupativo, mas não o de pessoas falecidas. Aliás, o nuncupativo, com suas peculiaridades, existe justamente para viabilizar o enlace antes que a morte ocorra. Por isso, penso cabível o destaque dado a essa nuança da lei francesa.

Ana e Luiza: a cara de velório é decorrência de um estado de espírito que, penso, não pôde ser evitado. Obviamente, foi um dia em que a cabeça da noiva esteve agitadíssima, pensando em todos os planos perdidos. O ato cumpria uma finalidade prática, mas não era algo feliz.
Quanto ao vestido de noiva e eventuais outros elementos próprios de um casamento "normal", não posso censurar a jovem. Era uma catarse, o fechamento de um ciclo, algo de que todos necessitamos para prosseguir vivendo. Quem sabe não tenha sido o último momento de luto que essa moça viveu?
Não a recrimino. Pelo contrário, eu até a entendo. Quem sabe o que vai na alma de uma pessoa?

Luiza Montenegro Duarte disse...

Não sei bem se eu quis criticá-la. Não a julguei como alguém que fizesse isso pra aparecer, por prazer, ou algo do tipo. No meu entender, no entanto, uma atitude como essa é de uma pessoa desequilibrada (pelo menos momentâneamente), o que é perfeitamente compreensível, dadas às circunstâncias. Espero não descobrir como é ter que desistir dos sonhos tão cedo.

Mais do que chocar aos outros, tenho certeza que ela se machucou muito usando esse vestido. Foi uma coisa bem masoquista (e estranha), um sofrimento que a maioria das pessoas não veria sentido em passar, mas concordo que cada um sabe de sua própria dor e suas próprias necessidades.

No mais, espero que ela tenha encerrado esse ciclo e reencontre o equilíbrio (presumindo que ela o tinha antes).

Anônimo disse...

Fui à pesquisa. Li a reportagem nos jornais ingleses e franceses e descobri que o referido artigo do Código Civil francês é o 171, que diz o seguinte:

"Le Président de la République peut, pour des motifs graves, autoriser la célébration du mariage si l'un des futurs époux est décédé après l'accomplissement de formalités officielles marquant sans équivoque son consentement.

Dans ce cas, les effets du mariage remontent à la date du jour précédant celui du décès de l'époux.

Toutefois, ce mariage n'entraîne aucun droit de succession ab intestat au profit de l'époux survivant et aucun régime matrimonial n'est réputé avoir existé entre les époux."

Traduzindo:

"O Presidente da República pode, por motivos graves, autorizar a celebração do casamento se um dos futuros esposos morreu após o cumprimento das formalidades oficiais, deixando fora de dúvida seu consentimento.

Nesse caso, os efeitos do casamento remontam à data do dia anterior ao da morte do esposo.

Todavia, esse casamento não gera nenhum direito de sucessão por testamento em proveito do esposo sobrevivente e nenhum regime matrimonial [regime de bens] é suposto como tendo existido entre os esposos."

Isso responde minha pergunta sobre seguro, herança e quinhão de bens: Ela não teria direito algum. Mas cria outra pergunta: Quais terão sido os "motivos graves" pelos quais o Presidente autorizou a celebração desse casamento? Li no "Le Figaro" e no "France Info" que o Presidente já deu sua sanção final autorizando o casamento, mas nenhum dos dois veículos me informou por quê.

Yúdice Andrade disse...

Como tive a oportunidade de lhe dizer pessoalmente, o André me deixou perplexo. Se, ao contrário do que supusemos, o casamento post mortem não teve nenhum efeito patrimonial ou sucessório, limitando-se a uma medida de satisfação moral exclusivamente, a coisa deixou de fazer sentido.
Em conversa pessoal com ele, conheci melhor alguns detalhes que ele leu nos jornais franceses, bem como escutei a suscitação de outras interessantes questões, sobre as quais talvez ele escreva em seu próprio blog.